por Rodolfo Calligaris Reformador (FEB) Dezembro 1963
São citados, em apoio dessa doutrina teologal, vários
textos das Escrituras Sagradas. como, p. ex., os seguintes:
“Qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu
irmão, será réu de juízo; qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do
Sinédrio; e qualquer que disser: Louco, será réu do fogo do inferno.” (Mat., 4:22)
“E se o teu pé te escandaliza, corta-o; melhor te é entrar na vida eterna coxo, do que, tendo dois pés, ser lançado no fogo do inferno, que nunca jamais se apaga.” (Mar., 9:44)
“Então dirá também aos que hão de estar à esquerda:
Apartei-vos de mim, malditos, para o fogo eterno que está aparelhado para o
diabo e para os seus anjos." (Mat, 25:41)
Há, de fato, aí, referências ao “fogo do inferno, que
nunca jamais se apaga”, parecendo que
a monstruosa doutrina das penas eternas tenha sido sancionada pelo Cristo.
Em verdade, porém, as citadas palavras do Mestre não têm o
sentido que a Teologia lhes emprestou. E quem vai provar-nos isso é a Gramática.
A regência, parte da sintaxe que estuda a dependência
existente entre os elementos de uma frase, oração ou sentença, nos explica que
elas mudam completamente de sentido conforme a posição dos complementos junto
aos termos regentes. Assim, “preciso muito de dinheiro” tem significação diversa
de “preciso de muito dinheiro”; “só quero dormir” é coisa bem diferente de “quero
dormir só”.
Analogamente, “ser lançado no fogo eterno” não é o mesmo
que “ser condenado eternamente ao fogo do inferno”. Faze-la crer, é um sofisma grosseiro
que qualquer colegial, com elementares conhecimentos gramaticais, saberá
refutar com facilidade.
O adjetivo “eterno” e a expressão equivalente “que nunca
se apaga”, nos textos em análise, como em quaisquer outros que possam ser invocados,
sempre se relacionam com fogo, e nunca com pena ou castigo.
Logo, o que é eterno (ou de duração indefinida) é o
processo purgatorial e não a pena de cada indivíduo, em particular.
Compreende-se: como as almas são criadas incessantemente
(e elas são criadas simples e ignorantes, sujeitas, portanto, ao erro), sempre haverá
necessidade do fogo das expiações e das provas, para que se purifiquem e se
aperfeiçoem, mas que elas possam ser condenadas a suplício eterno, isso é que
não!
Ao contrário,
inúmeras são as afirmações contidas tanto no Velho como no Novo Testamento que
invalidam, peremptoriamente, a doutrina das penas eternas.
Entre muitas outras, eis algumas:
“A ira de Deus dura um momento só, mas a sua benignidade é eterna." (Salmo 29)
“Eu não quero a morte do ímpio, mas sim que ele se
converta e viva." (Ezeq. 33;11)
“O Senhor não retém a Sua ira para sempre, porque tem
prazer na benignidade.” (Miq. 7;18)
“Deus não enviou Seu Filho ao mundo para condenar o
mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele." (João, 3:17)
“Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem a ter conhecimento
da verdade.” (Paulo, I Tim., 2:4)
“O Senhor espera com paciência por amor de vós, não
querendo que nenhum pereça, mas que todos se convertam à penitência." (II
Pedro, 3:9)
Puro engano. O temor do castigo é tanto maior quanto mais
convicção se tenha quanto à sua aplicabilidade; essa convicção, por sua vez, será
tanto mais profunda quanto mais racional a procedência do castigo. Uma
penalidade em que não se creia não pode ser um freio, e a eternidade das penas
está nesse caso.
É possível que tal ideia houvesse sido útil em outras
épocas; hoje, porém, que as inteligências se acham mais desenvolvidas, só tem
servido para gerar a incredulidade, o materialismo e a indiferença religiosa,
que são os piores males do século.
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