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quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Antropomorfismo

                                 

Antropomorfismo

por Lincóia Araucano (Ismael Gomes Braga)

Reformador (FEB) Julho 1961

             Em bela carta cheia de considerações judiciosas, o velho espírita esperantista inglês Alexandre Guilherme Thompson, mais conhecido mundialmente pelo pseudônimo de Avoto, lembra-nos a imensa dificuldade que o mundo tem para aceitar hoje as ideias religiosas e também o Espiritismo, por causa do grosseiro Antropomorfismo introduzido em religião pelas igrejas.

            Pensamos que uma gloriosa missão do Espiritismo será precisamente a de libertar a Humanidade desse Antropomorfismo grosseiro que engendra o atavismo ilógico e frio, que priva o homem de manter, pela meditação e pela prece, um convívio espiritual consciente e muito benéfico para ele mesmo e para os seus amigos desencarnados, dando e recebendo auxilio, como ocorre com os religiosos de qualquer crença.

            Dá-se o nome de Antropomorfismo ao erro de imaginar Deus com formas e qualidades humanas. É erro grosseiro, porque nossas noções de bem e de mal são incompletas, provisórias, mutáveis no tempo e no espaço: o que parece bom em um tempo e lugar passa a ser considerado mau em outro tempo ou no mesmo tempo em outro lugar; portanto, a perfeição de Deus ficaria sujeita à evolução do homem e até a seus pontos de vista e de classes sociais.

            Emprestando a Deus as qualidades humanas de uma certa época, em outra época, mais esclarecida e mais moralizada, Ele será considerado um monstro detestável, no qual os homens não poderão crer, e tornam-se ateus, irreligiosos, com grande prejuízo para eles mesmos; mas na verdade não deixaram de crer em Deus, deixaram apenas de crer num erro puramente humano que inventara um deus à imagem é semelhança do homem, um deus antropomorfo que nunca existiu.

            O modelo perfeito desse Antropomorfismo é o deus dos antigos, o deus dos judeus, que mandava exterminar com requintes de crueldade os povos vencidos na guerra e tomar-lhes as terras para o povo “eleito”; que mandava matar por apedrejamento o blasfemo, isto é, quem ousasse dizer palavra contra algum dos dogmas do Judaísmo. Era uma concepção judaica e racista de Deus, imaginando um deus puramente judaico.

            Jesus reformou essa concepção errada, mas não foi aceito, e vimos ressurgir no mundo que se dizia cristão os mesmos crimes com outros nomes, como a Guerra das Cruzadas que durou duzentos anos e as fogueiras da Inquisição para queimar vivos os hereges, ou seja, qualquer pessoa que descobrisse alguma coisa em desacordo com os dogmas da religião, ou melhor, da igreja dominante.

            Os representantes desse Antropomorfismo cometeram e cometem os mais horríveis erros políticos da História. É realmente impossível crer neles e em seu deus e assim a Humanidade caiu no ateísmo absoluto, previsto pelos Espíritos desde 1856. Mas o ateísmo é inaceitável, porque tudo na Natureza revela planejamento inteligente, finalidades a alcançar, força executiva, inteligência, finalidades e força completamente diferentes e infinitamente maiores do que as humanas.

            Se uma semente nos revela um planejamento sábio, para ser executado em curto tempo, uma nebulosa revela um planejamento igualmente sábio para cumprir-se em milhões de séculos ou de milênios.

            A semente e a nebulosa revelam planejamento no mundo físico; o progresso intelectual e moral do homem revela planejamento no mundo espiritual.

            Nada ocorre por mero acaso; tudo se realiza de conformidade com leis sábias da Natureza.

            Há uma Inteligência, uma Força que criou e comanda as leis da Natureza.

            O Espiritismo nos revela que de toda a eternidade surgiram seres inteligentes e que estes seres progridem sempre: portanto, há seres espirituais infinitamente mais sábios e poderosos do que os homens da Terra. Esses altíssimos Espíritos governam os mundos, aplicando as leis de Deus, mas são apenas criaturas de Deus executores de Seus desígnios.

            Os antigos pensavam que esses Espíritos fossem deuses e assim criaram o Politeísmo. Os judeus supuseram que um desses Espíritos era o deus de Israel e depois o promoveram a deus universal e único, criando a ideia feliz do Monoteísmo, mas entronizando como deus único o deus dos judeus, com todos os seus defeitos, com todo o seu feroz racismo.

            O Espiritismo eleva ao infinito a ideia de Deus, colocando-O acima e fora de toda a nossa capacidade de julgamento, e, mais ainda, demonstra-nos que a nossa atual inteligência é incapaz de compreender até mesmo os grandes Espíritos que executam os desígnios de Deus.

            Tenhamos, pois, a humildade de reconhecer a nossa pequenez diante do Criador sem ousarmos emprestar-Lhe nossas infantis e mutáveis qualidades humanas, e tentemos apenas descobrir Lhe as leis postas na Natureza e aplica-las em nós mesmos, porque nós também somos parte da Natureza, da Criação de Deus.

            O Antropomorfismo é monstruosidade que conduz o homem a outra monstruosidade, ao Ateísmo, em contradição com tudo que nos cerca e nos envolve nos planos materiais e espirituais porque tudo nos revela aspectos da sabedoria divina, absolutamente superior e diferente da sabedoria humana. Não ousemos enquadrar Deus nos limites estreitos de nossas classificações.

            Quando o Espiritismo vencer o Antropomorfismo, a Humanidade terá dado um grande passo em seu progresso espiritual. Nesse dia não haverá mais ateus: toda a Humanidade terá uma religião que será “verdadeira, grande, bela e digna do Criador” como foi dito a Allan Kardec em 30 de Abril de 1856. Nessa comunicação há um tópico que desejamos reproduzir aqui, no original, sem alterar uma letra porque é profecia que se está cumprindo em nossos dias e nossa tradução poderia ser influenciada pelos acontecimentos de hoje. Copiamo-lo em "Oeuvres Posthumes” de edição anterior ao início das revoluções atuais, edição de 1912, páginas 316 e 311:

             “Quand le bourdon sonnera, vous le laisserez; seulement vous soulangerez votre semblable; individuellement vous le magnétiserez afin de le guérir. Puis, chacun à son poste préparé, car il faudra de tout, puisque tout será détruit, surtout pour um instant. Il n’y aura plus de religion, et il en faudra une, mais vraie, grande, belle et digne du Créateur...”

             É maravilhosa a síntese dessas poucas linhas, recebidas em 30 de Abril de 1856, em casa do Sr. Roustan, por Allan Kardec, por intermédio da médium Senhorita Japhet. Previa que viriam as dolorosas revoluções e aconselhava a não tentar impedi-las, deixá-las fazer sua obra, apenas tratar individualmente dos enfermos, curando-os com o magnetismo curador. Cada um deverá ficar em seu posto previamente preparado, porque se precisaria de tudo, pois que por algum tempo tudo seria destruído. A religião desapareceria; seria preciso uma nova religião, mas não igual às passadas. A nova teria que ser sem antropomorfismo, verdadeira, bela e digna do Criador.

            Isso foi escrito há mais de cem anos e tudo se vai cumprindo: o “pau está cantando” nas costas dos homens; tudo vai sendo arrasado para ser reconstruído; a religião desapareceu até dentro das igrejas, que perderam a fé; a nova religião surgiu com Allan Kardec, como fica profetizado, pouco abaixo das linhas transcritas, com as poucas palavras seguintes: Les premiers fondements en sont déjà posés...  Toi., Rivail, ta mission est là.  

            E ele cumpria essa missão, mas o mundo ainda não a aceitou porque ainda está na fase de arrasamento e reconstrução puramente material. Aqui no Brasil já demos um passo à frente: o Espiritismo vai tomando as formas preditas de uma religião verdadeira, grande, bela e digna do Criador.

            Vamo-nos esforçando para construir algo destinado ao futuro, à fraternidade que deverá reinar sobre todo o planeta, Nossos instrumentos estão simbolizados no triângulo E E E (Evangelho, Espiritismo, Esperanto). O Evangelho resolverá todos os problemas humanos pelo amor universal; o Espiritismo estenderá nossa “sociologia” às duas partes da Humanidade, à encarnada e à desencarnada, que vivem em incessantes mudanças de posição; o Esperanto servirá à colaboração fraterna em toda a superfície do Planeta e em suas vizinhanças espirituais. Nenhum Antropomorfismo tem cabimento em nosso programa.

 

 


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