As objecções de um
irmão protestante
Parte 1 - O valor da Escritura
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Maio 1929
Estudávamos, por
estas colunas, a tese oposta pelo nosso muito digno irmão, Rev. Galdino
Moreira, ao lema espirita de que fora da caridade
não há salvação, quando o ilustrado pastor julgou que já era tempo de embargar-nos
o passo “na arrancada audaz e confiante"
em que íamos correndo.
Havíamos dito que era nosso costume argumentar pouco com
as escrituras. – “Pois é um mal sinal, um
péssimo costume" - replica o nosso opositor, "visto - como o assunto
gira em torno de doutrinas formuladas à luz da Bíblia, e, ainda “porque os
apóstolos apreciavam as escrituras”; e enfim, pondera S. R. que discordamos do próprio
Allan Kardec e do Roustaing.
“É uma pena que o Sr. Dr. tenha ojeriza da
Escritura" - lamenta, contristado, o reverendo.
Essa declaração de que temos ojeriza a Escritura era
capaz, só por si, de incompatibilizar-nos com toda a família espírita
brasileira.
Nunca dissemos isto. Em toda a nossa “audaz arrancada”
nada se poderá encontrar que autorize aquela suposição.
O que dissemos é aquilo que está citado, - que gostávamos
de argumentar pouco. A ojeriza é à argumentação com base na Escritura; só à
argumentação. E vamos dizer porquê.
Cumpre, antes do mais, salientar que a nossa discussão
não girava - pelo menos quando escrevemos aquela frase - em torno da Bíblia. O
que verificamos até então foram as razões por que o rev. “não podia ser Espírita”,
e, nestas condições, o assunto gravitava em torno do Espiritismo filosófico em
torno de doutrinas formuladas à luz dos fatos e não da Bíblia, livro a que nos referimos
incidentemente.
Expliquemo-nos.
Os argumentos, com relação a textos, se no afiguram de
pouca consistência. Falta nele o terreno sólido onde se possa especar (escorar)
a prova irretorquível. De maneira que o crente aceita aquilo que lhe fala mais à
alma; compreende a doutrina conforme sente; questão toda íntima, de que não se
podem tirar elementos para uma demonstração.
Há outras razões que aconselhariam a fugir das controvérsias
religiosas. Muitas vezes, quando um dos contendores mal se precata (acautela),
está embrenhado num formidável cipoal, donde com dificuldade se desvencilha.
Outras vezes, se mete num labirinto de sutilezas teológicas cuja saída não
lobriga (avista) mais.
Em muitos casos o oponente se serve dos versetos como o
jogador de “damas” ou de xadrez se serve das suas pedrinhas. Apanha uma aqui; mexe
outra para acolá; anda com
esta para a direita, com
aquela para a esquerda; combina, calcula e temos movimentado o tabuleiro.
Nestas condições, a vitória nem sempre é do que está com
a razão porém do mais ágil no manejo das pedras.
Justo é que nós, neófito no assunto, reconhecidamente inábil,
não estejamos sempre propenso a entrar na liça.
Diz o irmão que “fugir do terreno, não gostar disso ou
daquilo... não é de bem num douto mestre".
Mas não nos consideramos tal; nem mestre nem douto, e nos
desejaríamos aventurar somente na planura onde se mantém em nossa pouca ciência.
Há mais: Em matéria de Escritura, quase tudo se resume em
questão de fé. Para não ir muito longe, basta que citemos os Evangelhos, e a
dificuldade já começará no demonstrar
a sua autenticidade.
Não foi Cristo quem os escreveu. Os apóstolos é que coligiram
os pensamentos do Mestre, sob a influência, - diz-nos alguns - das discussões
da época, podendo ressentir-se de o apanhado das ideias, dos preconceitos e das
perturbações de então.
Vieram depois as contendas dogmáticas; cresceu a balbúrdia;
houve mesmo conflitos sangrentos, até que Teodósio confiou a Jerônimo a tarefa
de redigir a tradução do Antigo e do Novo Testamento. E assim surgiu a Vulgata.
Mas o trabalho de Jerônimo foi ingente. Havia uma variedade
infinita de textos. É o próprio Jerônimo quem o confessa quando diz ao Papa: “Quereis
que me coloque como árbitro entre os exemplares das Escrituras que estão
dispersas em todo o mundo, e como eles diferem entre si, que eu distinga os que
estão de acordo com o verdadeiro texto grego. Perigosa ousadia essa da parte
daquele que deve ser julgado por todos, o julgar ele próprio aos outros...
Naquela variedade
de escrituras, umas diferentes das outras (tot sunt enim exemplaria quot codices), foram escolhidos os Quatro
Evangelhos. Estes os outros escritos passaram logo – é ainda o que se afirma por
algumas correções. Temos já os manuscritos antigos corrigidos, aumentados,
modificados.
Aquela tradução teria sofrido mais tarde a intervenção
dos pontífices romanos; nela colaboraria o concílio de Trento, Sexto Quinto, Clemente
VIII...
Alguns teólogos, como Sabatier, deão da Faculdade de Teologia
Protestante de Paris, afirmam que os manuscritos originais do Evangelho desapareceram,
sem deixar nenhum traço certo na História.
Tudo, portanto, o que sabemos nasceria de cópias; estas cópias,
há quem declare, foram alteradas; há ainda quem diga que não são verdadeiras. Muitos
vão mais longe: - os apóstolos não teriam escrito nada.
Nesse maremoto podemos ter uma opinião e a temos, sem dúvida,
discordando dos negativistas e dos céticos, mas será sempre uma simples opinião
e por maior que seja a autoridade em que nos escudemos, o que mais podemos apresentar
é também a opinião dessa autoridade.
A “prova” onde encontrá-la? Cremos na existência do
Evangelho. Cremos, veja-se bem. Não será porém com a nossa "crença" que iremos
abalar a "descrença" alheia.
Ainda sobre a sua autoridade, que série de dúvidas!
Papias, o bispo de Hierápolis, fala-nos dos manuscritos de
Marcos, como sendo curtos, incompletos, não colocado em ordem cronológica; não seriam
eles mais do que os ensinos e recordações de Pedro: os de Mateus, coleção de sentenças
escritas em hebreu e que cada qual traduziu como pode.
Dada, porém a semelhança entre os dois Evangelhos, Renan
resolveu o caso afirmando-nos que, em vista da não existência das relações
originais, os citados documentos são arranjos onde procuraram acomodar os textos.
De pouca autoridade gozavam os Evangelhos é ainda Renan
quem nos declara: - “Ninguém punha muita
cautela em inserir parágrafos, em combinar as descrições, completá-las uma pelas
outras. Assim, a mais bela coisa do mundo saiu de uma elaboração obscura e
completamente popular.”
Do Quarto Evangelho diz-se redondamente que ele é apócrifo,
“uma tese, de teologia sem valor histórico.”
O citado autor da “Vida de Jesus”, afirma que as palavras
atribuídas por João ao Mestre nada tinham de comum com os Logia dos sinóticos: Se o Cristo falava como o quer Mateus, - diz-nos ele, não
podia falar como quer João.
“O Evangelho de
João mostra, sem cessar, as preocupações do apologista, os pensamentos arraigados
do sectarista, a intenção de provar uma tese e convencer os adversários.”
Esse Evangelho teria sido escrito por um sectário meio gnóstico,
dos que, desde os fins do 1º século, na Ásia Menor, começavam o modificar
profundamente a ideia do Cristo.
É, enfim, uma obra de imaginação, surgida lá para o ano
150, em que o autor se propôs, não a contar a vida de Jesus, mas a fazer
prevalecer a ideia que ele tinha de Jesus. Assim pensam vários doutores da
Igreja e homens versados nas letras sagradas.
Quanto à obra de Lucas “é um documento em segunda mão. Algumas sentenças são levadas ao excesso
e falseadas.”
Agora, abramos o Oltremare, - ‘A Religião e a Vida do Espírito’, e ele nos diz: “Para fazer de um conjunto de textos antigos a norma da fé, é preciso de
antemão aceitar como verdades demonstradas muitas proposições importantes: que
estes textos ensinam uma verdade que, situada fora do tempo, é eternamente válida;
que seu conteúdo não apresenta nenhuma contradição; que o sentido é muito claro
para não dar nunca lugar a interpretações divergentes. Ora, é muito fácil
provar que o Novo Testamento não satisfaz a nenhuma dessas condições.”
Somos obrigados a confessar que assiste razão ao autor,
pelo menos no que toca a uma das proposições: - a de que falta, às vezes, a
clareza necessária a evitar as interpretações divergentes.
E, se isso acontece com o Novo Testamento, em maior
escala se dá com o Velho.
Razões, pois, de diversas
ordens são as que nos mandam evitar os percalços de uma discussão em torno de
assuntos bíblicos desde a falta de base, isto é, a falta de documentos que pudéssemos
apresentar como provas indiscutíveis, até a dificuldade de fazer aceitar como verdadeira
a nossa interpretação.
Diz o nosso irmão Galdino que podemos muito bem nos
servir dos textos sem os esticar.
Não há dúvida. Mas como impedir aos outros que os
estiquem? Como demonstrar que não somos nós que os esticamos? Aconselha-nos o nosso
caro colega.
Fossemos capazes dessa truculência, como provar, porém,
que a lógica sadia era a nossa?
Apresentamos o nosso modo de ver e dizemos: - a verdade é
esta. Mas o nosso irmão replicará: - Está enganado, a verdade é a que eu
apresento.
Como sair daí?
Os obstáculos, porém, que encontramos nesse terreno tão
eriçado de dúvidas, não é motivo a que tenhamos ojeriza à Escritura.
Sabemos que ela representa a palavra divina, porque nos
toca, muitas vezes, a alma: pelo testemunho dos Espíritos; porque pode resistir,
nos seus grandes ensinamentos, ao embate do tempo e dos homens e se nos afigura
que só a vontade de Deus poderia obrar o milagre.
Mas essa fonte em que vamos buscar a convicção, como levá-la
aos outros?
“Na obscuridade dos textos, divisamos, às vezes, o ponto
luminoso que o esclarece, mas esse ponto nem todos o vêm como nós. Que eles não
são claros, bem o percebemos, mas isso não é razão a que votemos antipatia aos
santos livros. Certo estamos que a Verdade, ao penetrar no ambiente do planeta,
sofre o seu contágio e perde o seu fulgor como as estrelas do céu quando as
encobrem os nevoeiros da terra.
Essa obscuridade é a letra que mata. Ah! Achar o espírito
que vivifica, quem poderá afirmar que o conseguimos?
Não temos a pretensão de supor acreditem outros o que o encontramos
nós. E é por isso que não gostamos de argumentar com as escrituras. Unicamente
por isso.
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As objecções de um
irmão protestante
Parte 2 - Divergências e Interpretações
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Maio 1929
Dizíamos que não era hábito nosso argumentar com as
escrituras porque cada qual as esticava como
entendia, e o rev. Galdino, na resposta com que nos honrou, assim se exprime:
“A seguir-se o método estúrdio do Sr. Dr. estamos
perdidos: doravante já não será possível o estudo do direito, dos códigos, das
leis...”
Não sei o porquê estaríamos perdidos a seguir-se o nosso
método.
É ponto em que desejávamos, apenas, fazer o que nos diz
Boyle: (“On the Style of Scripture”); - “Uso as sagradas escrituras, não corno
arsenal a que possa recorrer para almas da guerra, mas como incomparável
templo, onde me compraz admirar a simetria, a magnificência de sua estrutura e
aumentar a minha devoção para com a divindade, ali
pregada e adorada.”
Além disso, os casos não são idênticos: interpretações de
leis e de escrituras.
No 1º caso, temos três processos de investigação; a
interpretação histórica, a gramatical e a lógica. Podemos empregá-las, com igual
eficiência no exame da Escritura?
A interpretação histórica, aplicada aos textos, é difícil,
senão absolutamente impossível, dada a escassez ou carência total de dados no
tocante à gênese dos mesmos; a gramatical, nos casos mais complicados, não nos
elucida; que podemos inferir, junto à letra, daquela passagem onde se nos diz
que os mortos devem enterrar seus mortos?
Resta-nos a lógica. Esta seria apreciável se os
religiosos de qualquer matiz lhe pudessem ser accessíveis, se houvesse, como no
caso das leis, um poder superior para quem se apelar.
No mundo profano, se levarmos, por exemplo, a um juiz, a
lei de que nos salvamos pelo sangue ele Cristo, ele inquerirá se é ela justa e
verá que não, porque não é justo pagar o inocente pelo pecador; ele inquerirá se
é útil e verá que não, porque só a aproveitam os que não precisam dela, os que
já estão salvos pela fé; indagará se é eficaz e verá que não, porque o inferno está
de portas abertas; indagará se é eficaz e verá que não, porque as gerações
passadas aproveitavam de um ato que ainda estava por vir; indagará se é
universal e verá que não, porque não abrange a todos; indagará se nos fala da
onisciência de Deus e verá que não, pela pobreza do recurso empregado; indagará
dos documentos em que se estriba e verá
tudo vago e impreciso.
Ora, esse juiz não pode aceitar a lei pela forma por que
o nosso irmão Galdino a compreende e se a aceitasse, caberia recurso para outro
juiz, para outra instância.
Seria assim com as leis sacras?
O principal motivo, porém, que nos leva a não assentar os
nossos argumentos em textos religiosos, ou poucas vezes, faze-lo, está na dificuldade
de provar o nosso acerto ou negar o acerto contrário.
Como demonstrar que não existe no espaço e no tempo a
aparelhagem salvatória, traduzida no martírio de Jesus, -- que o prezado irmão
Galdino julga razoável e evidente?
Dir-nos-á este irmão que a encontrou na Bíblia; isso não
é razão para o nosso convencimento, habituado que estamos a ver extrair da
Bíblia o que se quer. Ela é, na mão dos exegetas, o que era o chapéu de Hermann
na mão do mágico: produz todas as doutrinas como o chapéu produzia todos os
objetos.
Pois não consta da Escritura a existência do Inferno e
das penas eternas, como afirma o nosso prezado amigo? Surgem, no entanto, os “Estudantes
da Bíblia, tão protestantes como o nosso irmão e como ele, tão bíblicos e tão
estudiosos e nos vêm declarar que, abrindo 65 vezes o Velho Testamento lá
encontram a palavra hebraica sheol, que quer dizer sepultura e
não inferno, e folheando o Novo dão com o vocábulo grego hades, com a mesma
significação; e acabam nos garantindo textualmente que “a doutrina do tormento
eterno é contrária aos ensinos da Bíblia.”
Aí temos o ‘pro’
e o ‘contra’ tirados do mesmo livro.
Os adventistas não nos dizem, em face da mesma Bíblia,
que a alma é mortal, que ela fica dormindo até a ressurreição, que Satanás será
aniquilado juntamente com os ímpios que só será salvo um pequeno número de
indivíduos, número que eles já estabelecem precisamente em 144.000?..
Tudo isso foi extraído muito naturalmente do livro dos
livros.
O nosso amigo Macedo é um grande cultor das letras; certa
vez, estranhamos que ele tivesse no seu salão de conferências, retratos, fotografias
e esculturas, visto como o Senhor era contrário ao culto das imagens.
E ele, chamando-nos à parte, pediu-nos que não dissemos
mais aquela inverdade ou aquela tolice, pois que, no Êxodo, cap. 25, 18 e
seguintes, se encontra:
“Farás dois querubins de ouro; de ouro batido os farás,
nas duas extremidades do propiciatório” (A
palavra hebraica traduzida significa "o lugar onde a propiciação é
feita". Propiciação significa apaziguar ou aplacar a ira de alguém. Cristo
tornou-se a propiciação ou propiciatório pelos nossos pecados na cruz do
Calvário (Romanos 3:25, I João 4:10)). (Versão brasileira da American Bible
Society).
O Novo Testamento
presta-se menos a controvérsias, no entanto, ninguém poderá negar que as mais
opostas doutrinas têm nele a sua fonte.
Quer o digno pastor que impeçamos as más interpretações.
Mas, impedi-las como? Nem sempre é possível
forçar a obstinação de um “crente”.
Este, por exemplo, é um propagandista e dirá com Marcos,
XVI: 15, devemos pregar o Evangelho por
toda a parte e a todas as criaturas; mas o comodista, todas as vezes que
quiser evitar maçadas, objetará com Matheus, VII, 6; - Não vale a pena estar dando as coisas santas aos cães.
Nós não temos dúvida de que se deve dar de graça o que de graça se recebe o que porém estiver disposto
a auferir proveitos, acomodar-se-á com Paulo, (1 Cor. 9:15), para nos vir
afirmar que “quem serve o altar pode
viver do altar”. E, acreditar toda a gente que está servindo o altar, não é
muito difícil.
Certo amigo nosso, fervoroso cristão, resolveu, um dia,
dar formidável sova de pão em não sabemos que adversário. Fizemos-lhe ver que a
sova não deveria entrar no programa de um estudante do Evangelho. E ele nos
respondeu: - “Está enganado; Cristo também era enérgico,
e, antes que protestássemos citou-nos João 2; 15: “E tendo feito um azorrague de cordas, expulso a todos do templo.”
Podíamos acreditar que o meigo Nazareno empunhasse um
chicote e derramasse dinheiro e virasse mesas como qualquer indivíduo de mau gênio
e fraca compostura?
Mas é o que lá está no texto e retiramo-nos, deixando o
amigo com seu argumentum baculinum, (emprego da violência para a
consecução de um objetivo) antes que ele fosse pela Bíblia a dentro e nos
procurasse justificar a tese com todas violências e todas as matanças que lá se
encontram ad gloriam Dei. (para
glória de Deus)
Outro amigo passava os dias caçando; era o emudecedor, o
despovoador das florestas.
Estranhamos que um discípulo de Cristo se entregasse àquele
divertimento de sangue e de morte. Ele, porém, calmamente, abriu-nos os Atos
dos Apóstolos e leu-nos: Pedro mata e
come (10:13).
Uma das cenas mais comuns a nossos olhos é o espancamento
dos animais. Mas se formos a um desses brutos espancadores reprochar-lhes a
bruteza e acertarmos com um indivíduo lido em obras sacras, ele poderá rir-se
da nossa ignorância em Mateus, Marcos e Lucas, (8:28 -34 ; - 5: 10-13; - 8:
29-32), e com o testemunho dos três evangelistas nos fazer ver que se Jesus
consentiu que o demônio entrasse no corpo dos porcos, que muito seria que ele
lhes fizesse entrar o pão? Ora, entre o pão e o demônio...
Fossemos falar em interpretação dos Espíritos. Aqui-del-rei!...
(quem pede socorro) Queria ele saber disso!.. O que lá está é que Jesus
consentiu na maldade.
A fé transporta montanhas. Sabemo-lo nós e mais do que
nós, o irmão Galdino. Mas qualquer desanimado poderá dizer que o próprio Cristo
perdeu a fé, isto consoante Marcos, 15:34, quando põe
nos lábios do Mestre, a amarga queixa: “Deus meu, porque me desamparaste?”
Podemos afirmar ao descrente que Cristo nunca disse isto;
o nosso irmão Galdino não sabemos o que afirmará, mas o outro nos poderá meter o
texto no rosto e o que se encontra, na própria linguagem original do Mestre é a
expressão: - Eloi, Eloi, lama sabacthani?
O quadro é o menos favorável a outras interpretações: É o
Cristo levado para o Gólgota, pregado entre os dois ladrões, vendo blasfemarem os
que passavam perto, escarnecerem escribas e fariseus, enquanto lhe mandavam
sarcasticamente que descesse da cruz.
Chega a hora suprema, as trevas cobrem a terra, o Mestre
está prestes a dar o último suspiro e então exclama, como qualquer mortal,
sentindo-se abandonado: - Senhor porque me desamparaste?
E ele era o Cristo e ele era o Deus!..
Ora, não temos meios de provar que Cristo não disse tal,
apesar de toda a nossa convicção sobre o verdadeiro sentido da passagem.
Vejamos mais:
Mateus nos ensina: (24-:34) “Em verdade vos digo que não
passará esta geração sem que todas esta coisas se cumpram.”
Aquilo que conhecemos como uma geração passou e aquelas
coisas não se cumpriram.
Como podemos impedir aqui as interpretações que cada um
entender fantasiar?
Nos Evangelhos se vê que Jesus fala de Deus como pessoa
perfeitamente distinta: que é maior que ele, que é melhor que ele, que é mais sábio
que ele, diante de quem ele crescia em graça e sabedoria, para quem ele apela,
a quem pede perdão para os homens, de quem recebe ordens, a quem entrega finalmente
o espírito.
Chega mesmo a dizer
claramente: Porque eu vim de Deus pois não
vim de mim mesmo, mas ele me enviou. (João, 8:42).
- Pois Jesus é este mesmo Deus. - assim nos aninam os
nossos irmãos protestantes. Lá está em Paulo, Rom. 9:5, e em João 20-28; e mais
em Isaías e em Ezequiel ...
Terminemos que já este ultrapassou o espaço de que dispomos.
E citemos o seguinte tópico para mostrar o impasse em que
podemos ficar, a discutir com as escrituras, sem mais nada:
São palavras a Nicodemos: Em verdade, em verdade te digo
que se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.
Dizemos nós que ali está o ensinamento da reencarnação.
Dirá o amigo Galdino que não: aquele “nascer de novo” é o nascimento do
espírito. O que estiver, porém, de fora não saberá quem está certo e poderíamos
ficar discutindo o resto da vida, se não tivessem os outros recursos, se não
lançássemos mão das luzes, dos fatos do Espiritismo. E então traríamos ao nosso
caro colega as provas experimentais da regressão da memória, os casos das crianças
que se lembram de vidas passadas, os das mensagens dos espíritos que estão para
nascer, realizando-se o que eles predizem, e mais a colaboração de circunstâncias
outras, como a genialidade, as simpatias e antipatias inatas, as lembranças
instintivas, os conhecimentos espontâneos, e acima de tudo, a justificação das
nossas penas e das nossas dores.
À oposição do nosso amigo Galdino teríamos, pois, uma série
interminável de casos, de provas, de documentos, narrativas de dez, de vinte,
de cinquenta, de cem anos, e diante de um majestoso arsenal de fatos, precária
seria a argumentação contrária.
Foi essa unicamente a razão que nos fez declarar não
costumamos argumentar com as escrituras.
Isto posto e pedindo desculpas do tempo tomado só com
esta parte passaremos a estudar os demais artigos do sempre estimado pastor.
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As objecções de um
irmão protestante
Parte 3 – A Caridade e a Salvação
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Junho 1929
Diz o nosso irmão
Galdino, ainda no seu 1º artigo de série “Raciocínios de um espirita”, - “que não entendemos ou não quisemos entender
a sua tese tão simples e tão meridiana.”
Essa tese tão simples e tão meridiana é a de que a
caridade que salva não é a do homem, mas a de Deus. E porque “não entendemos ou não quisemos entender tese
tão meridiana, acusa-nos de ter praticado um sofisma, visto como separamos
ideias conexas , intimas, simbióticas.”
Caridade de Deus e caridade humana representam ideias íntimas.
Nós temos que entender isto. Temos que entender e tomar como coisa
absolutamente certa e iniludivelmente provada; como não aceitamos, porém, com a
simbiose, ou com a prova, sofismamos.
Já no princípio dos seus escritos lança-nos o rev. outra
Imputação: - de que, não raro, vamos truncando a tópicos e isolando trechos
seus.
Que não compreendemos as teses tão simples e tão
meridianas do nosso irmão, justificar-se-ia, dado o nosso pouco entendimento e
ninguém tem culpa de entender pouco. Já o mesmo não acontece com o truncar
trechos e isolar tópicos, e muito menos com o sofismar, visto que o sofisma é
um raciocínio falso, capcioso, feito de má fé e com o intuito de enganar o
adversário. Havemos, por isso, de esmiuçar todos esses pontos onde, não raro pudéssemos ter cometido semelhantes
delitos.
Vamos a um deles:
Afirmara o digno mestre que a caridade do homem tinha
grande valor; mas não bastava para salvar. Replicamos que se não bastava ela
para salvar, não tinha valor nenhum.
A isso revida agora o nosso irmão que “deslocamos o seu
pensamento, que separamos de ideias conexas, íntimas, simbióticas, absolutamente
inseparáveis”; que “a caridade que salva é a de Deus; mas onde houver essa caridade
salvadora haverá seu fruto, a sua prova, a sua consequência irresistível: a
caridade humana real, o amor do bem.”
Vamos a ver se entendemos e, para não cair em novos sofismas,
acompanhemos muito de perto as frases de nosso amigo: - “onde houver a caridade de Deus haverá a caridade humana”.
Logo, onde não há a caridade humana é que não houve a
caridade de Deus.
Temos Deus sem caridade.
Ainda mais: “se onde houver a caridade salvadora de Deus
existe, como consequência irresistível, a caridade humana, temos que acreditar
que quando a caridade humana não existe é porque não houve a caridade salvadora
de Deus. Mas, quando o indivíduo não possui essa caridade humana vai para o
inferno, e temo-lo eternamente condenado por culpa que não lhe cabe, visto como
a sua caridade dependia da caridade salvadora do Senhor.
Pode ser que, diante da clareza com que nos é agora
exposta a doutrina, percebamos a simbiose: o que, porém, perdemos de vista,
diante de tese tão simples, é a justiça do Pai.
Se a caridade que salva é a de Deus, se onde ela entra,
logo aparece o seu fruto, a sua consequência
irresistível, porque ela não se
espalha por toda a parte, para que por toda a parte surjam essas consequências irresistíveis,
esses frutos?
Se eu sou caridoso é sinal de que estou salvo; mérito
nenhum me cabe: minha caridade e a minha salvação são resultados do arbítrio
divino.
Esta é a tese. Impõe-se a recíproca. Os que não têm
caridade não possuem o sinal dos salvos, - pelo mesmo arbítrio, forçosamente, -
e vão carpir as duras penas do Averno (inferno), pelos séculos sem termo, na
mais horrenda das agonias, que são aquelas acrescidas pelo desespero sem lenitivo
e sem fim.
A “bondade infinita” do Senhor, por esta forma, não a
podemos compreender, por certo.
Vamos, porém, à “simbiose” a ver se ela existe de fato.
Todos os caridosos estarão salvos? A caridade será,
iniludivelmente, um sinal dos salvos?
Declara o irmão: “Quando se diz Fulano é verdadeiramente
bom é como se dissesse “então é um salvo
e um crente, é de Deus.”
Há de perdoar o nosso amigo, mas continuamos a não ver a conexão
ou a não entendê-la, o que nos vai arrastar a novos e deploráveis sofismas.
O Dr. afirma um fato não só indemonstrável como
seguramente contrário à evidência: - a de que todos os fulanos verdadeiramente
bons sejam crentes, - a menos que a expressão “verdadeiramente bom” tenha um
sentido que os dicionários não consignam e que ainda não podemos alcançar.
Se víssemos, sempre, sem sombra de dúvida, a caridade
ligada à crença, ou à fé, talvez atinássemos com a simbiose. Mas não é isso o
que se dá.
Temos um amigo, médico, o Dr. G.M. (dar-lhe-emos o nome
se o pastor fizer questão), que é caritativo, desinteressado, boníssimo. Esse
amigo confessa-nos que não tem fé, não crê em Deus, não crê em nada. E
lamenta-o, declarando que as crenças religiosas devem ser o consolo para os que
sofrem e lutam na Terra e assim esperam uma recompensa no Céu ou no Alto.
Ele, no entanto, não espera nada, porque não crê em nada.
Bem que quisera crer, mas não sabe crer, não pode crer!..
E quando insistimos que ele deve crer, pergunta-nos como
é que se adquire essa crença ou pelo menos onde é que se compra.
E como não sabemos onde ela se compra, não atinamos como
responder-lhe.
Aí temos um caridoso, um “verdadeiramente bom”, mas que
não tem crença e a quem devem aguardar as dores reservadas àqueles que não têm fé,
que são as dores máximas, os tremendos e eternos suplícios infernais.
Poderá esse amigo e nós que o conhecemos, compreendermos
a simbiose de que nos fala o irmão pastor? Poderemos aceitar essa caridade como
a prova dos salvos, desde que o nosso amigo não se salva? Onde está aí a simbiose?
E no fim acusa-nos o rev., de não querermos entender.
Não queremos, entender, não. Não podemos entender, fique
certo o caro amigo.
Nota: Alguns
correligionários inferiram dos dois artigos anteriores que duvidávamos da
autenticidade dos Evangelhos ou púnhamos restrições ao seu grande valor.
Nenhumamente. O que declaramos é que não tínhamos no
Evangelho o elemento probante. O fato de Jerônimo ver-se às voltas com variadas
obras não é motivo para que tenhamos vacilações, certo que estamos que ele fora
um missionário nessa e nessa qualidade os espíritos superiores o teriam
auxiliado em acertar com os livros que melhor descreviam a história e as lições
de Cristo.
A convicção que possuímos a respeito do Evangelho promana
do testemunho dos Espíritos. É o Espiritismo pois, que nos fornece a prova. Que motivos teríamos nós para
acreditar nos textos sagrados se, desde criança, ouvíamos falar na Bíblia como um
livro herege? Porque haveríamos de aceitar os Evangelhos como a expressão da
verdade? Onde assentar a nossa convicção?
Não haveria de fato, onde assentá-la se o Espiritismo não
a viesse firmar com o extraordinário acervo de fatos e a sua lógica irresistível.
O elemento probante está, pois, no Espiritismo e não nos Evangelhos. Foi o
Espiritismo que lhes veio dar força e clareza. É isto o que queríamos dizer, e,
com certeza, a língua não nos ajudou.
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As objecções de um
irmão protestante
Parte 4 – Almas falidas e almas perdidas
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Junho 1929
No seu 2º artigo “Raciocínios
de um Espírita”, o nosso irmão Galdino analisa as nossas saídas. Antes, porém,
registra o fato de não termos dito palavra sobre vários pontos do seu escrito
de 30-6-28.
Cumpre informar que estávamos em meio caminho, quando o
pastor julgou que já era tempo de “embargar-nos o passo na arrancada audaz em
que íamos correndo.”
Não querendo perturbar a sua argumentação estacamos na arrancada e daí o nos havermos somente
"agarrado” aos textos referentes ao tal “copo de água fria”. (Mt. 10:42)
Tínhamos principiado por aquela parte de capital importância
para os espíritas - a evangélica. E era a principal, visto como o reverendo,
com o copo d’água fria parecia querer esfriar a argumentação
apresentada pelo “Reformador”.
Estávamos neste pé quando surgiram os “Raciocínios”.
Pareceu-nos, então, de maior polidez, ceder o caminho ao
nosso irmão e daí não termos dito palavra sobre vários pontos do 2º artigo.
Exposto isto, vejamos o que, continuando, diz o nosso
amigo:
“A 1ª coisa que S.S.
faz observar é que citamos mal um trecho de Kardec, falando sobre a soberania
de Deus que, “sabendo serem falíveis as almas, errou-as assim mesmo.” E declara
que entre ser falível e perder-se uma alma há grande diferença, que, portanto,
foi sem justeza a nossa citação de K., que fala do 1º caso e não do 2º. Apenas
queremos chamar a atenção para o que escrevemos e que S. S. não leu direito: Há
aqui duas concepções falsas, 1º que Deus criando as almas sabendo que podiam
perder-se, e, portanto, falíveis, não agiu com caridade. Leu Sr. Dr.?”
"Tornamos para nosso asserto exatamente o ponto de
vista de Kardec, que Deus cria alma falíveis...
“Portanto S. S. não fez justiça ao nosso raciocínio.
Embrulhou, emaranhou, embarafustou as coisas...”
Lemos. Admitido que
o reverendo tomasse o mesmo ponto de vista de Kardec, a falibilidade da alma, -
continuamos a afirmar que não há nenhum ponto de contato entre as duas
doutrinas. A falibilidade do que cai para se erguer, para subir, não é a mesma
falibilidade do que cai para não se levantar mais, do que vai para o inferno, per omnia secula. (para todos os tempos)
Deus cria seres falíveis mas sabe que esses falíveis
salvar-se-ão. Esses falíveis serão um dia felizes. Será isto a mesma coisa que
criar falíveis para a eterna desgraça?
Temos um médico que lanceta um paciente para extirpar lhe
um tumor. Surge um outro que lanceta um inimigo para tirar-lhe a vida.
Fazemos ver que os dois entes não se assemelham. E o
nosso amigo, então, julgando iguais os feitos, responde:
Leu, Sr. Dr.? Temos o mesmo ponto de vista, o de que
ambos deram lancetadas...
Sim, ambos deram lancetadas, mas o primeiro tinha em mira
curar, e o segundo, matar. O médico produzia a vida, o adversário produzia a
morte. São a mesma coisa?..
A falibilidade com que Deus cria os seres, segundo dizem
os Espíritos, tem por objetivo fazer com que eles aprendam por si próprios. A
falibilidade que conduz à perdição ninguém sabe ao que colima. As dores que
acompanham a primeira são um processo de cura, as do segundo são um resultado
de vingança.
Num caso, o falido segue uma lei de evolução necessária
ao seu propósito. No outro caso ele obedecerá a prepotência de um tirano que o
castiga inexoravelmente.
Podem ser comparáveis esses dois casos? O que submete o
indivíduo para ensiná-lo pode ser igual, em sentimentos ou em caridade, ao que
o arruína para vê-lo sofrer? Lemos, Sr. Reverendo, e continuamos a não julgar
idênticas as duas falências.
Vamos, porém, passar de novo as vistas sobre o que
escreveu o irmão Galdino, no seu primitivo artigo, a ver se o seu ponto de
vista é “exatamente” o de Kardec:
“Acha S. S. que, se
só a caridade de Deus é que dá a salvação, segue-se que Deus ao criar as almas,
sabendo-as perdidas, criou-as assim mesmo.”
Há aqui duas concepções falsas, 1º que Deus, criando as
almas, sabendo que podiam perder-se e portanto falíveis, não agiu com
caridade...”
Aí tem as frases do
nosso irmão. Trata-se ali de almas perdidas, almas que podiam perder-se.
Uma alma perdida pode ser que seja uma alma falida, mas
uma alma falida não é uma alma perdida, e por isso afirmávamos que a doutrina
das almas perdidas não era a mesma das almas falidas, isto é, que a doutrina de
Kardec não tinha relação com a do nosso irmão. Kardec nunca falou em almas
perdidas.
O fim das almas que se perdem é o das penas eternas.
*
Semelhante teoria nunca poderia encontrar paralelo em
nenhum tópico de Allan Kardec e daí acharmos que o nosso caro pastor não se
havia apadrinhado bem.
Contesta o Reverendo que Deus, criando as almas falíveis,
as tivesse feito para a perdição. Estas tinham a possibilidade de perder- e,
diz R., mas não foram criadas para isso.
Sim, mas essa possibilidade
não poderia escapar ao onisciente. Se
Ele sabia que elas se podiam perder e pô-las no mundo, é fora de dúvida que as fez
para a perdição.
Há aqui uma criança; eu a deixo só sabendo que ela tem a
possibilidade de cair. A menos que eu não tivesse determinado desígnio, se eu a
entrego a si mesma ou a quem quer que seja, certo de que ela poderá cair, de
que ela vai cair, cometo uma perversidade.
Tal seria o Deus das penas irremissíveis, o Deus das
almas perdidas.
Agora, pergunta o pastor: - “Como poderá o irmão garantir
que uma alma fatalmente vai salvar-se?
Podíamos responder que do mesmo modo por que o ilustrado
escritor sabe que ela iria fatalmente perder-se.
E estaríamos naquele pé de igualdade que o digno patrício
acabou por descobrir, sem que nós lhe indaguemos porque, então, achando a nossa
doutrina nas mesmas condições que a sua, escreveu um livro só para arrasá-la.
Esse tratar de potência a potência é o que se infere do
seu tópico:
“Sabemos que o Espiritismo ensina o universalismo,
a salvação de todos, no final de Contas, mas, entre Kardec e a escritura preferimos
esta que, entre outras coisas, assevera que a apostasia consciente e voluntária
de uma alma torna impossível novo arrependimento
(Hebreus, 6: 4-6).
Pode
parecer inclemente mas é o fato afirmado por autoridade apostólica...
Entre
conjecturar um fato e demonstrá-lo há uma distância quase infinita... O Sr. Dr.
nesse caso preferirá Kardec. Sua alma, sua palma. Nós preferimos Jesus e S.
Paulo. Os direitos de opção são iguais.”
Os direitos de
opção são iguais, mas não são iguais as bases em que nos mantemos. Nossos
esteios divergem muito. Não há a igualdade que o reverendo supõe.
Que apresenta o nosso amigo? Um texto de S. Paulo onde se
diz que a apostasia de uma alma torna impossível
novo arrependimento.
É fraco o arrimo porque o texto parece mal traduzido. O
que o apóstolo teria dito é que a apostasia de uma alma torna difícil novo
arrependimento. Dada a pobreza do idioma
originário, cujos vocábulos
tinham várias significações, o difícil
passou a ser impossível, como as
penas duradouras passaram a ser eternas, como o calabre (corda grossa)
(que mais fácil era passar pelo fundo de uma agulha), passou a ser camelo...
etc., etc...
E que apresentamos nós? Somente o Kardec? Se assim fosse,
já apresentaríamos alguma coisa, porque tínhamos, não a doutrina de um homem,
mas o resultado de uma série enorme e infatigável de pesquisas.
Mas não foi só o Kardec quem as fez. Todos aqueles que
têm experimentado com as almas do outro mundo, não as vê falar em penas
eternas, em almas perdidas, mas nas penas relativas às suas faltas. Essas almas
dizem dos seus sofrimentos ou das suas alegrias tal como no-lo refere Allan
Kardec.
Aqui, na Europa, na Ásia, na África, em qualquer parte em
que os espíritos se manifestem, eles dão os mesmos ensinos sobre o seu estado d’alma.
Quer o médium seja católico, protestante ou budista, as manifestações são idênticas.
Estes afirmam que sofrem ou que são felizes mas não nos refere nada do Inferno.
Leia-se a enorme série dos trabalhos de psiquismo
qualquer que seja a doutrina do seu autor, e ver-se-á o fenômeno com a mesma
feição.
Se o rev. Galdino se dispuser a passar os olhos pela
tradução que o Reformador está
fazendo de um trabalho de Ernesto Bozzano lerá a concordância dos informes dos
Espíritos através das diversas fontes onde são esses informes colhidos.
Folheie o Bozzano ou o Flammarion ou o Oliver Lodge, ou Sr.
William Barrett, ou Conan Doyle, ou Cosme de Vesme, ou Lombroso, ou Geley ou Aksakof,
ou Gibier, ou Edmonds, ou Wallace; percorra a plêiade enorme dos que relatam os
fatos psíquicos, devidamente observados, em meio honesto, e encontrará, em
todos, a súmula da doutrina espírita.
É o que nota Richet, autor absolutamente insuspeito,
conforme registra no seu ‘Tratado de Metapsíquica’.
Já vê o nosso honrado irmão que, enquanto nos mostra S.
R. um texto elástico e duvidoso, nós, em troca, lhe darmos o vulto imenso das
experiências realizadas por homens eminentíssimos, nós lhe apresentamos o relato
de fatos colhidos em todas as partes, em todas as camadas, no seio de todas as
raças, de todos os povos, de todas as crenças.
Não “conjecturamos”, como diz S. R.; mostramos um
imponente acervo de documentos.
A opção entre os fatos do Espiritismo e a nebulosidade de
um texto, é livre, não há dúvida. Reservamo-nos, porém, o direito de achar
aqueles mais convincentes pelos elementos de prova que nos fornecem.
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As objecções de um
irmão protestante
Parte 5 - O que é acreditar em Cristo
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Junho 1929
Confessamos que há
assuntos em que a nossa mente se emaranha e um deles é a doutrina que justifica
a salvação dos homens pelo sacrifício do Cristo, mormente quando aquela se
realiza muito antes desse sacrifício se haver consumado.
O nosso irmão Galdino defende a sua tese afirmando “que a
salvação operada no tempo por Cristo já existia como fato e como realidade na
infinitude plena do Deus eterno.
E para que o compreendamos apresenta um exemplo simples:
Um pai dedicado prepara o futuro dos filhos, pondo
economias em bancos antes deles nascerem. Assim faz Deus que lhes prepara desde
a eternidade a redenção pela morte futura do redentor.
Ficamos, pois, percebendo porque o sangue de Cristo Já
salvava muito antes de Cristo vir ao mundo.
O Pai estava economizando...
Ora, os casos, no entanto, não se nos afiguram muito
parecidos. Do exemplo apresentado, só inferimos a igualdade, na indigência de
recursos de que dispunham um e outro, o pai pobre e o Criador.
O pai pobre é obrigado a economizar para manter o filho.
Deus teria, para a salvação da humanidade, de recorrer ao expediente de lançar
o filho nos braços da cruz. E esse fato que iria de acontecer passados muitos séculos
após o aparecimento do homem, equivaleria à economia do pobre.
É este o exemplo que esclarece o assunto e que o nosso
irmão opõe à “salvação pela caridade.”
Para não desperdiçarmos o caso ilustrativo do reverendo,
vamos ver como procederia um pai mais moderno. Em vez de limitar sua atividade
a guardar na caixa vintém por vintém, que o filho mais tarde viria gastar ou
esbanjar, sem conhecer o valor do trabalho, prepararia ele o seu rebento para
as lutas da vida, ensinava-o, encaminhava-o, fortalecia-o, tornava-o apto a ser
o vencedor futuro nas lides ásperas da existência.
O Deus que conhece o espírito é como esse pai. Dá aos
filhos os recursos para eles se fazerem por si.
É a essa doutrina de trabalho, de esforço, de mérito que
o nosso amigo opõe como lógica a de que estamos sendo alvos agora pelo sangue
do Cristo pelo doloroso flagelo do Nazareno, como outros já o haviam sido por
esse suplício que estava por suceder.
Pode ser que o irmão Galdino ache isto muito claro e
muito justo mas, creia o bom amigo, os que estão fora da sua seita não o
entenderão. E se amanhã se lembrarem de dar-nos uma teoria pela qual possa alguém
remir-se com o terrível sacrifício de um terceiro, todos terão essa
teoria como irrisória; no entanto, que a remissão pela caridade é logo facilmente
compreendida e aceita por todo o mundo.
*
No seu 3.° artigo, o jovem pastor “percebe que estamos incomodados
com a salvação pela fé” e afirma “que tudo está em ignorarmos as Escrituras.”
A quem o diz!.. Essa ignorância nós mesmo, há muito já a
tínhamos descoberto. Ela, porém, não empalidece o nosso raciocínio.
O reverendo enumera as objeções que opusermos à salvação
pela fé em Cristo, entre as quais estava a de que não podia ela abranger os
antigos, - (os pagãos, os trogloditas, por ex.,) - visto como estes não conheceram
Cristo.
Responde o pastor que as dúvidas parecem mesmo difíceis,
mas a verdade é que no fim é o ronco da montanha para dar contas de um ratinho.
Vejamos como foi elucidado o caso e posto o “ratinho” nas
suas justas proporções:
Para a 1ª objeção, diz o amigo, bastava que tivéssemos
examinado um opúsculo que as igrejas evangélicas distribuem às crianças e aprenderíamos
como o homem pode se salvar pela fé antes da vinda de Cristo. E assim afastaríamos
as graves cogitações em que nos temos embarafustado.
Da cartilha infantil que se nos põe diante dos olhos
tiremos o ensinamento que vem ao caso:
“P. E como podiam crer em Cristo os homens antes
que ele tivesse vindo?
“R. Crendo em Deus...
e crer em Deus e crer em Cristo são uma e a mesma coisa.”
A esta lição o
reverendo Galdino aduz o seguinte comentário:
“Percebe agora S. S. que a salvação sempre foi, é e será
pela fé. Crer em Deus e crer em Cristo são uma e a mesma coisa. Quando os
antigos criam, criam em Deus... "
Sabíamos que os irmãos protestantes tinham Cristo como Deus:
a esse ponto, mesmo, várias vezes nos referimos. Não ia até lá nossa ignorância.
O que não supúnhamos era que a crença em todo e qualquer Deus bastasse para os
efeitos da salvação.
Acreditamos que a fé salvadora, apresentada pelos
evangelistas, fosse a do Deus-Cristo, a do Deus bíblico, a de um Deus razoável;
mas que todos os deuses por esse mundo afora e pelos tempos idos, pudessem
salvar, isso desconhecíamos. Que a fé em deuses de todos as formas e tamanhos e
feitios e caracteres; em deuses construídos de todos os materiais, ajeitados a
todos os paladares, formados segundo o atraso de todas as épocas; a fé em
deuses revestindo os aspectos os mais esdrúxulos e inconcebíveis, ídolos, bonzos,
animais, vegetais e minerais... que toda a série interminável de divindades que
a humanidade vem criando a seu capricho, gosto e inclinações, pudesse, pela
crença nelas depositada, ter o condão de salvar - francamente o confessamos:
não sabíamos.
Pode o reverendo dizer triunfantemente: reum confitentem habemus. (temos a
confissão do réu)
Nós vemos que cada povo concebe o seu deus ou seus
deuses, de acordo com a sua evolução.
Há deuses terríveis, que exigem sacrifícios tremendos; há
deuses injustos, que espalham calamidades gerais, porque um tal ofendeu numa
ninharia qualquer; há deuses que obrigam os homens a atos de crueldade, a atos
viciosos, a crimes de toda a ordem.
Pois a crença nesse pessoal todo é o que salva.
Siva é adorado
sob certo emblema; as festas que o seduzem têm o aspecto da mais repelente
imoralidade. Para agrada-lo os crentes se suicidam em massa, atirando-se sob as rodas do seu carro.
Este também salva.
Tupã não queria
medrosos. A maioria dos deuses selvagens não beneficiava o índio que não
tivesse o ornamento de muitos despojos humanos – isto é, despojos dos inimigos
que devia matar. São também deuses salvadores.
Quando as legiões romanas entravam vitoriosas em sua
capital, iam depor nos joelhos do seu Deus os louros do triunfo. Após esta cerimônia,
havia outra mais imponente e aos olhos de Júpiter, radiante, imolavam-se os prisioneiros.
Alguns eram degolados como Vercingetorix;
outros postos a morrer de fome como Jugurta.
(160-104 a.C. - foi um rei da Numídia.)
Os deuses gregos, por seu turno, são inteiramente iguais
aos homens, de cujos atributos, vícios, erros e enganos participam.
Eram velhacos, astuciosos pérfidos, libertinos e sanguinários.
Hermes se notabilizara por ser
ladrão, Ares pela sua ferocidade, Afrodite...
Em suma não poderia haver maior falta de pudor e de honra
do que aqueles deuses. Era uma época em que tudo era Deus; é o que nos dizia Tertuliano, é o que nos assegura Bossuet.
E não se diga que tais divindades exerceram esta ação salvadora
em poucos povos e por pouco tempo.
Afirma-nos Seignobos
(Hist. Da Civilização), no que é acompanhado por todos os historiadores, que “essa
religião, ao mesmo tempo grega, romana, egípcia, asiática, dominava o mundo inteiro no II século da nossa era”.
Recuemos, ainda, e vamos encontrar no Egito, Phtah adorado na figura de um escaravelho,
Horus na de um gavião. Osíris na de um boi...
Penetremos mais longe e já não são os animais que
representam as divindades, mas os próprios corpos inanimados. E por aí se verá,
chegados ao troglodita, que Deus espantoso não seria o do homem primitivo!
Mas não importa: acreditar em Deus é acreditar em tudo
isso, e essa crença, por mais absurda que seja ou incompreensível que pareça, é
o suficiente para salvar a humanidade.
Acreditar em Zeus
ou em Netuno ou em Vishna, ou no trovão, ou no boi Apis, ou no crocodilo, ou em determinada
pedra ou acreditar em Jesus Cristo é tudo a mesma coisa.
Os deuses do passado eram esses. Era nesses deuses que os
nossos ancestrais acreditavam, e o nosso
bom irmão Galdino di-lo claramente: “Crer
em Deus é crer em Cristo. Quando os antigos criam, criam em Deus e nesse ato estava
implícita a sua fé em Cristo”.
É essa a doutrina que os nossos irmãos opõem à salvação
pela caridade.
Ser bom... Não,
não é isso o que salva. O que salva é crer em Cristo e crer em Cristo é crer
numa coisa qualquer- seja em Júpiter ou seja no gavião.
Queira desculpar-nos o digno pastor. Isso não sabíamos. O
nosso engano promanou de não podermos nunca ver confundido o Cristo, a doce
figura do Cristo, com os deuses polutos que a imaginação, a ignorância e a maldade
dos antigos fabricaram.
Nós, que não vivemos a pregar a crença em Cristo, como
meio primordial de salvação, temos o Mestre, no entanto, como um ser perfeito,
vindo ao mundo em missão de paz e em missão de amor. E tal é o culto que lhe
devotamos que nunca imaginaríamos que esse Cristo fosse as
mesmas divindades abastardadas das mais recuadas épocas da civilização humana.
Reum confitentem
(um réu que confessou) declaramos o nosso engano!
Nota - Em
o escrito anterior referíamo-nos à passagem de Paulo, onde se diz que “a
apostasia de uma alma torna impossível
novo arrependimento”. E achávamos, segundo a opinião de alguns, que o que teria
dito Paulo é que a apostasia tornou difícil...”
etc.
Escrevem-nos,
perguntando-nos se estamos mesmo certo de que o apóstolo tivesse dito “difícil”
e não “impossível”.
Não
estamos certo de nada e por isso é que recorremos a outras fontes informativas.
O
que afirmávamos é que as línguas antigas não tinham a riqueza das modernas e daí
os prováveis enganos de tradução. Essa pobreza, se nota na própria língua
latina, apesar de oriunda de línguas relativamente ricas como as arianas.
Aliás, não fomos nós que inventamos isso; dizem-nos os entendidos.
Abra-se
Ribeiro de Vasconcellos (Origens da língua portuguesa) e se lerá: “Uma língua mais
se altera quanto se modificam as condições sociais do povo que a fala.” (pg.
12)
“As
modificações fazem-se sentir em todo o organismo de cada língua... No vocabulário,
porém, é que estas mudanças mais se acentuam.” (pg. 13)
Na
época de Cristo, parábola, por ex. significava
uma narração alegórica. Com os tempos passou a significar termo (palavra). Se se houvesse perdido o primitivo significado,
estariam os contemporâneos a fazer os costumados prodígios de imaginação, para
explicar o que queria dizer-falar Jesus por palavras.
“Mudam
as significações dos termos” são ainda os eruditos que o proclamam - “para
satisfazer a estados psicológicos.”
Mas,
além dos erros de tradução, há muitas outras causas de possíveis enganos nas
escrituras. Confrontando ainda agora os livros sagrados, de diferentes edições,
notamos divergências nem sempre de pouca importância. É que, às vezes, é preciso
acomodar os textos a doutrinas estabelecidas e os períodos vão perdendo a
significação, os termos vão sendo substituídos por outros mais ajeitáveis... E,
por esse processo, aí teríamos um difícil
tornado impossível. Poderemos afirmar
que no decorrer de dois mil anos fosse impossível alterar o difícil, quando, nos nossos dias,
notamos flagrantes e injustificáveis alterações?
Mas
o caro missivista não precisa aziumar-se (aborrecer-se)
por termos julgado alterável um trecho escriturístico. Paulo poderia ter empregado
mesmo o impossibilis, sem que a
expressão tivesse o sentido absoluto que se lhe quer dar. Se folhearmos o
moderníssimo Aulete veremos que “impossível” também quer dizer “difícil.”
O
que é difícil aceitar é que, por esbarrar num vocábulo, tenhamos de admitir o
impossível, isto é, um Pai vingador irredutível, e as letras sacras em contradição
umas com as outras.
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As objecções de um
irmão protestante
Parte 6 – O que a razão aceita e o que a razão
repele
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Julho 1929
Dizia o nosso irmão
com quem vimos palestrando, que os antigos, quando criam, criam em Deus e o
mesmo é crer em Cristo; e nós chegaríamos, por esse ensinamento, à conclusão de
que a crença, por mais absurda que fosse, bastaria ao salvamento humano.
Não obstante, posta a questão nesses termos, parece que
ela sofre restrições diante do que nos diz Paulo (I:18-20), e que o nosso amigo
Galdino transcreve da cartilha protestante das crianças.
Pelo versículo citado se vê que é possível que os homens
não tivessem em algum tempo conhecimento da lei de Deus e estes serão julgados segundo suas obras.
Temos, então, o princípio que defendíamos e é que a fé
não pode ser o padrão universal da salvação.
Deixamos de lado uma parte em que o pastor se refere aos
tópicos da Gênese de Kardec, concernente
à autoridade das revelações, porque não compreendemos em que as revelações e os
tópicos destruiriam a tese de que a criaturas não se podem salvar sem a
caridade.
Mas, esta tese o próprio amigo a confirma. À nossa
pergunta, se os maus iriam para o céu, responde-nos: “Quanto aos maus não há
também dificuldade. Os maus não podem ir ao céu sejam os maus do passado, do
presente ou do futuro.”
Mas é o que nós dizemos.
Ora, os maus são os que não praticam a caridade humana.
Se os que não praticam a caridade não
podem ir ao Céu, claro está que “fora da
caridade não há salvação”, e é só o que pretendíamos demonstrar.
*
No seu artigo IV o rev. Galdino acusa-nos de acreditar
que toda a gente é cega e nós é que somos os mestres, os sábios, os entendidos;
que só nós é que compreendemos o espírito das escrituras; que só nós somos os
apadrinhados de Deus; que ficamos no terreno das afirmações e não discutimos
texto a texto, para desmascarar o erro; que não aclaramos os outros com um
taquinho da nossa ciência bíblica...
Parece inexata a asserção de que não discutamos texto a
texto e não possamos aclarar os pontos duvidosos.
O ilustre opositor dir-se-ia querer afirmar que os espíritas
contestam as passagens obscuras e se ficam nisto, impossibilitados que estão de
apresentar um taquinho da sua ciência bíblica.
Ora, o “Evangelho segundo o Espiritismo” de Allan Kardec,
tá cheio de elucidações a respeito dos textos evangélicos e os quatro volumes
de Roustaing estudam os mesmos Evangelhos, texto a texto; isto para só falar
nas obras básicas.
Quanto a nós, em particular, na dificuldade de apreciar,
ao mesmo tempo, a grande cópia de passagens apresentadas pelo distinto patrício,
limitamo-nos a ir tocando nelas, à proporção que os assuntos atinentes às
mesmas e iam apresentando.
É o que nos parecia uma questão de método. Não há, pois,
motivos para supor que estejamos fracos e desarmados diante da exposição dos nossos
prezados antagonistas.
Quanto à nossa interpretação, oferecemo-la com o mesmo
direito com que oferecem a sua os nossos irmãos protestantes e se achávamos que
esses nossos amigos “entendem apenas a letra”, é porque eles sustentam essa letra
contra todos os ditames da lógica e mesmo contra outras letras com que vêm colidir.
Quando os nossos amigos nos declaram que Cristo é Deus, somos
forçados a achar que eles não entenderam a letra, - não por sermos apadrinhados
de Deus, - mas porque a inteligência humana não pode conceber esse Deus
dividido em 3 partes, da qual uma fração veio à Terra; porque o espírito se
perde procurando compreender como esse Cristo era Deus e falava de Deus como do
Pai a quem obedecia; como Cristo era Deus e afirmava que ele não era bom,
porque bom só era o Pai...
Não é um privilégio o que nos faz julgar em engano os
nossos irmãos, senão o entendimento, que nos obriga a repelir o que não é possível
compreender.
Quando se afirma que o que salva é crer em Jesus nós
temos que buscar o espírito da lição, porque vemos inúmeras pessoas que têm
crido em Jesus ou em Deus como quer o pastor, e que cometem as maiores
iniquidades.
Quando o digno rev. nos diz, em S. Paulo, “que é impossível novo arrependimento”, -
o que importa na condenação ao inferno, - necessário se torna que elucidemos o
sentido do versículo, para não nos enredarmos em pavoroso cipoal.
E assim, forçoso é que tenhamos como duvidosa a
interpretação literal do amigo, interpretação que nos vem por Deus, diante dos
olhos, como um títere a quem o demônio engana e vence a quem os homens não
obedecem, a quem o mundo não se subordina.
Se vamos a Ezequiel, encontramos (XXXIII, III) a seguinte
categórica declaração:
“Por mim vos juro, diz o Senhor, que não quero a morte do
ímpio, mas sim que ele se converta, deixe o mal caminho e viva.”
Abrimos o Evangelho de João e vemos: Todo o que meu Pai
me dá virá a mim... Ora, a vontade de
meu Pai que me enviou é que eu não perca nenhum de todos os que
Ele me deu...” (VI, 37-39).
Vejamos Mateus e ele nos diz: Se um homem tiver cem ovelhas
e uma delas se extraviar, não deixa as noventa e nove e vai aos montes procurar
a que se extraviou? (18:18).
Enfim, “o Filho do homem veio para salvar o que estava
perdido”, “Deus não enviou seu Filho para julgar o mundo mas para que o mundo
seja salvo por ele”.
A vontade do Pai é pois a de que o ímpio se converta.
Para salvar os perdidos mandou-nos o seu Filho. O seu proceder é o do homem que
vai buscar a ovelha que se extraviou.
E não obstante tudo isso, os filhos se perdem e vão para
o inferno, que “infelizmente”, - diz-nos o rev. - está de portas abertas.
E nós chegamos a esta conclusão espantosa, a de que Deus
tomou uma providência, qual a de nos mandar seu filho, e ela foi quase de todo
o ponto inútil, e o que se passa no mundo é contra sua soberana vontade!..
E se nós soubermos que nenhum passarinho cairá ao chão
sem ser pela vontade de Deus, que até os fios de nossos cabelos estão contados,
ficaremos na maior perplexidade por descobrir, como é que a vontade de Deus é
de tal ordem que até os fios de nossa cabeça lhe obedecem e como é que, sendo
de sua vontade salvarem-se os homens, eles se perdem!
É, pois, diante desse dilema, que nos achamos no direito
de afirmar que parecem enganados os nossos irmãos protestantes.
Não é preciso uma iluminação especial, nem o filhotismo
divino para nos julgarmos com a razão.
É que ela está a nos entrar pelos olhos, é que não pode
haver dúvidas a esse respeito, e se não cremos que os nossos irmãos sejam cegos
ou deixem de ter a nossa inteligência, somos, pelo menos, obrigados a ver que a
repetição dos mesmos ensinos através das idades, incrustou-se lhes por tal
forma no pensamento, que eles não ponderam perceber aquilo que já percebem os
que não foram educados na escola do dogma.
Fora, portanto, desses pontos que o nosso espírito
rejeita, não porque julguemos esse espírito esclarecido, mas porque aqueles
pontos são inaceitáveis diante do mais superficial estudo. Fora desses pontos,
lemos sempre com atenção o nosso irmão Galdino e seus confrades, com quem
muitas vezes temos aprendido.
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As objecções de um
irmão protestante
Parte 7 – Permaneçam as três mas a caridade é
a maior
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Agosto 1929
Apesar de haver
afirmado o digno pastor Galdino Moreira que fugíamos à análise dos textos evangélicos,
sempre descobriu esse nosso irmão alguns, em que a fuga não se verificava. São
aqueles que falam no “crer em jesus”, “seguir a Jesus”, “não ir ao Pai senão
por Jesus”etc., textos que temos como significando seguir a doutrina de Jesus.
E declara o nosso amigo:
“Diz S. S. que interpretamos
essas frases como exigindo crença ou conhecimento da pessoa de Jesus, em carne
e osso ou seja travar relações materiais com Jesus...”
E então S. R.
explica:
“Nunca protestante algum ensinou que crer em Jesus
seja privar com Jesus em carne e osso ou travar relações materiais com ele...”
Se nunca os
protestantes ensinaram isso, nunca tal coisa supusemos.
Nunca dissemos que os protestantes tinham o “crer em
Jesus” como privar com ele em carne e osso.
Nunca interpretamos as frases do nosso irmão como
exigindo conhecimento pessoal de Jesus.
Pensávamos e pensamos que o “crer em Jesus” tinha, na
teoria dos nossos irmãos, a acepção de haver fé em Jesus, visto como todas as
vezes que nos referimos à caridade, antepõe-se nos a essa
caridade o “crer em Jesus” o “seguir a Jesus”.
Dir-se-ia, pois que “crer em Jesus”, é coisa diferente do
que ter caridade e o que nós queríamos provar é que não se dava tal, e por isso
dizíamos que “crer em Jesus” é seguir sua doutrina e seguir sua doutrina é
fazer o bem.
Acha o irmão que assim é. Porque nos contraditava, então?
É verdade que acrescenta: “é confiar também na sua autoridade
e não sabemos por que se há de inferir que com o pregarmos a caridade, estamos
desautorizando a divindade.
Em todo o caso, acompanhemos o amigo, a ver no que estamos
errados.
“...É mais do que isso.
É confiar na sua divina autoridade... Crer em Jesus no sentido só de adotar sua
doutrina é pouco. Por que hei de acreditar em sua doutrina? ...Acredito na sua
doutrina porque atrás dela está o Autor...
O Sr. Dr. diz: - para conhecer psicanálise, por ex., é
preciso conhecer Freud, isto é, estudar lhe as lições. Perfeitamente.
Mas, por que hei de aceitar as lições de Freud? Claro que
devido à pessoa de Freud, a quem reconheço como autorizada...
Portanto, a aceitação de uma obra está primariamente na
aceitação da autoridade do autor... Logo o Sr. Dr. Carlos não interpretou bem
nossa crença, não a conhece e julga mal os evangélicos...”
Parece-nos que há
aqui alguns equívocos.
Não é pelo autor que se conhece a obra, mas pela obra que
se conhece o autor, assim como pelo fruto é que se conhece a árvore.
O valor de Freud está nos seus trabalhos. Não tivesse ele
feito a Psicanálise e ninguém o conhecia.
O homem só aparece depois da obra.
E tanto a autoridade do indivíduo depende dos seus
frutos, que essa autoridade é mais ou menos acatada conforme o valor que se
empresta ao que ela faz.
Assim, aquele para quem a teoria freudiana veio a calhar,
com a doutrina da libido, - porta aberta
às nossas fraquezas, - o Freud é um gênio.
Outros, como nós, que põem em dúvida as suas concepções,
têm-no como pouco mais de medíocre.
Lutero é para o nosso amigo um grande vulto.
Os nossos irmãos católicos, porém, a quem a Reforma tanto
desagradou, há muito que o julgam no inferno.
Porque ninguém conhece os anônimos? Porque eles não
fizeram obra nenhuma.
Que é a obra que diz do autor, parece-nos ponto de tão
insofismável clareza, que nos dispensamos de prosseguir. Lembremo-nos, apenas,
que o próprio Cristo, para que o Batista soubesse quem ele era, disse ao mensageiro
que o veio interrogar: “Ide contar a João
o que estais ouvindo e observando: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos
ficam limpos, os mortos são ressuscitados, aos pobres anuncia-se lhe o Evangelho.”
(Mt., 11:14.).
Aí tem. Jesus falava de suas obras para ser conhecido.
Pensamos mais que a criatura pode seguir a Jesus sem ter
sabido de sua autoridade. Segue-o, praticando a sua doutrina.
Houve e há, talvez, quem nunca ouvisse falar de Jesus.
Dirá o nosso irmão que esse, porém, ouviu falar de Deus.
Mas esse Deus, de quem muitos ouviram falar, podia deixar
de ensinar o que ensinava Jesus. E o justo, no entanto, guiado unicamente pelos
seus bons sentimentos, enriquecidos através dos séculos, cumpriria a risca o
Evangelho, de que jamais tivera noticia, acreditando mesmo em divindades do
mais absurdo feitio e quilate.
Abreviemos, porém, a questão, declarando que a tese
espírita não cogita, propriamente, negar essa “autoridade”, por que tanto se
empenha o amigo G. M..
Não a eliminamos de nossos princípios, todos nós que
somos essencialmente cristãos. O que se pretende tornar patente é que os que
não têm caridade não podem absolutamente salvar-se; o que se afirma é que “fora da caridade não há salvação” .
Esse é que é o princípio básico do salvamento:
E vamos ver como esta questão da autoridade está relegada
a um segundo plano.
Folheemos, por ex., o trabalho de um dos mais acatados
escritores do catolicismo, - ‘A Doutrina
da Ordem’ - do Dr. Hamilton Nogueira e leremos o seguinte:
“Abre-se a História
e surge o dulcoroso Cromwell, assinando com mansidão evangélica, com suave tolerância,
a Constituição que recusa a liberdade aos católicos. Mais adiante aparece um
Guilherme de Orange cuja bondade angelical não o impede de excluir os católicos
do bill de tolerância. Viram-se páginas e aparece Cristiano III, cordeiro de extraordinária
brandura, que se contenta apenas em condenar à morte os padres que ousem
penetrar na Dinamarca.”
A esse irônico libelo,
podiam revidar os nossos irmãos protestantes:
“Abre-se a História e surge o melífluo e católico antecessor
de Cromwell perseguindo aos puritanos.
Mais adiante aparece um Luís XIV, cuja brandura de serafim
não o impede de revogar o edito de Nantes.
Viram-se páginas e aparece Catarina de Médici, ovelha de fenomenal
bondade, que se contenta apenas de mandar matar todos os huguenotes que ousaram
existir na França.
Os nossos amigos podiam dizer isto assim e unicamente
assim, para não sair das águas daquele escritor citado. Se eles quisessem
partir das Cruzadas, velejar pela Idade Média, acompanhar os trabalhos da
Inquisição, e mesmo nos tempos modernos se demorar nos feitos religiosos, muito
haviam para comentar.
Que espantosa messe
não lhes forneceria a História Universal, se se lembrassem de ir catar todas as
maldades dos seus irreconciliáveis adversários.
Em nome de Cristo e para ser lhe agradável os habitantes
de Béziers foram assassinados. O monge Arnaud Amaury recomendava o morticínio,
falando por essa forma a seus soldados: -Tuiez-Ies
tous, Dieu connaitra ceux qui sont à lui.
Para que Deus soubesse os que estavam com ele, foram massacrados
também os habitantes de Carcassona, de Castre, de Alba e de Tolosa.
E triste verdade é esta que lemos numa obra de Maurice
Magre (Pour quoi je suis boudhiste): - “Logo que os cristãos chegavam em algum
lugar, aí instalavam um tribunal religioso e levantavam fogueiras.”
Era esta a doutrina do Cristo? Por certo que não. Mas
aqueles maus eram crentes, e tinham em muito apreço a autoridade de Cristo.
A crença nessa autoridade,
traduzida por tal forma, poderá conduzir alguém ao caminho do céu? Por certo
ainda que não. O que fica, pois, indestrutível, inabalável em seus alicerces, é o Bem. A
parte inamovível, a que resiste sempre, aquela sine qua non, é a da caridade. Isso é o que afirmamos. O que se
assegura, em Espiritismo, é que as manifestações da fé nada valem se
desacompanhadas das obras.
Tal como dizia Tiago: “Pois assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem
obras é morta” (2:26).
O que o Espiritismo procura, com seu lema, é mostrar aos
homens que de nada lhes adianta o fanatismo religioso, a crença em Jesus ou no
quer que seja, as demonstrações sinceras ou não da fé, se no fundo da alma não
lampejar o amor do semelhante, que se traduz nas obras da caridade humana.
Afirma o nosso contraditor que a autoridade de Jesus está
apresentada no Evangelhos pelo seu nome: - fazer a caridade em nome de Jesus é
faze-la porque Jesus mandou.
Mas o que se tem feito em nome do Divino Mestre é a iniquidade.
O seu nome tem acobertado as maiores infâmias na face na terra e então os espíritas
vieram lembrar que o nome de Cristo pouco valor terá sem a sua doutrina.
E nada mais fazermos
que repetir as palavras do Messias:
“Naquele dia muitos
hão de dizer: Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome e em teu nome, não
expelimos demônios e em teu nome não fizemos muito milagres?”
Então lhe direi claramente: “Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade.”
(Mateus 7:22-23).
*
Há quem suponha, e assim parece acreditar o nosso pastor
amigo, que temos como inútil a fé.
(Não dissemos isto em nossos escritos, não n'o dizem a Igrejas,
não n'o ensinam nossos símbolos)
Quando se diz que fora da caridade não há salvação, o que
se afirma é que- sem caridade ninguém se salva.
Tal princípio não
exclui a fé. Não há quem possa negar o valor da fé no processo evolutivo do Espírito.
Ninguém crê que um ateu seja um espírito adiantado. Em todas as altas comunicações
espirituais se nota o mais acendrado respeito e a mais doce confiança no Pai.
Quando se assegura que é a caridade que salva ter-se-á em
vista afirmar que é ela o principal caminho para atingir-se a felicidade. É
mesmo possível que se diga que a caridade é o único caminho, será ênfase. O que
os espíritos declaram, o que está no Kardec é que essa virtude é indispensável
à salvação. Será mesmo a que predomina, a que mais resplandece aos olhos de Deus
e por ser a principal é que ficou esculpida como lema
da doutrina.
O ensinamento espírita é o ensinamento de S. Paulo:
“Mas agora
permaneçam a fé, a esperança, a caridade, estas três; porém é a caridade a
maior destas.” (Cor. I, XII, 13.)
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As objecções de um
irmão protestante
Parte 8 – A Fé e a Caridade
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Agosto 1929
O ilustrado pastor
do Riachuelo, com quem vimos palestrando, contestava a tese espírita da
caridade dizendo que esta é evidencia da salvação.
Não entendemos muito e S. R. explica: “sem verdadeira fé
não há verdadeira caridade”, e estabeleceu a simbiose de que já tratamos.
Mas porque, - perguntávamos, - não pode haver caridade
sem fé? Muito pelo contrário, estamos fartos de ver que há caridosos que não
são crentes e crentes que não são caridosos.
Ao que replica o nosso irmão:
“Devagar, Sr. Dr.. Isto não vale assim tão às carreiras.
S. S. afirma, raciocina, propõe, analisa; mas nem sempre há de ser como julga. Vamos
deslindar essa meada. Há caridade e caridade. Há crentes e há crentes.
Há indivíduos hipócritas e há sinceros...
E continua o eminente sacerdote a demonstrar-nos “que há
caridade que vale e há caridade que não vale”; cita vários trechos do Evangelho
e entre estes Mateus (6:1-4): “Não façais
as vossas esmolas para serdes vistos dos homens, como fazem os hipócritas...”
E então diz-nos:
“Percebe, Sr. Dr. Há uma caridade que Deus não aprova,
caridade que se faz por aplauso e por hipocrisia...”
Mas quem diria ao
nobre amigo que a caridade que a caridade, que o Espiritismo
prescreve é esta que se
faz por aplauso e por hipocrisia?..
O que se tem por caridade é o amor ao próximo e os atos
que o traduzem.
Veja-se o “O Livro do Espíritos” cap. XII, 893:
“Toda virtude tem seu
mérito próprio porque todas indicam progresso na senda do bem. Há virtude, sempre
que há resistência voluntária ao arrastamento aos maus pendores. Porém, a
sublimidade da virtude está no sacrifício do interesse pessoal pelo bem do próximo,
sem pensamento oculto. A mais meritória é a que assenta na mais desinteressada
caridade.”
Já vê o douro
evangelista que foi inútil a enumeração dos textos com que nos quis provar que
há uma caridade que Deus não aprova.
Esta, - se é que se lhe pode chamar caridade, - também não
a aprovam os espíritos superiores.
Os versículos apresentados pelo nosso irmão são os mesmíssimos
apresentados por Kardec, e comentando S. Paulo (I Cor. XIII) diz-nos o codificador,
reforçando lhe o ensinamento:
“Ele define a verdadeira caridade, não somente na beneficência,
mas também na reunião de todas as qualidades do coração, na bondade na beneficência
dispensadas ao próximo.”
Tal é o que o Espiritismo tem por caridade.
Infere-se de vários trechos a série do pastor: - Raciocínios de um espírita -, que é nosso
intuito combater. O Protestantismo demonstrar o seu nenhum valimento, enfim,
fazer obra de todo o sectarista, que é a de derrocar a crença alheia seja ela
qual for, sem lhe perceber nunca mérito de espécie algum.
Tal procedimento, contra o qual sempre nos insurgimos, é
contra os preceitos da doutrina e prova pouca evolução mental.
Porque, talvez, o
nobre amigo vê em nós um antagonista, é que não percebeu o que queríamos dizer quando
citamos Talleyrand.
Declarava esse prelado que acreditava na Bíblia por ser
bispo, mas não lhe entendia nada e nós fazíamos ver que os bispos iriam
rareando e assim desapareceriam os crentes para ficarem só os que não
entendessem nada.
O eminente pastor responde que há engano em confundi-los
com os bispos; eles creem na Bíblia porque a Bíblia é “a palavra de Deus” e
mais “que os crentes não vão rareando, o que se demonstra com as estatísticas.”
Sim, creem na Bíblia porque a Bíblia é a palavra de Deus;
mas acham que a Bíblia é a palavra de Deus por serem protestantes...
Quase que vem a dar no mesmo que dizia o bispo...
Quanto às estatísticas, elas provariam alguma coisa, se
ficasse demonstrado que só protestantes adquirem a Bíblia.
Mas não é isso o de
que queremos tratar, nem é do nosso interesse que o Protestantismo desapareça e
os crentes vão rareando.
Aqui discutimos unicamente princípios e deste, na nossa
controversa, os que o rev. antepôs aos ensinamentos espíritas.
O nosso lema é o do mais absoluto respeito à fé alheia,
O que queríamos porém, dizer, é que, sustentando,
obstinadamente, dentro dos Evangelhos, doutrinas indemonstráveis ficarão pouco
acreditados perante as gerações vindouras, sacrificando, talvez, toda a
importante obra a que se dedicam.
Por enquanto a humanidade ainda não raciocina. Os indivíduos
acreditam naquilo que se lhes diz. Quando, porém, o raciocínio começar a
despertar, todo o mundo compreenderá que o homem só poderá ser salvo pelo seu merecimento
e que é inverídica e afirmativa de que o sangue de Cristo é que veio redimir a
humanidade, e isto durante uma só encarnação.
Se lançarmos, por
de leve os olhos sobre a histeria dessa humanidade o que vemos são atos contínuos
de barbaridade, de injustiça, de revoltante iniquidade.
Pode-se dizer que o homem é mau por sua natureza. As
sociedades vivem em tranquilidade aparente.
Por pouco que se rompa o equilíbrio que as mantém, logo
se veem surgir os abusos de toda a ordem.
Há uma pequena luta civil; os exércitos se encontram sob
férrea disciplina; no entanto, uma cidade tomada é uma cidade saqueada.
Perguntamos: O sangue de Cristo poderá acobertar tudo
isso?
Parece que não. Ora, em cada geração a parte dos bons é
insignificante. Diógenes continua de lanterna acesa, pelos séculos em fora, à
procura de um homem.
É diminutíssima a quantidade dos justos diante a enorme
massa dos desonestos.
Temos, então, o Pai
sacrificando o seu amado Filho para um resultado quase inapreciável. Uma empresa
que apresentasse tal porcentagem de lucros seria uma empresa irremediavelmente falida.
Do mesmo passo, a missão do Cristo, dada a precariedade dos seus resultados,
estaria, indubitavelmente, fracassada.
É o que verão os pósteros, quando começarem a ler pela
cartilha da razão e não por aquela que dão às crianças os nossos caros irmãos
protestantes.
Isto não quer dizer, porém, que o Protestantismo deva
desaparecer. Estenda-se um pouco mais o livre exame, amplie-se a Reforma e estarão
os evangélicos dentro da lei imperturbável do Progresso, cumprindo a sua tarefa.
*
Voltando à fé, diz o nosso prezado amigo que a que salva
é a que faz amar primeiro a Deus, e que não há caridade sem fé! E servindo-se dos
próprios ensinamentos espíritas, mostra-nos, com transcrições do Evangelho de
Kardec, que “a esperança e a caridade são consequentes da fé” que a fé é a mãe
da caridade que “a caridade sem fé não basta para manter entre os homens uma
ordem social capaz de torna-lo felizes,” que "a caridade é impossível sem
a fé.”
Diante destas frases,
acha o pastor que andamos meio esquecido até dos mestres.
É. A memória já nos vai fugindo. As lutas da vida nem
sempre nos deixam o espírito com a frescura do verdor dos anos. Mas não se
trata aqui, propriamente, de perda da memória. Tomada naquelas frases, a fé, - como
crer em Cristo, - o que se poderia dizer- é que ali havia uma contradição,
porque nos ensinamentos espíritas que se proclama é que a caridade é o 1º passo
para o salvamento.
Nos lances apontados, porém, trata-se de mensagem que
Kardec recolheu. Não é um ensinamento geral senão as opiniões dos Espíritos que
se assinam “José” e “Um espírito protetor”.
Belas mensagens, não há dúvida, e que por isso mereciam
apanhadas.
Mas não nos parece que seja aquela fé uma simples crença
na divindade. Assim como o rev. no diz que há caridade e caridade, nós
afirmamos que há fé e há fé.
É este o calor num empreendimento; será o sentimento do
Bem; a força motriz de nossas boas ações...
Larousse aponta-nos
várias acepções: - “firme adesão da inteligência à verdade que ela crê
reconhecer. Fidelidade aos compromissos.
Lesseps, que, arcando com as maiores dificuldades,
vencendo óbices insuperáveis, abriu o canal de Suez, erei um homem de fé!
Folheie o nosso irmão um pouco mais a mensagens que nos
citou e lerá:
“Mas o Cristo, que executou milagres, mostrou com eles próprios
quanto pode o homem cheio de fé, isto é, da vontade de querer.”
A fé, inspiração divinas, pode ter a acepção também deste
sentimento que nos liga a Deus, que é o amor.
E então seria a mãe da Caridade.
Não vemos, pois, em que alterar as nossas conclusões.
Mantemos a crença de que a Fé é indispensável na marcha do Espírito, mas o
primeiro grande passo é o da Caridade.
O mais interessante, porém, é ver o nosso irmão Galdino,
para a defesa de sua tese, abonar-se em Allan Kardec e nós ficarmos com S.
Paulo:
“E se tiver todo a
fé a ponto de remover montanhas e não tiver caridade, nada sou.”) (I. Cor. 13,2.)
Mais um artiguete e está finda a nossa a palestra.
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As objecções de um
irmão protestante
Parte 9 e final – últimas palavras
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Setembro 1929
A isso respondeu o pastor Galdino Moreira que a caridade era
eterna, porque o sacrifício do Cristo abrangia as humanidades de todas as épocas:
quanto à sua eficácia, limitou-se S.R. a declarar que Deus não tinha culpa que
o indivíduos sem fé e perdessem...
Já tratamos das duas questões acima, e estamos agora na 3ª,
a de que a caridade de Deus, como salvação, não concordava com os Evangelhos.
Para provar que a caridade salvadora é a dos homens o citado
artigo do “Reformador” reportou-se, entre outras, a passagem de Mateus 25:-10.
“Em verdade vos
digo que quantas vezes o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a
mim o fizestes.”
O irmão pastor replica que “tomamos o texto isolado”,
quando devíamos ir a Mateus 10: 42.
E qualquer que tiver dado só que seja um copo d’água fria
a um destes pequenos em qualidade de discípulo, de modo nenhum
perderá seu guardião.
Assim, o valor da
caridade estaria no ser feita por crentes a crentes em Cristo.
Mostramos a injustiça do princípio: - Ha dois grupos que
fazem a caridade. Um crê em Cristo. Ambos envidaram os mesmos esforços na prática
do bem e o Senhor só escolhe um deles, o que acreditou. Remeter o outro grupo
para o inferno seria grande injustiça.
Diz-no, então, o nosso contraditor:
“A hipótese do Sr. Dr. é falsa e inadmissível porque, é
um requintado sofisma.
Tudo nesta comparação depende de uma cláusula que o Sr.
Dr. enquadrou gratuitamente na hipótese, cláusula, aliás, inadmissível. É esta:
“ambos os grupos envidaram os mesmos esforços, na prática do bem...”
É a segunda vez que o Rev. Galdino nos acusa de sofistas.
Ficou apenas em dois sofismas, felizmente, apesar de haver declarado que, não raro, sofismávamos. O interessante,
porém, é ver o que o citado escritor chama de sofisma.
Todas as vezes que partimos de ponto oposto ao que S. R.,
tem como certo, estamos sofismando.
Assim é que ele afirma: “Se creram sim, podiam ter envidado
os mesmos esforços na prática do bem...”
Por esse processo estaremos sempre com períodos sofísticos.
O ponto é partir de princípio diferente do que S. R. estabelece.
Não há nada que nos
demonstre “que só envidam os mesmos esforços, os que creram.”
A proposição é simplesmente dogmática e não nos pode,
portanto, convencer.
Vamos ver, porém, que ela está longe de ser aceitável, e
para isso transcrevemos todo o seguinte trecho do diretor do ‘Puritanos’:
...Provada a perfeita ligação desses passos evangélicos,
vamos à dúvida do caro polemista: - Segundo a
doutrina do pastor o bem não será praticado indistintamente para todas as criaturas.
Ele só aproveita quando feita uns crentes
em Cristo...
Lendo este trecho, puzemo-nos a pensar no ditado: dois a
medir e três a conta... É o fato. Tratamos de um
caso específico, particular, de uma parte, apenas, do Evangelho; discutíamos,
na ocasião, o texto apresentado pelo Sr. Dr. Carlos e este agora nos arruma em
cima uma conclusão geral, fala da regra e não da exceção... Quando foi que declaramos
que o bem só aproveita aos crentes?”
Quando? Vejamos seu artigo “A caridade que salva”, do ‘Puritano’
de 30 de Junho de 1928:
“Note o articulista que a caridade assim discriminará
os salvos e perdidos, no juízo, não é simples ação de dar e acolher os pobres
ou fazer benefícios. É a caridade feita aos crentes em Cristo...”
E isto não é uma regra...
E
mais adiante:
“Ora
a caridade aqui (vers. de Mateus 25:31-46), que se põe em relação direta com
a pessoa de Cristo, é a feita em seu nome e a um seu discípulo...”
E
depois de várias citações evangélicas:
Em todos
estes lugares, a dádiva, a caridade é feita a um que ore, em nome de Cristo, a discípulos.
Todos
os grifos são do próprio reverendo.
Nesses
trechos citados não se encontra o 'so',
de fato, mas esse advérbio subentende-se. Se “a caridade que discriminará os salvos e os perdidos” é a “feita aos crentes em Cristo” não
discriminará os perdidos e salvos.
Se a
caridade é a “feita em nome de Cristo a um seu discípulo”, segue-se que a que
não for feita em nome de Cristo, ou a um que não for discípulo não será
caridade.
Se
em todos os lugares “a caridade de é a
feita a um que crê”, quando for feita “a um que não crê”, não será, está
visto, caridade; e conseguintemente só será caridade quando feita ao que crer...
Enfim, se o
articulista declara não haver afirmado que o bem só aproveita aos crentes, impõe-se
nos a certeza de que esse bem pode ser feito a crentes ou a descrentes, isto é, a um que não seja discípulo do
Cristo.
E se não é obrigatório darem-se esmolas só a um crente, ipso facto não será obrigatório que a dádiva
seja também feita pelo crente. Porque não há razão, no versículo em apreço, a que
se dispense a exclusividade numa de suas partes e não na outra.
Temos, então, que a caridade não tem restrições, pode ser
dada e recebida por quem quer e não sabemos a que veio o versículo com que o reverendo
quis restringir o ensinamento de Mateus 25:40.
“Quantas vezes o fizestes
a um destes meus irmãos mais pequenos, a mim o fizestes.”
Por que razão reprochou-nos o haver tomado o texto
isoladamente? A que veio, então, “o copo
d’água fria, se ele pode ser dado, indiferentemente, a discípulos ou não discípulos?
Não há obrigatoriedade
no ensinamento, não falou no ‘só’? -Será
então como se o ensinamento não existisse; ele é inútil.
Suponhamos que se coloque num cartaz: “Dão-se esmolas aos
sábados”.
Parece indubitável que só aos sábados se darão esmolas.
Mas se o avisador afirmar que não falou em ‘só’,
nesse caso as esmolas podem ser distribuídas no sábado e fora do sábado e é patente a
inutilidade do aviso.
Foi, pois, para evitar que se tomasse como inútil um
preceito cristão, que buscamos dar ao texto interpretação diversa da do rev. Galdino,
e esse modo de ver fez com que S.S. achasse que estávamos virando e revirando,
torcendo e retorcendo...
Diz ainda o apontado mestre evangélico, que de uma premissa
particular tiramos urna conclusão geral e afirma:
Saiba,
agora, o Sr. Dr. que a tese “a caridade
que vale é a feita por crentes e a crentes” não é a toda a doutrina da Bíblia,
mas, apenas, a conclusão lógica, real, exata, dos textos, em dirimência (em
conclusão) na nossa primeira palestra ..”
Confessamos que não nos foi possível entender isso. Que
serão textos em dirimência?..
O fato em suas linhas
simples é este: declaramos, e era essa a tese do “Reformador”, que o Evangelho
prescreve a caridade, quando diz: “Quantas
vezes o fizestes a um destes pequeninos a mim o fizestes “
Responde o pastor que essa caridade é a feita por crentes
a crentes. Estranhamos o absurdo e replica-nos, o nosso amigo: - O ensino é
particular, não é geral.
Mas quando um ensino bíblico é geral e quando é particular?
Assim, para demonstrar que a caridade que salva é aquela feita por crentes e a
crentes, que outra qualquer não salva, isto é, quando se trata de contradizer o
Espiritismo, o ensino é geral se se prova o absurdo disso, o ensino passa a ser
particular.
Realmente, é uma exegese difícil de entender-se, a menos
que se queira demonstrar com ela, que a caridade pode ser feita também por quem
tem fé e a quem tem fé - coisa de que nenhum espírita nunca
duvidou, e que se achava mesmo no direito de não acentuar, a fim de não obscurecer
a genialidade do Sr. de La Palisse.
*
E aqui terminamos a nossa amigável palestra com o rev.
Galdino.
Queríamos, antes,
porém, agradecer ao ilustrado sacerdote as frases por vezes afetivas que teve
para com o seu antagonista: queríamos ainda, cumprimentá-lo pela maneira elevada
por que tratou o assunto, pela elegância dos seus escritos e, finalmente dizer
da nossa admiração pelos seus conhecimentos e pela facilidade com que escreve.
E o ficamos esperando, não para um revide mas para o abraço fraterno, com que
havemos de ir, reconciliados e amigos, à presença do Senhor.
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