O caminho
de urzes
Arnaldo
S. Thiago
Reformador (FEB) Julho
1941
Lágrimas derramo sobre as minhas alegrias terrenas: elas
foram sempre envenenadas por alguma falsidade.
Busco as alegrias do céu, onde reina a pura felicidade.
Mas, para buscar a felicidade no céu é preciso conhecer a
falsidade das coisas terrenas - porque sem a experiência destas coisas, aqueles
bens celestiais nunca poderão ser obtidos.
A viagem é longa. Por vezes a jornada parece
transmutar-se: em lugar de ascensão - queda. Tem-se a impressão de haver
descido muito, depois de muito haver subido. Isto particularmente sucede quando
os amigos nos abandonam, quando os íntimos nos repudiam, quando a censura
substitui os louvores com que éramos enaltecidos...
Esta é a hora mais terrível da experimentação, em que o
grande e excelso Mestre procura conhecer o valor da nossa própria consciência.
Então, o neófito que aspira desvendar os segredos da vida, se não tem
princípios e foi apenas um traficante dos gozos terrenos, soçobra e imerge no
desconhecido, no caos imenso das dúvidas terríveis, onde o espírito se sente batido
por todas as angústias e por um mortal desassossego...
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Conserva o teu próprio caráter, homem sofredor das
retortas terrenas; não te deixes vencer pelos julgamentos alheios, nem fascinar
pelos triunfos passageiros da tua sensibilidade. Abre-se diante de ti uma
estrada juncada de urzes, por onde não gostam os homens de transitar - os teus
pobres companheiros de jornada. Investe resolutamente por esse caminho, fere-te
nas urzes: viverás sem muito pão, porque esse caminho é quase deserto e ninguém
te ajuda, porque por ele - já t'o disse - pouquíssimos transitam.
Mas ao fim terás a satisfação de saber que foste um homem
e sabermos que temos sido homem nos tormentos da terra é melhor do que
reconhecermos que fomos apenas, para sermos ditosos, do número daqueles que Panúrgio
(personagem de Rabelais. Durante uma
viagem de barco no mar, Panúrgio tem uma discussão com um comerciante de
carneiros, que viajava com o rebanho. Como vingança, Panúrgio compra-lhe um
carneiro por alto preço e atira-o no mar. O exemplo e os balidos deste, levam
os outros carneiros a segui-lo e, até o comerciante agarrado ao último, se
afogam) tange com o seu bastão, sem
dificuldades nem raciocínios...
Acorda, homem, do teu sono! Já dormiste demasiado. Já
entretiveste a alma com os brincos fúteis da terrena vida. Faze deles agora o
motivo superior da tua aprendizagem. Não os desdenhes: examina-os como peças
curiosas que serviram à recreação da tua infância espiritual, como os artefatos
encontrados nas antigas cavernas, servem ao arqueólogo para conhecer a inteligência
embrionária do homem primitivo.
Não te iludas mais com esses brincos infantis. Dá-lhes o
valor que merecem e, empregando-os, porventura, algumas vezes, para atrair ao
teu convívio as almas cândidas que foram enganadas pelos sorrisos da alegria
terrena, procura encaminhá-las sabiamente pela estrada de urzes que têm de
perlustrar, se também aspiram às alegrias do céu. Mas, ao passo que caminhas tu
sozinho, acompanha solícito alguma alma que dê entrada resolutamente no atalho de
urzes - porque essa, que ouvir e compreender o que lhe digas, será tua eterna
companheira.
Vai de fronte erguida, caminheiro da adversidade terrena.
Eu te deixo agora, para esperar-te nos pórticos eternos. Sê prudente, sê forte
e bendize da mão que te fez sofrer, apontando-te o caminho de urzes, porque nesse
instante foste agraciado pela divina misericórdia.
Bendize das tuas lágrimas. E segue sempre avante, sem
recriminações, com resignação e humildade.
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