Allan Kardec
Editorial
Reformador (FEB) 3 Outubro
1929
Quando surgiram as primeiras obras de Allan Kardec, foram
saudadas com a risota universal.
Dir-se-ia que o humorismo francês, que pouco depois
contagiava todas as outras partes do mundo, afogaria para sempre aqueles
trabalhos que o Mestre, apresentava aos pósteros, como provenientes do
Além.
E toda a gente ria. Nada havia que provocasse melhor o chiste,
que desencadeasse o bon mot do que a
ideia de que pudéssemos conversar com os mortos. Ora! Allan Kardec tinha a coragem
inaudita de apresentar todo um código de moral e afirmava severamente, que os
mortos é que lh'o haviam ditado.
Ninguém podia conter-se, diante de tais afirmativas.
E o mundo ria.
Mas os tempos se passavam e as obras de Kardec não
ficavam esquecidas nas prateleiras dos editores. Muito pejo contrário, as
edições se esgotavam e se multiplicavam.
E o mundo já não ria. E foram aumentando os que
procuravam sofregamente aquelas páginas e nelas encontravam a explicação para
os problemas do ser, do destino, da dor; o lenitivo para as mágoas, o
esclarecimento das coisas do passado, a fé nas amarguras do presente, a
confiança nos dias do futuro.
A obra de Allan Kardec era traduzida em vários idiomas e
se espalhava por toda a parte; cresceu, avolumou, espraiou-se a onda dos
crentes e o Espiritismo plantou o seu lábaro sobre todos os cantos da terra.
Tal o destino das obras que vêm de Deus!
Hoje, a humanidade já não ri. Poucos são os que,
descuidados e inconscientes, gracejam com assuntos de tal magnitude.
A humanidade hoje chora. Chora as faltas cometidas no
transcurso dos tempos; chora pelos dias que perdeu na ingratidão, na maldade,
na injustiça, nas iniquidades do mundo; chora por ter desconhecido o Pai na sua
misericórdia, por o ter injuriado, conspurcando os ensinamentos que Ele nos vem
ditando por seus missionários; chora por não ter ouvido o conselho dos guias;
chora por haver desprezado toda a riqueza de que dispusera - a riqueza do Espírito;
chora por haver trocado essa riqueza pelos tristes ouropéis dos gozos mundanos.
No meio, porém, dessas lágrimas de arrependimento, alguma
coisa existe capaz de trazer a todos o bálsamo da fé e da esperança: são esses
marcos que Allan Kardec plantou nos campos dos nossos destinos.
Nesses campos intérminos, cujo princípio nossas vistas curtas
não podem descortinar e em cujos horizontes se notam os clarões da redenção
eterna, há um marco maior que todos e nele se lê o emblema que nos deve guiar
sempre, sem nos deixar cair em meio da estrada, ou parar à borda do caminho.
Esse emblema é o que se inscreve no pórtico do grande templo de Amor erigido
pejo Espiritismo:
“- Fora da caridade não há salvação.”
Léon Hypolite Dénisard Rivail, que adotou o nome de Allan
Kardec, ouviu pela primeira vez falar em mesas girantes no ano de 1854.
Como toda gente, ele não acreditava que os Espíritos
pudessem comunicar-se conosco.
Começou, porém, a estudar os fatos, seguindo desta arte
os sábios ensinamentos de S. Paulo, que mandava examinar tudo.
Por algumas vezes, depois de já haver iniciado os seus
estudos, tinha ímpetos de abandoná-los,
Assaltava lhe o desânimo com que muitas vezes são
experimentados os homens da melhor têmpera.
Sustinham-no, porém, os Espíritos; davam-lhe coragem os
companheiros da terra, como Carlotti, Taillandier, Manthèse, Sardou, Didier.
E o Mestre continuava no seu fecundo labor, sem imaginar,
mesmo, a grande revolução que aquele trabalho viria produzir nas ideias dos
homens.
E assim, a 18 de Abril de 1857, surgiu o seu primeiro livro,
que tantos comentários teria de provocar, que tanta celeuma vinha produzir, que
enormes diatribes deveria desencadear.
Esse livro foi o Livro
dos Espíritos.
Ele vinha perturbar as consciências, destruir os dogmas,
abalar os conhecimentos, derruir velhas teorias, reformar a moral, explicar os
Evangelhos.
Era bem uma revolução na filosofia, na religião e na ciência.
Essa revolução não se poderia fazer sem levantar grandes
protestos, ataques, insultos; ela fez erguer-se a maior campanha espiritual que
já se tem visto.
Mas não há reforma sem convulsões profundas. Hoje, todos
os que pensam, todos os que sofrem e todos os que amam abençoam aquele que foi
escolhido por Deus para trazer à face da Terra a Terceira Revelação.
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