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sábado, 25 de abril de 2020

Galvanização ilusória


ainda a igreja como tema...


Galvanização ilusória
Redação 
Reformador (FEB) 1º Março 1929

            O recente acordo do Vaticano, que modificou o regime estabelecido, de fato, pela investida das tropas de Cadorna (marechal italiano, tido como um político incapaz) em 1870, visando a unificação da pátria italiana, não passará, substancialmente, de mais uma encenação entre as muitas que o Pontificado Romano tem desdobrado aos olhos do mundo, por manter um duvidoso ascendente espiritual, no acidentado e nem sempre incruento decurso da sua história.

            Radicando o seu poder na partilha dos despojos do carcomido império dos Césares, a um tempo em que sua autoridade se poderia legitimar como elemento de ordem no tumulto e no obscurantismo da barbaria, a Igreja não quis jamais acompanhar a evolução política e social dos povos originariamente a ela avassalados e que, no fundo, decorre incoercível, natural, da evolução e graduação das consciências.

            Mal colocada, sempre, na defesa de seus dogmas absolutos e intangíveis, de rosto a todas as conquistas de ordem filosófica e científica, a todas as transformações políticas e sociais, o seu acomodamento a novas fórmulas de vida planetária, ansiosas de liberdade e fixação de responsabilidades, tem revestido a feição de um permanente recuo, a dar a impressão desses barcos que, de longe observados, parecem avançar, quando na verdade recuam com a própria mole (pressão?) das correntes.

            E nem sempre, o que é de lastimar, essa resistência se conjuga ao preceito evangélico para dar a Cesar o é de Cesar.

            Então ela, a Igreja, que se diz fundada em ascendente espiritual divino, passa a reivindicar os seus presuntivos direitos, pelos mesmos sinuosos processos vulgares por que o fazem as organizações políticas de caráter leigo e temporal.

            Está neste caso a última concordata, que ainda repercute pelo mundo da publicidade como advento capaz de lhe transformar a face e as diretrizes, levando a povos e governos, angustiados na premura (violência) de suas provações, aquele reinado da Pai anunciado pelo Cristo de Deus, há vinte séculos.

            Para isso conclamam os seus dignatários e servidores, o que faltava ao sucessor de S. Pedro era uma faixa de terra projetando-se para o mar e alguns bilhões daquela moeda que a traça rói, para abastecer as arcas do seu já bem fornido e opulento tesouro.

            E, de lambuja, alguns capítulos legislativos, talhados para uma virtual soberania e intangibilidade que lhe assegurem interferência direta no concerto de atividades públicas e privadas daqueles povos que ela, Igreja, pretende e presume patronear.

            Entretanto, força é convir, esta sanção não veio criar atitudes e possibilidades inéditas, que façam presumir maravilhas assecuratórias de autoridade e êxito aos fins colimados, porque veio apenas capitular de direito uma situação jamais inexistente de fato. A verdade é que, se ao tempo em que possuía latifúndios e avassalava testas coroadas, esquecida da proverbial sentença do velho Plinio – latífundia perdidere Italiam(os latifúndios perderam a Itália) a Igreja, não conseguiu o predomínio absoluto das consciências, para modificar de uma linha a evolução das ideias, menos o pudera fazer agora que a mentalidade dos povos, auxiliada e entretida par valores novos de uma ciência e de uma filosofia liberrimamente práticas, imprescinde do espírito de iniciativa e liberdade.

            Insulado voluntariamente na sua corte, teoricamente prisioneiro, mas praticamente livre, o Sumo Pontífice jamais perdeu contato com o mundo, nele buscando intervir e atuar, como de potência a potência.

            À vasta trama da sua teia, jamais faltou a consistência de um fio, para que a máquina deveras formidável da sua política se moldasse aos acontecimentos universais, a prol dos seus desígnios de ordem moral, ou de ordem material.

            Em toda parte ela, a Igreja, se afirma na maleabilidade dos seus processos, violentos, francamente reacionários, como no México, ou artificiosos de pacifismo, como entre nós, onde, apesar da separação oficial, mantém representação diplomática, pleiteia reformas constitucionais e improvisa ofícios fúnebres, ou pitorescos, como, verbi gratia (para exemplo da regra exposta), a benzedura das espadas.

            Uma das prerrogativas mais glosadas pelos turiferários (bajuladores) da recente concordata é a do ensino religioso nas escolas.

            Considere-se, porém, que esse ensino nunca deixou de existir porque o clericalismo, no seu esforço tentacular, sempre o manteve ileso nas suas escolas paroquiais, sem descuidar de uma primacial infiltramento (infiltração) nos lares através dos confessionários; considere-se, ainda, a difusão dos seus colégios e liceus, como outras tantas colmeias de ostensiva catequese, e ver-se-á que o recurso não tem o alcance, que lhe atribuem, de  modificar as consciências em sua ascese (conjunto de práticas e disciplinas caracterizadas pela austeridade e autocontrole do corpo e do espírito), de espiritualidade inestanque.

            A nós outros, que vamos conscientes de mais altos desígnios providenciais, sabendo que os fastos (fatos memoráveis) da humanidade, as suas mais profícuas realizações não se aferem pelo arbítrio do homem, não nos alegra, nem desconforta, essa chamada, improvisadamente, nova vitória do catolicismo, para definitiva consolidação do seu poderio.

            Em gravitação permanente para o foco da Vida Universal, acionada pelo imã da Verdade, a criatura de Deus, toda criatura tem, na comunhão dos seus Guias espirituais, como no substrato consciencial do seu passado, assegurada a hora da própria redenção.

            No transitar doloroso para essa redenção, percorrido o ciclo das provas que representam maturidade espiritual, não há códigos, nem autoridades, nem legislações capazes de retardar de um minuto o seu acesso a novos estágios; para a compreensão do mundo e de si mesma.

            Pois que? Não disse o Divino Mestre que das ovelhas que o Pai lhe confiara nenhuma se perderia?

            Se as chamas sinistras das fogueiras, se os potros da Inquisição; se a tirania medieval não tiveram a virtude de abafar o surto de espiritualismo culminante na Revelação Espírita como duvidar do seu triunfo, desse triunfo que se afirma a cada dia e a cada hora?

            Porque ele não se faz ostensivo e ruidoso, mas modesto e retraído?

            Porque não se recolhe, nem sintetiza em templos suntuosos, em palácios e museus, a predicar de púlpito e cátedras fulgurantes?

            Mas, se assim for, convenhamos ainda: todas nós que aqui estamos, os que diariamente batem a estas portas, alunos fomos de escolas católicas, rebentos somos de católicos lares, voluntários egressos das igrejas.

            Não foi o capricho, não foi a revolta, não foi a curiosidade que aqui nos trouxe.

            Foram, sim, as circunstâncias fortuitas da nossa vida, foram reclamos da consciência insatisfeita, foram as provações, foi, finalmente, a grande, a providencial lapidaria das almas- a Dor.

            E a dor não deixou de trabalhar o mundo, antes, pelo contrário, tudo faz crer que se intensifica, nesta hora de competições estrênuas, para o domínio do mundo.

            Nada de temores nem vacilações.  

            Quais trabalhadores conscienciosos ao verem aproximar-se a noite, apressemo-nos e, mão firme na charrua, serenos e confiantes no Senhor da Seara, profundemos a lavra, para a semeadura fecunda do seu Amor.

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