ainda a igreja como tema...
Galvanização
ilusória
Redação
Reformador (FEB) 1º Março 1929
O
recente acordo do Vaticano, que modificou o regime estabelecido, de fato, pela
investida das tropas de Cadorna (marechal italiano, tido como um político
incapaz) em 1870, visando a unificação da pátria
italiana, não passará, substancialmente, de mais uma encenação entre as muitas
que o Pontificado Romano tem desdobrado aos olhos do mundo, por manter um
duvidoso ascendente espiritual, no acidentado e nem sempre incruento decurso da
sua história.
Radicando o seu poder na partilha dos despojos do
carcomido império dos Césares, a um tempo em que sua autoridade se poderia
legitimar como elemento de ordem no tumulto e no obscurantismo da barbaria, a Igreja
não quis jamais acompanhar a evolução política e social dos povos
originariamente a ela avassalados e que, no fundo, decorre incoercível,
natural, da evolução e graduação das consciências.
Mal colocada, sempre, na defesa de seus dogmas absolutos
e intangíveis, de rosto a todas as conquistas de ordem filosófica e científica,
a todas as transformações políticas e sociais, o seu acomodamento a novas fórmulas
de vida planetária, ansiosas de liberdade e fixação de responsabilidades, tem
revestido a feição de um permanente recuo, a dar a impressão desses barcos que,
de longe observados, parecem avançar, quando na verdade recuam com a própria
mole (pressão?) das correntes.
E nem sempre, o que é de lastimar, essa resistência se
conjuga ao preceito evangélico para dar a Cesar o é de Cesar.
Então ela, a Igreja, que se diz fundada em ascendente
espiritual divino, passa a reivindicar os seus presuntivos direitos, pelos mesmos
sinuosos processos vulgares por que o fazem as organizações políticas de caráter
leigo e temporal.
Está neste caso a última concordata, que ainda repercute
pelo mundo da publicidade como advento capaz de lhe transformar a face e as
diretrizes, levando a povos e governos, angustiados na premura (violência) de suas provações, aquele reinado da Pai anunciado
pelo Cristo de Deus, há vinte séculos.
Para isso conclamam os seus dignatários e servidores, o
que faltava ao sucessor de S. Pedro era uma faixa de terra projetando-se para o
mar e alguns bilhões daquela moeda que a traça rói, para abastecer as arcas do seu
já bem fornido e opulento tesouro.
E, de lambuja, alguns capítulos legislativos, talhados
para uma virtual soberania e intangibilidade que lhe assegurem interferência
direta no concerto de atividades públicas e privadas daqueles povos que ela, Igreja,
pretende e presume patronear.
Entretanto, força é convir, esta sanção não veio criar
atitudes e possibilidades inéditas, que façam presumir maravilhas assecuratórias
de autoridade e êxito aos fins colimados, porque veio apenas capitular de
direito uma situação jamais inexistente de fato. A verdade é que, se ao tempo
em que possuía latifúndios e avassalava testas coroadas, esquecida da
proverbial sentença do velho Plinio – latífundia
perdidere Italiam – (os latifúndios perderam a Itália) a Igreja, não conseguiu o predomínio absoluto das consciências,
para modificar de uma linha a evolução das ideias, menos o pudera fazer agora
que a mentalidade dos povos, auxiliada e entretida par valores novos de uma ciência
e de uma filosofia liberrimamente práticas, imprescinde do espírito de iniciativa
e liberdade.
Insulado voluntariamente na sua corte, teoricamente
prisioneiro, mas praticamente livre, o Sumo Pontífice jamais perdeu contato com
o mundo, nele buscando intervir e atuar, como de potência a potência.
À vasta trama da sua teia, jamais faltou a consistência
de um fio, para que a máquina deveras formidável da sua política se moldasse
aos acontecimentos universais, a prol dos seus desígnios de ordem moral, ou de ordem
material.
Em toda parte ela, a Igreja, se afirma na maleabilidade
dos seus processos, violentos, francamente reacionários, como no México, ou
artificiosos de pacifismo, como entre nós, onde, apesar da separação oficial,
mantém representação diplomática, pleiteia reformas constitucionais e improvisa
ofícios fúnebres, ou pitorescos, como, verbi
gratia (para exemplo da regra exposta),
a benzedura das espadas.
Uma das prerrogativas mais glosadas pelos turiferários (bajuladores)
da recente concordata é a do ensino religioso
nas escolas.
Considere-se, porém, que esse ensino nunca deixou de existir
porque o clericalismo, no seu esforço tentacular, sempre o manteve ileso nas
suas escolas paroquiais, sem descuidar de uma primacial infiltramento (infiltração) nos lares através dos confessionários; considere-se,
ainda, a difusão dos seus colégios e liceus, como outras tantas colmeias de
ostensiva catequese, e ver-se-á que o recurso não tem o alcance, que lhe atribuem,
de modificar as consciências em sua
ascese (conjunto de práticas e disciplinas caracterizadas pela
austeridade e autocontrole do corpo e do espírito),
de espiritualidade inestanque.
A nós outros, que vamos conscientes de mais altos desígnios
providenciais, sabendo que os fastos (fatos memoráveis) da humanidade, as suas mais profícuas realizações não
se aferem pelo arbítrio do homem, não nos alegra, nem desconforta, essa
chamada, improvisadamente, nova vitória do catolicismo, para definitiva
consolidação do seu poderio.
Em gravitação permanente para o foco da Vida Universal,
acionada pelo imã da Verdade, a criatura de Deus, toda criatura tem, na
comunhão dos seus Guias espirituais, como no substrato consciencial do seu
passado, assegurada a hora da própria redenção.
No transitar doloroso para essa redenção, percorrido o ciclo
das provas que representam maturidade espiritual, não há códigos, nem
autoridades, nem legislações capazes de retardar de um minuto o seu acesso a
novos estágios; para a compreensão do mundo e de si mesma.
Pois que? Não disse o Divino Mestre que das ovelhas que o
Pai lhe confiara nenhuma se perderia?
Se as chamas sinistras das fogueiras, se os potros da
Inquisição; se a tirania medieval não tiveram a virtude de abafar o surto de
espiritualismo culminante na Revelação Espírita como duvidar do seu triunfo,
desse triunfo que se afirma a cada dia e a cada hora?
Porque ele não se faz ostensivo e ruidoso, mas modesto e
retraído?
Porque não se recolhe, nem sintetiza em templos suntuosos,
em palácios e museus, a predicar de púlpito e cátedras fulgurantes?
Mas, se assim for, convenhamos ainda: todas nós que aqui estamos,
os que diariamente batem a estas portas, alunos fomos de escolas católicas, rebentos
somos de católicos lares, voluntários egressos das igrejas.
Não foi o capricho, não foi a revolta, não foi a
curiosidade que aqui nos trouxe.
Foram, sim, as circunstâncias fortuitas da nossa vida,
foram reclamos da consciência insatisfeita, foram as provações, foi, finalmente,
a grande, a providencial lapidaria das almas- a Dor.
E a dor não deixou de trabalhar o mundo, antes, pelo
contrário, tudo faz crer que se intensifica, nesta hora de competições estrênuas,
para o domínio do mundo.
Nada de temores nem vacilações.
Quais trabalhadores conscienciosos ao verem aproximar-se
a noite, apressemo-nos e, mão firme na charrua, serenos e confiantes no Senhor
da Seara, profundemos a lavra, para a semeadura fecunda do seu Amor.
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