Caos
protestante
Vinícius (Pedro de
Toledo)
Reformador (FEB) Setembro 1929
Sob o título acima, V. Cy, douto e apreciado colaborador
do “Estado” publicou nessa folha um
interessante artigo a propósito da incoerência doutrinaria verificada entre os
pastores protestantes de Norte América.
Reporta-se o ilustrado articulista a uma obra que acaba
de ser editada em Chicago, despertando grande interesse entre o intelectuais
norte-americanos.
Trata-se de um inquérito aberto pelo professor de
Educação Religiosa na “NorthWestern University” daquele Estado. O referido inquérito
consta de 56 quesitos acerca de pontos da doutrina. Das 56 perguntas, dirigidas
a 700 pessoas - ministros evangélicos em exercício e seminaristas -- apenas uma
- aquela que se refere à existência de' Deus - teve resposta acorde e uniforme.
As demais - 55 - foram respondidas de maneiras diversas demonstrando completa
ausência de unidade nos arraiais reformistas.
Assim, por exemplo, sobre o dogma da Trindade, 20% dos ministros não concebem um deus único em três
pessoas distintas. Entre os estudantes de teologia, que representam o clero
protestante de amanhã, apenas 44% aceitam o dogma trinitário. A onipotência
divina é reconhecida por 87 % dos ministros e por 64% dos estudantes. A história
da criação do mundo tal como reza a letra do ‘Gênesis’, aceitam-na 47% dos
ministros e apenas 5% dos seminaristas.
O Diabo está seriamente desacreditado, pois admitem sua existência
60% dos velhos pastores e somente 9% dos estudantes. Como se vê, o crédito do
Diabo decresce à medida que o mundo avança. Quanto ao dogma do lnferno,
verifica-se a mesma decadência : 53% dos ministros e apenas 11% dos estudantes
o aceitam. Até o mesmo céu, como mansão dos justos, é negado por 69% da
mocidade que frequenta os seminários.
Outros pontos de doutrina obtiveram, a seu turno,
respostas contraditórias. As denominações, cujo representantes responderam ao
dito questionário, são as seguintes: Luteranos, Episcopais, Evangelistas, Presbiterianos,
Batistas, Congregacionistas e Metodistas.
Comentando este curioso e significativo inquérito, o ilustrado
signatário do artigo donde respigamos os dados acima conclui pela falência do Cristianismo,
Alega V. Cy que a doutrina de Jesus fracassara, tanto concedendo-se lhe
liberdade de exame, como no Protestantismo, como impondo-se por autoridade
pessoal, como no Romanismo. Esta igreja afigura-se ao erudito cronista mais
coerente e consequente em matéria religiosa, visto como, pela força da
autoridade, tem, pelo menos, conservado a unidade em seu seio.
Pondo de parte outros pontos em que a angústia de tempo e
de espaço não nos permite tocar, pedimos vênia para discordar de V. Cy. quanto à
sua conclusão acerca da bancarrota do Cristianismo. O que se verifica do célebre
inquérito de Chicago é a falência do dogma.
O desmoronamento da estrutura dogmática é um fato que, de há muito, se vem consumando
positivamente. Obra humana, levantada sobre a areia movediça das paixões e dos
interesses, o dogma não resiste ao surto da inteligência e da razão. A medida que
estas faculdades se desenvolvem, o dogma se esbordoa, Isto é um fato inconteste,
em que pese ao másculo esforço dos reacionários e ultramontanos de todos os
calibres, deste ou daquele arraial. E não é só no campo religioso que tal
fenômeno se opera. Na esfera da Ciência, ele é também uma realidade. Muitos
dogmas, tidos como expressão científica, se desfizeram como bolhas de sabão sem
que alguém viesse proclamar a falência da ciência. Os pontos de vista humanos,
as observações deficientes, os juízos apressados etc., respondem por tais erros,
e não a ciência propriamente dita.
Da mesma sorte, concluir do resultado do inquérito de
Chicago que haja fracassado a missão redentora do filho de Deus é um rematado
paralogismo.
Falência do Cristianismo? Como ter falido uma doutrina que
nem sequer foi ensaiada e muito menos praticada na Terra? Onde se pretende ver
a fé do Crucificado? Será nesse amálgama de dogmas obsoletos, de rituais e de
cerimônias litúrgicas herdadas do Paganismo? Quando e onde o Divino Mestre prescreveu
a Trindade, o Diabo, o Inferno, o Purgatório, ou qualquer determinado modo de
crer, como base de fé, ou meio de
salvação?
A ética e a moral cristã, proclamada no Sermão do Monte e
nas admiráveis parábolas evangélicas, nada tem em comum com as modernas concepções
mitológicas do Sacerdócio desta ou daquela igreja.
Toda a árvore não plantada pelo Pai será arrancada diz o
Evangelho. A derrocada dos dogmas está prescrita pela palavra do Senhor. Tal
acontecimento portanto, longe de constituir a falência do Cristianismo representa,
antes, os sinais precursores de seu próximo e definitivo triunfo.
Os grandes ideais caminham lentamente. Não se pode
constatar sua vitória senão através de múltiplas gerações. A natureza não dá
saltos. A doutrina daquele que pode dizer com autoridade - eu sou o caminho, a
verdade e a vida - não faltará. Os pródromos de sua reivindicação. Já se
desenham nitidamente nos horizontes, para os que têm olhos de ver.
Não nos impressionemos com
o desmoronar da estruturação dogmática. Sobre seus escombros brilhará em breve
o Sol do Espírito, a Luz do Mundo: Jesus Cristo.
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