sábado, 25 de abril de 2020

Caos protestante



Caos protestante
Vinícius (Pedro de Toledo)
Reformador (FEB) Setembro 1929

            Sob o título acima, V. Cy, douto e apreciado colaborador do “Estado” publicou nessa folha um interessante artigo a propósito da incoerência doutrinaria verificada entre os pastores protestantes de Norte América.

            Reporta-se o ilustrado articulista a uma obra que acaba de ser editada em Chicago, despertando grande interesse entre o intelectuais norte-americanos.

            Trata-se de um inquérito aberto pelo professor de Educação Religiosa na “NorthWestern University” daquele Estado. O referido inquérito consta de 56 quesitos acerca de pontos da doutrina. Das 56 perguntas, dirigidas a 700 pessoas - ministros evangélicos em exercício e seminaristas -- apenas uma - aquela que se refere à existência de' Deus - teve resposta acorde e uniforme. As demais - 55 - foram respondidas de maneiras diversas demonstrando completa ausência de unidade nos arraiais reformistas.

            Assim, por exemplo, sobre o dogma da Trindade, 20% dos ministros não concebem um deus único em três pessoas distintas. Entre os estudantes de teologia, que representam o clero protestante de amanhã, apenas 44% aceitam o dogma trinitário. A onipotência divina é reconhecida por 87 % dos ministros e por 64% dos estudantes. A história da criação do mundo tal como reza a letra do ‘Gênesis’, aceitam-na 47% dos ministros e apenas 5% dos seminaristas.

            O Diabo está seriamente desacreditado, pois admitem sua existência 60% dos velhos pastores e somente 9% dos estudantes. Como se vê, o crédito do Diabo decresce à medida que o mundo avança. Quanto ao dogma do lnferno, verifica-se a mesma decadência : 53% dos ministros e apenas 11% dos estudantes o aceitam. Até o mesmo céu, como mansão dos justos, é negado por 69% da mocidade que frequenta os seminários.

            Outros pontos de doutrina obtiveram, a seu turno, respostas contraditórias. As denominações, cujo representantes responderam ao dito questionário, são as seguintes: Luteranos, Episcopais, Evangelistas, Presbiterianos, Batistas, Congregacionistas e Metodistas.

            Comentando este curioso e significativo inquérito, o ilustrado signatário do artigo donde respigamos os dados acima conclui pela falência do Cristianismo, Alega V. Cy que a doutrina de Jesus fracassara, tanto concedendo-se lhe liberdade de exame, como no Protestantismo, como impondo-se por autoridade pessoal, como no Romanismo. Esta igreja afigura-se ao erudito cronista mais coerente e consequente em matéria religiosa, visto como, pela força da autoridade, tem, pelo menos, conservado a unidade em seu seio.

            Pondo de parte outros pontos em que a angústia de tempo e de espaço não nos permite tocar, pedimos vênia para discordar de V. Cy. quanto à sua conclusão acerca da bancarrota do Cristianismo. O que se verifica do célebre inquérito de Chicago é a falência do dogma. O desmoronamento da estrutura dogmática é um fato que, de há muito, se vem consumando positivamente. Obra humana, levantada sobre a areia movediça das paixões e dos interesses, o dogma não resiste ao surto da inteligência e da razão. A medida que estas faculdades se desenvolvem, o dogma se esbordoa, Isto é um fato inconteste, em que pese ao másculo esforço dos reacionários e ultramontanos de todos os calibres, deste ou daquele arraial. E não é só no campo religioso que tal fenômeno se opera. Na esfera da Ciência, ele é também uma realidade. Muitos dogmas, tidos como expressão científica, se desfizeram como bolhas de sabão sem que alguém viesse proclamar a falência da ciência. Os pontos de vista humanos, as observações deficientes, os juízos apressados etc., respondem por tais erros, e não a ciência propriamente dita.

            Da mesma sorte, concluir do resultado do inquérito de Chicago que haja fracassado a missão redentora do filho de Deus é um rematado paralogismo.

            Falência do Cristianismo? Como ter falido uma doutrina que nem sequer foi ensaiada e muito menos praticada na Terra? Onde se pretende ver a fé do Crucificado? Será nesse amálgama de dogmas obsoletos, de rituais e de cerimônias litúrgicas herdadas do Paganismo? Quando e onde o Divino Mestre prescreveu a Trindade, o Diabo, o Inferno, o Purgatório, ou qualquer determinado modo de crer, como base de fé, ou meio de salvação?

            A ética e a moral cristã, proclamada no Sermão do Monte e nas admiráveis parábolas evangélicas, nada tem em comum com as modernas concepções mitológicas do Sacerdócio desta ou daquela igreja.

            Toda a árvore não plantada pelo Pai será arrancada diz o Evangelho. A derrocada dos dogmas está prescrita pela palavra do Senhor. Tal acontecimento portanto, longe de constituir a falência do Cristianismo representa, antes, os sinais precursores de seu próximo e definitivo triunfo.

            Os grandes ideais caminham lentamente. Não se pode constatar sua vitória senão através de múltiplas gerações. A natureza não dá saltos. A doutrina daquele que pode dizer com autoridade - eu sou o caminho, a verdade e a vida - não faltará. Os pródromos de sua reivindicação. Já se desenham nitidamente nos horizontes, para os que têm olhos de ver.

             Não nos impressionemos com o desmoronar da estruturação dogmática. Sobre seus escombros brilhará em breve o Sol do Espírito, a Luz do Mundo: Jesus Cristo.

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