Intolerância
religiosa
Souza do Prado
Reformador (FEB) Outubro de 1929
A intolerância é uma coisa que tem sido muito discutida,
e em que, infelizmente - como sucede com muitas outras coisas - inda não foi possível
chegar-se a um acordo, porque como em tudo, cada um se coloca em seu ponto de
vista, não querendo sair dele por mais que os que encaram as coisas por outros
prismas tentem meter-lhes os fatos pelos olhos dentro.
Nós somos daqueles que mais atacados têm sido porque a
nossa tolerância não vai ao extremo
de consentir pelo silêncio que se cometam crimes visíveis e palpáveis: e porque
somos tão intolerantes que combatemos
com todo desassombro aqueles que conscientemente cometem tais crimes.
É a isso, que os tolerantes,
intolerantemente, chamam a nossa intolerância.
*
Há cerca de dois mil anos que os judeus, expulsos de sua
pátria, a Palestina, erram pela Terra, “em todo o mundo estrangeiros, toda a
vida peregrinos”, mantendo-se sempre, porém, unidos, com uma constância e uma
fé dignas da maior admiração. E, como é justo que cada povo e cada raça tenha a
sua pátria, depois da “grande guerra”, a Liga das Nações reconheceu ao povo
judeu os seus direitos à posse da Palestina, de que foram espoliados em outros
tempos, e que outrora foi a Pátria de
Israel.
Surgiu, porém, a Inglaterra - a eterna “protetora desinteressada” dos povos indefesos,
que sempre arranja um pretexto para os “defender”
- e, alegando que os israelitas não dispunham de meios de defesa, arvorou-se em
sua “protetora”, prontificando-se a
usar os seus navios de guerra, a gastar o seu carvão, a arriscar as vidas de
seus marinheiros, e a despender, enfim, milhares de contos de réis, unicamente
por uma questão de “caridade cristã” para com o pobre povo judeu, que
se não podia defender! ...
Santo desinteresse o dos ingleses, só comparável ao da Santa
Madre Igreja Católica Apostólica Romana ...
E, que fez a Inglaterra, para proteger o indefeso povo
judeu?
Manietou os israelitas, impedindo-os de organizarem o seu
exército e que eles poderiam organizar com grande facilidade -; e, agora,
quando as primeiras hordas de ismaelitas os assaltaram, tentando massacrá-los,
eis que aparece a “nobre” Inglaterra
a afastar os árabes -- que continuam armados até os dentes - e a desarmar os
judeus, deixando-os assim entregues, sem o menor amparo, à sanha sanguinária
dos agarenos!
Estes, por sua vez, vendo-os, assim, desarmados e desprotegidos,
caem-lhe em cima, trucidando-os e massacrando-os, como se estivéssemos ainda em
plena Idade Média, ou no tempo dos Césares!..
E é no século XX, quando toda a gente e todos os países
enchem a boca de civilização, que nós assistimos, completamente pasmados, à
mais espantosa carnificina por motivos religiosos!
E, o que é mais interessante e mais edificante é que, de
todos aqueles que protestaram contra a perseguição aos católicos do México --
que nós já provamos exuberantemente que nunca existiu senão na cabeça dos
interessados em difamar aquele país; de todos os que têm
protestado contra a nossa “intolerância”, não se ouve uma única voz de protesto contra a intolerância dos
árabes, nem contra a doce expectativa da Inglaterra – a desinteressada protetora dos povos indefesos!...
Mais ainda, os jornais católicos romanos, em vez de
protestarem contra o massacre, limitam-se a lembrar “que é bom acautelar os
interesses católicos na Palestina”, criticando ainda os ingleses, por “apoiarem
o movimente sionista”, conforme se verifica dos seguintes telegramas publicados
pelo Globo em 30 do mês findo:
“Roma, 30 (A, B) – “A imprensa italiana abre largo espaço
às informações telegráficas
sobre os atuais sucessos
da Palestina.
“Alguns jornais acentuam que a Itália, como grande potência católica, "tem interesse legítimo em todas as questões
concernentes ao Santo Sepulcro.
“A Tribuna, pondo em relevo, o que o governo da Palestina
está sobretudo nas mãos dos
protestantes, diz que a razão por que
a Inglaterra apoia o movimento sionista, é o seu desejo de excluir o elemento católico”
Aos católicos, como se vê, nada importa que os judeus
estejam sendo massacrados, desde que sejam acautelados os interesses da Igreja
Romana!
É natural, os árabes não estão trucidando os católicos...
*
Na última sexta-feira, 30 de Agosto, assistimos de uma
janela do terceiro andar do edifício do ‘Jornal do Commercio’, ao desfile, pela
Avenida, de um cortejo de alguns milhares de pessoas, no mais humilde e comovente
silêncio. Eram os israelitas residentes nesta Capital, que protestavam por essa
forma contra o massacre de que estão sendo vítimas os seus irmãos da Palestina.
Se fossem católicos protestariam com as armas na mão, e
com os respectivos vigários na frente; mas os pobres judeus protestaram em
silêncio, de cabeça descoberta. E nós, comovido com esse espetáculo, não o podemos
deixar de recordar os versos de Tomás Ribeiro:
“Filha encosta-te ao meu
seio,
que não tem pátria Israel.
.........................................................
Em todo o mundo
estrangeira,
toda a vida peregrina!
Vêde se há mais triste
sina!
Ser rica e não ter um lar!
Sempre a lenda do
Ashavero,
sempre o decreto divino,
sempre a expulsar-me o destino,
como Abraão à pobre Agar
l. ..
E não nos envergonha confessar que as lágrimas nos mourejaram
os olhos!
Parecerá isso extraordinário em um homem “violento” e “intolerante”,
corno nós, mas podem crer que é a expressão da verdade.
É que nós não admitimos que o povo judeu esteja “pagando
o martírio do Cristo”, como afirmam muitos. Nada tem que ver o povo judeu com o
que fizeram alguns judeus há vinte séculos; e, se é certa que ninguém paga
senão as faltas que cometeu, não é menos certo que a Caridade verdadeiramente
Cristã, que nos ensina o Espiritismo, nos leva a lamentar a sorte de nossos
irmãos israelitas, acompanhando-o em seu sofrimento e em sua dor.
Se assim não fora; se nós, por sabermos que só pagamos o
que devemos, tivéssemos de ficar indiferentes a esse sofrimento do povo judeu,
então teríamos que abandonar à sua sorte todos aqueles que
sofrem... E isso é um absurdo inominável!
É por isso que nós, que tantas vezes temos sido acusado
de “intolerância”, por condenarmos crimes conscientemente cometidos por quem
tem estrita obrigação de os não cometer não podemos deixar de protestar contra a
intolerância religiosa, que inda massacra por motivos de crença em pleno século
da aviação, bem como contra a indiferença criminosa dos que, protestando por
tudo e por todas as coisas, quando não há motivos para protestos, guardam, agora, de Conrado o prudente silêncio!
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