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Caminho único
Redação
Reformador (FEB) 16 de Março de 1929.
É no Evangelho que o crente espírita pode e deve
encontrar a solução de quantos problemas se lhe defrontam no acidentado curso das
provas, quer do ponto de vista individual, quer do social ou coletivo. Sem
embargo da “letra que mata”- e torna
a sua exegese (esclarecimento
de texto ou palavra) relativamente difícil e
duvidosa, quando realizada à revelia do “espírito que vivifica”, ali se
encontra a Verdade para todos os tempos e gerações.
Pudéssemos e quiséssemos, todos nós, penetrar-lhe o
sentido profundo à luz da Revelação Espírita, o que vale dizer propício à iluminação
do alto, e veríamos em simples e concisos preceitos e sentenças a chave de
todas as portas que se nos cerram e a tantos desorientam e. desatentam, quando
não obrigam a retrocessos inúteis, dolorosos e até fatais, por conducentes à
perda de experiências já feitas, muitas vezes refertas de sacrifícios e dessa
arte relegadas a futuras etapas.
Porque, nunca é demasiado nem ocioso, no plano de
gradação espiritual e característico do nosso mundo, não há conquista real de
felicidade nem aquisição de verdade isenta da mutilação de um pouco de nós
mesmos, ou seja daquilo que ainda estrutura a nossa personalidade moral
especifica e caracteriza a nossa humanidade - o egoísmo.
Aos que pretendiam perlustrar lhe a luminosa esteira,
dizia o DIVINO MESTRE em sublimado rasgo de eloquência: todo aquele que quiser seguir-me, renuncie-se a si mesmo. E aos que nele estimavam e
presumiam o rei dos judeus, redarguia: o
meu reino não é deste mundo.
Consideremos estes dois lacônicos conceitos e vejamos até
que ponto nos sobram vontade e forças para vive-los com a parcela de luz e
assistência que nos atribuímos, a gritar urbi
et orbe (a todo o universo) que somos
os depositários da Terceira Revelação, daquele Consolador prometido, que viria
ensinar todas as coisas para ficar eternamente conosco.
Haverá, de fato, em nossos arraiais aquela harmonia e
aquela serenidade espontâneas que são apanágio do espírito de renúncia e
desapego às coisas do mundo?
Estaremos, no posto que a Providência a cada qual assignou
e que representa o desempenho de compromissos sagrados, porque, escolhidos e
orientados de feição à lei de causalidade - o que importa dizer irrevogável
senão para esta, ao menos para outra encarnação - dando frutos de salvação e
renúncia?
Ou estamos simplesmente fazendo obra de artifício e fancaria
(trabalho grosseiro) , no mínimo inútil
para nós e para o próximo, a esboçar o primeiro capítulo da história de mais
uma confraria destinada a trocar a herança real pelo prato de lentilhas?
Se estamos, de fato, com O CRISTO DE DEUS, pelo espírito
dos ensinos que nos legou há vinte séculos, irmanados lógica e racionalmente na
convicção do dever comum, a nossa coesão espontânea, natural, por obediente às
vozes de seus mensageiros, deve apresentar a invulnerabilidade das chamadas
frentes únicas, e nada pode temer dos que lidam por aniquilar nos, no estulto (insensato) pressuposto de ser humana a nossa obra.
Mas a verdade - triste verdade! - é que, na preocupação
de servirmos a Deus nos esquecemos do próximo, aderirmos ou melhor, não nos
desapegamos das paixões do século por servir-nos a nós mesmos, e vamos assim
fraccionados, divisos, enfraquecidos, apresentando ao mundo dos homens e ao
mundo dos espíritos as mesmas falhas e lacunas que dos clássicos sectarismos
utilitários e fanáticos.
Demais sabemos que a improvisação de santidade, mesmo em
acepção relativa, é impossível para a geração contemporânea; demais
reconhecemos que o simples expurgo de uma só das nossas muitas taras maléficas
é dificílimo; entretanto, é a própria consciência quem no-lo
afirma com a inteireza de um postulado, que outra não é nem pode ser a
finalidade doutrinaI do Espiritismo, sob pena de fracasso, não da obra em si,
que não é nossa porque de Jesus, mas daqueles que por misericórdia e de acréscimo
tomaram o compromisso de secundar a sua vontade, através de todos os percalços
e vicissitudes intercorrentes.
Haverá quem diga por aí com visos de aparente verdade,
ser superabundante e até contraproducente a predicação (sermão) moral e teórica do Espiritismo.
O que se quer são fatos e mais fatos, que berrem a imortalidade,
que comprovem a reencarnação. Isso, sim.
Mas isso é um engano, é uma fórmula acomodatícia de
conciliar ou iludir a nossa inópia (penúria)
e o nosso orgulho.
Antes de tudo, convém dizer: a imortalidade é lastro de
todas as religiões e os fenômenos espíritas são velhos quanto o mundo.
Modernamente perquiridos e observados sob critério científico
o mais rigoroso, a sua realidade não está por demonstrar.
E, no entanto o que vemos, o que sentimos e comprovamos é
que em quanto as religiões se digladiam por senhorear as consciências impondo-lhes
dogmas absurdos, as ciências improvisam dogmas não menos absurdos e criam, num
torneio extravagante de fórmulas e preceitos convencionais e hipotéticos, a
intranquilidade e o mal estar dos nossos dias.
E assim é que a sanção divina como princípio salutar de
refreamento à desordem moral, praticamente não tem eco nem sentido para o coração
e para a inteligência contemporânea.
E neste caos de falências, e neste fervilhar de ambições
e de ódios, nesta romaria de dúvidas e asperezas significativamente resultantes
de um passado tenebroso, tanto quanto promissores do necessário ajuste de
contas, bem se vê que não podemos ou pelo menos não devemos ir de roldão, como
aqueles cegos condutores de cegos, destinados ao barranco.
Deixemos sim, aos mundanos, a preocupação temporal de
conquistar o mundo, de qualquer forma e não nos detenhamos um só minuto na
consideração do mal que nos possam eles acarretar, desde que saibamos adquirir,
temperar e esgrimir as únicas armas permitidas - a Fé e o
Amor.
Os sindicatos humanos de qualquer matiz podem, a qualquer
título, reivindicar o domínio das consciências, culminando, possivelmente, no
extermínio dos corpos: mas o que eles não poderão nunca é impedir que as mesmas
almas ou outras almas se manifestem ou se reincorporem e venham proclamar ao
mundo a Onipotência e a Onisciência de Deus.
Nem noutro sentido afirmado foi que Ele tinha poder para
fazer das pedras filhos de Abraão.
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