O
Divórcio
Redação
Reformador (FEB) 1º Julho 1929
Porém eu vos digo,
que qualquer que deixar a sua mulher, salvo por adultério e com outra se casar,
adultera: o que com a deixada se casar, também adultera. Mateus XIX v.9
Se é verdade que cada escola filosófica tem a sua lógica
peculiar, a dentro da qual procura resolver os problemas humanos, concludente
se faz que à mesma lógica se adstringe a conceitos e concepções de absoluta
relatividade, ao tempo e para o tempo em que se afirma.
A doutrina dos Espíritos, fundamentalmente decalcada no
cristianismo puro e expungido da ganga de convencionalismo político religioso,
que os séculos lhe incrustaram, desvirtuando-o, humanizando-o, por assim dizer,
não permite colimar (ir de encontro a) certos
problemas sociais, à revelia de conspecções (fecundações, gerações) mais alevantadas, mesmo porque, problema algum se forra
(se liberta) ao ascendente divino da
nossa origem, da nossa existência, dos nossos destinos.
Ora, sobre a nossa origem, sabemos já não sermos criaturas
efêmeras, votadas ao lampejo consciencial de um minuto no cômputo da
Eternidade; sobre a nossa existência planetária, sabemos que ela não é única e
se entrosa num determinismo universal, tanta quanto se afere, por suas
vicissitudes, na incidência de uma lei divina, absoluta; e sobre os nossos
destinos, aleatórios no tempo e no espaço, sabemo-los condicionados à conquista ininterrupta de maiores
verdades, para maiores realizações e cooperações na ordem divina - semper ascendem. (sempre
ascendendo)
Se, como homens, temos de acompanhar a evolução do
planeta, submetendo-nos às leis sociais, transitórias, tanto quanto nos submetemos
às leis cosmológicas, podemos e devemos, contudo, desde já, examinar até que
ponto nos convém legitima-las, sem fraudar a lei maior da própria consciência,
na qual por misericórdia já se esbatem, por ventura, alvissareiras claridades
de mais largos prismas, - aqueles que, em síntese, nos oferece a Terceira Revelação.
Ponderando esta agora tão debatida questão do divórcio,
convém ressalvar desde logo a outra que, visceralmente se prende a todas as
atividades conscientes do planeta - a do
livre arbítrio, para perguntar: existe,
de fato, um livre arbítrio? Ninguém o contestará, conscienciosamente,
dentro do quadro doutrinário, mas, força é convir, subordinado ao determinismo
divino, ou seja um livre arbítrio limitado, graduado e ampliado, consoante as
conquistas do conhecimento e da razão, por etapas iterativas e progressivas.
É por força dessa lei que se modificam as legislações,
agindo sobre os costumes e deles recebendo, por sua vez, as influências. Por
isso, mandando dar a Cesar o que é de
Cesar, o Divino Mestre se colocava perfeitamente ao justo dentro desses limites
de relatividade, sem embargo dos quais a criatura pode e deve fazer as suas
provas, realizar o seu progresso, resgatar as próprias faltas, sem transgredir
as leis divinas, dando a Deus o que é de
Deus.
Seja o matrimônio encarado como instituição natural ou
como instituição convencional; pretenda-se estimar a monogamia como regime de
seleção espontânea, garantidora da espécie, ou nela se veja apenas o fruto de
uma evolução social sempre passível de reformas e alterações, o grande caso é
que, para nós, espíritas-cristãos, desde que o divórcio não tenha, como, de
resto, não poderia ter, caráter obrigatório, a sua adoção legal não tem maior importância,
não afetará de modo algum a conduta que nós devemos traçar, a menos que, contra
todas as legítimas ilações doutrinárias, consideremos a família um fortuito
agregado de vontades e urdiduras mera, rasteiramente humanas, sem projeções nem
consequências na vida espiritual.
Ora, um tal conceito e um tal critério não suportariam a
mais ligeira análise à luz do Evangelho, porque Jesus disse: nem um fio de cabelo cairá sem que o Pai
queira. Se, pois, tudo está regulado por lei, se os mínimos atos de nossa
vida incidem nessa lei de causalidade, como admitir que a constituição da família
humana, fator, premissa e cadeia da corrente de confraternidade
espiritual-universal possa constituir-se e resolver-se arbitrária, caprichosa,
egoística presunçosamente, sem consequências de maior gravidade, à revelia da mesma lei?
Pode-se prever que noutros planos essa lei de atração,
essa corrente de confraternidade, essa generalização de amor se processe de
outra ou de outras maneiras; mas na Terra que habitamos, mundo inferior,
cadinho de penas que consubstanciam ascendentes de egoísmo, ela só se auspicia,
por enquanto, maiormente, na atração dos sexos.
O lar constituído, o casal formado torna-se, assim, o núcleo
de convergência de Espíritos outros cuja assistência e diretivas na vida de
relação não é licito ilaquear ou frustrar. O homem comum, o ateu ou teísta
menos esclarecido destas objetivações, pode constituir a sua família na Terra e
mantê-la ou dissolve-la na Terra.
O espírita de verdade sabe, porém, que a família não se
constitui na Terra mas no espaço, obediente a leis providenciais com
antecedentes e consequentes, e assim é que a família, mesmo mal constituída,
não se dissolve jamais, nem na Terra nem no espaço.
Para o verdadeiro espírita, mesmo admitindo as uniões
desgraçadas como fruto de leviandade, de imprevidência ou ignorância, o vínculo
não se dissolve, que a ninguém é lícito eximir-se incondicionalmente das próprias
culpas.
Mas, dir-se-á: - e é este o argumento forte dos
divorcistas bem Intencionados - será lícito manter jungidos (unidos) dois espíritos que se odeiam, que se enganam, que se
conspurcam com prejuízo evidente da prole que haure e curte nesses ambientes polutos, a seiva dos maus exemplos
e a dor da própria desgraça?
Nós não admitimos senão a hipótese para arrazoar, um lar
espírita assim tenebrosamente constituído, mesmo porque, o crente sincero tem,
desde logo, na própria crença; o remédio heroico para atenuar a prova, sabendo
como se conciliam a justiça e a misericórdia divinas.
Mas, verificada a hipótese, na falência de todos os recursos,
falaria ainda o Evangelho na sentença lapidar: o escândalo é necessário, mas ai do mundo
por causa dos escândalos. (Mateus XVIII v. 7).
De resto, sabemo-lo à saciedade que esse escândalo não
está nas aparências, está nos corações.
O Cristo, Senhor e Mestre, autorizou, ou antes, confirmou
a lei de Moisés, que autorizava o divórcio nos dois casos únicos: de
esterilidade e adultério.
Mas aos discípulos que lhe obtemperavam que no princípio
não era assim, retrucou: isto foi pela
dureza dos vossos corações. (Mateus XIX v. 8).
Grandiosa, magnífica lição assacada à inteligência humana
para o labor de vinte séculos!
Chegaram os tempos da amolgadura (do ajustamento) dos corações. O conhecimento direto das leis do
Espírito leis eternas e incoercíveis de amor, caridade e justiça, não nos
consente já considerar o matrimônio simples junção de corpos para vida de
corpos destinados à podridão do túmulo, sim aproximação de almas destinadas à
depuração de estigmas e taras do passado, para a comunhão do Amor Divino, ou
seja para integrar-se na fé universal.
Não separeis o que Deus
juntou. (Mateus XIX v. 6). As criaturas aqui reunidas em provações multifárias,
esclarecidas quanto à sorte que as aguarda, cônscias de que o seu livre arbítrio
de hoje será o determinismo de amanhã, não irão pedir aos códigos humanos, aos Tribunais
da Terra a senha da felicidade com a remoção de suas provas porque a felicidade
neste planeta só se conquista nas aras (na vivência) do sofrimento para a extinção de todo o egoísmo.
É como o “reino do céu”, que está dentro de nós mesmos.
E assim, pois, para nós, a controvérsia é daquelas que mais
se enquadram naquele mandamento - aos
mortos o cuidado de enterrar seus mortos. (Mateus VIII v. 22).
Aos homens do mundo, que vivem no mundo e para o mundo,
razão lhes sobra para proverem da melhor ou da pior forma as suas angústias e
fraquezas: a nós outros, que em sermos do mundo, pretendemos estar com o Cristo
que do mundo não era, cumpre-nos antes considerar as coisas do céu.
Divórcio a vínculo, desquite ou abandono arbitrário, são
recursos equivalentes para fugir às provas, e provas recusadas são provas
agravadas, segundo a lei de reparação indefectível, porque escrito também foi
que haveríamos de pagar até o último ceitil.
Por fim, concordemos que muita gente há legalmente casada
perante os homens e divorciada perante Deus.
E daí a conclusão: de uma só lei não se pode prescindir,
em espírito e verdade - a do amor a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a
nós mesmos.
Do Blog: O divórcio foi instituído oficialmente com a
emenda constitucional número 9, de 28 de junho de 1977, regulamentada pela lei
6515 de 26 de dezembro do mesmo ano.
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