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quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Casos e coisas

 

Casos e Coisas

por Manoel Quintão

Reformador (FEB) 1 º Janeiro 1937

             A tradição, que aqui guardamos de muitos anos, não nos permite condescender com muitas iniciativas e atitudes, possivelmente sinceras e bem intencionadas, mas, nem sempre compatíveis com a legitimidade e pureza da Doutrina, qual a entendemos e propugnamos, já haurida em suas fontes de codificação orogonal (perpendicular), já coligida no campo das experiências pessoais, exautivamente trabalhado.

            Por hoje, queremos nos referir a esse atordoante prurido de propaganda a toques de caixa e rufos de tambor, que a imprensa profana vai espalhando à feição de casos políticos e tragédias possionais, com o só fito, aliás explicável, de enricar o seu jornal.

            É o sensasionalismo, o impressionismo, o truísmo, elevado à máxima potência vibratória, sem meças de responsabilidade, por isso que praticados com alheiamento de causa e desconhecimento de efeitos.

            Certo, não vamos aqui averbar de inescrupulosa e mentirosa essa imprensa, por julgar da sua boa fé ou má fé, quando apenas nos parece que ela está no seu papel, que não é, nem poderia ser, neste caso, o de orientadora das massas, e sim de registradora de aspectos e movimentos sociais.

            A imprensa leiga descobriu que o proselitismo espírita é uma realidade apreciável em nosso meio e nesta época de renovamentos profundos, quer franquear-lhe a sua arena, com o mesmo critério e pela mesma razão por que o faz a outras correntes de idealismo político e de crenças religiosas.

            Até aí, muito bem; só haveria que lhe tecer louvores; mas a verdade é que, na maioria dos casos, o grande público não se benefia de conhecimentos idôneos através dessa propaganda, pois o que nela reponta, consueto, é um documentário esdrúxulo, bastardo e referto de fantasias pitorescas e até ridículas.

                                                                                   *

            Ultimamente, tivemos no cartaz o caso de Noemia Boldrin (*)  uma jovem que, dizem, dorme lá por S. Paulo há bons seis anos.

                 (*) Jovem que permaneceu adormecida por anos. Nossas pesquisas sobre o assunto se mostraram inconclusivas quanto ao desfecho do ‘caso’. Aparentemente um quadro de possessão. Mas, caro leitor, não tome esta opinião como definitiva. Quando tivermos esta matéria bem esclarecida retornaremos ao assunto neste blog. 

             Não se sabe quem, de chofre e só agora, se lembrou de enfrentar o Fantasio; mas, de fato é que surgiram logo confrades garraios e médiuns dispostos a examinar o caso para garantir-lhe o corretivo, se não fosse patológico, e afirmando ex-cathedra que, ao contrário, também a ciência humana o não curaria.   

            Até o presente, ignoramos o resultado da empresa, porque, subitamente, como nas mágicas teatrais, caiu o pano com o fracasso do tal Dr. Krumer da “Rosa Cruz” (branca) que, em ser homem de ciência, comprovou, afinal, que em ciência também há charlatanismo.

            Dos trabalhos mediúnicas que se lá fizeram do método utilizado; das observações recolhidas como elemento de estudo e crítica, absolutamente nada veio à tona, a não ser uma esfumada silhueta de médium a quatro, isto é, de gatinhas...

            De sorte que, concluímos, a moça paulista continua adormecida, como adormecidos continuam os leitores do diário que agitou e ajeitou a questão.

            Os nossos Protágoras, neurólogos, psiquiatras que podiam e até deviam intervir para firmar credenciais de boa polpa científica, chamaram-se às escolhas, e os espiritistas cônscios de suas responsabilidades apenas lastimam que a doutrina continue incompreendida e falseada, na teoria como na prática, não tanto pelos leigos, que nada têm com isso, mas pelos próprios adeptos, que se propõe interpretá-la e vivê-la.

            Entretanto, a verdade é que nenhum espiritista estudioso fora capz de intervir em casos e coisas que tais, sem antes procederem a sondagens delicadas, minudentes e discretíssimas.

            O verdadeiro espiritista sabe que o mundo dos Espíritos, tanto quanto o dos homens, está repleto de embusteiros e que niguém há, na Terra como no espaço, capaz de algo garantir em caráter absoluto e fatalista.

            Todas as conquistas, todos os feitos são condicionais e subordinados a um rítmo providencial, cujas possibilidades e latitudes só Deus conhece.

            Não é contestar, em boa doutrina, possam os encarnados soba égide de seus Guias remediar, esclarecer e mesmo, sanar uns tantos males anômalos, entre os quais a obsessão.

            Mas, é que, em regra e a preceito, esses tentames requerem circunspecção, priudência e, mais que tudo, virtual merecimento de causa.

            Esse merecimento só os Espíritos de alta linhagem moral podem aprecia-lo.

            Só eles podem saber até que ponto não colidem a justiça e a misericórdia divinas.

            Não haveria de ser, portanto, pelo só critério humano, tumultuário, apressado e até eivado de egoísmo, bastas vezes, que se firmaria a legitimidade do recurso.    

            Depois, há convir que ainda este recurso não dispensa preliminares de tempo, organização, método e disciplina de trabalho  – fatores de ordem moral e temporal, em suma, que se não improvisam, máxime num ambiente de fogo  – o fogo das paixões que por aí lavra surdo, com ameaças de maiores incêndios, e que nos leva a concluir que nunca se fez mais recomendável a palavra do Divino Mestre, quando diz: sêde mansos como as pombas e prudentes como as serpentes.


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