Casos e Coisas
por Manoel Quintão
Reformador (FEB) 1 º Janeiro 1937
Por hoje,
queremos nos referir a esse atordoante prurido de propaganda a toques de caixa
e rufos de tambor, que a imprensa profana vai espalhando à feição de casos
políticos e tragédias possionais, com o só fito, aliás explicável, de enricar o
seu jornal.
É o sensasionalismo,
o impressionismo, o truísmo, elevado à máxima potência vibratória, sem meças de
responsabilidade, por isso que praticados com alheiamento de causa e desconhecimento
de efeitos.
Certo, não
vamos aqui averbar de inescrupulosa e mentirosa essa imprensa, por julgar da
sua boa fé ou má fé, quando apenas nos parece que ela está no seu papel, que não
é, nem poderia ser, neste caso, o de orientadora das massas, e sim de
registradora de aspectos e movimentos sociais.
A imprensa
leiga descobriu que o proselitismo espírita é uma realidade apreciável em nosso
meio e nesta época de renovamentos profundos, quer franquear-lhe a sua arena,
com o mesmo critério e pela mesma razão por que o faz a outras correntes de
idealismo político e de crenças religiosas.
Até
aí, muito bem; só haveria que lhe tecer louvores; mas a verdade é que, na
maioria dos casos, o grande público não se benefia de conhecimentos idôneos
através dessa propaganda, pois o que nela reponta, consueto, é um documentário
esdrúxulo, bastardo e referto de fantasias pitorescas e até ridículas.
*
Ultimamente,
tivemos no cartaz o caso de Noemia Boldrin (*) uma jovem que, dizem, dorme
lá por S. Paulo há bons seis anos.
Até o
presente, ignoramos o resultado da empresa, porque, subitamente, como nas
mágicas teatrais, caiu o pano com o fracasso do tal Dr. Krumer da “Rosa Cruz”
(branca) que, em ser homem de ciência, comprovou, afinal, que em ciência também
há charlatanismo.
Dos
trabalhos mediúnicas que se lá fizeram do método utilizado; das observações
recolhidas como elemento de estudo e crítica, absolutamente nada veio à tona, a
não ser uma esfumada silhueta de médium a quatro, isto é, de gatinhas...
De sorte que,
concluímos, a moça paulista continua adormecida, como adormecidos continuam os
leitores do diário que agitou e ajeitou a questão.
Os nossos
Protágoras, neurólogos, psiquiatras que podiam e até deviam intervir para
firmar credenciais de boa polpa científica, chamaram-se às escolhas, e os espiritistas
cônscios de suas responsabilidades apenas lastimam que a doutrina continue incompreendida
e falseada, na teoria como na prática, não tanto pelos leigos, que nada têm com
isso, mas pelos próprios adeptos, que se propõe interpretá-la e vivê-la.
Entretanto,
a verdade é que nenhum espiritista estudioso fora capz de intervir em casos e
coisas que tais, sem antes procederem a sondagens delicadas, minudentes e
discretíssimas.
O verdadeiro
espiritista sabe que o mundo dos Espíritos, tanto quanto o dos homens, está repleto
de embusteiros e que niguém há, na Terra como no espaço, capaz de algo
garantir em caráter absoluto e fatalista.
Todas as
conquistas, todos os feitos são condicionais e subordinados a um rítmo
providencial, cujas possibilidades e latitudes só Deus conhece.
Não é
contestar, em boa doutrina, possam os encarnados soba égide de seus Guias
remediar, esclarecer e mesmo, sanar uns tantos males anômalos, entre os quais a
obsessão.
Mas, é que,
em regra e a preceito, esses tentames requerem circunspecção, priudência e,
mais que tudo, virtual merecimento de causa.
Esse
merecimento só os Espíritos de alta linhagem moral podem aprecia-lo.
Só eles
podem saber até que ponto não colidem a justiça e a misericórdia divinas.
Não haveria
de ser, portanto, pelo só critério humano, tumultuário, apressado e até eivado de egoísmo, bastas vezes, que se firmaria a legitimidade do recurso.
Depois, há
convir que ainda este recurso não dispensa preliminares de tempo, organização,
método e disciplina de trabalho –
fatores de ordem moral e temporal, em suma, que se não improvisam, máxime num
ambiente de fogo – o fogo das paixões
que por aí lavra surdo, com ameaças de maiores incêndios, e que nos leva a
concluir que nunca se fez mais recomendável a palavra do Divino Mestre, quando
diz: sêde mansos como as pombas e prudentes como as serpentes.
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