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sábado, 11 de dezembro de 2021

As Religiões

 

As Religiões - 1

por Dr. João Passos

Reformador (FEB) Novembro 1929

 Conferência lida na Federação Espírita Brasileira, a 11 de Agosto de 1929, pelo Dr. João Passos

             A história do Espiritismo é a história de nossa própria humanidade. As religiões do passado, as filosofias e até mesmo as filosofias materialistas, que são apenas conclusões erradas da investigação de um único e eterno problema – a existência do mundo e do homem, sua origem e seu destino – todos esses credos, rigorosamente considerados, são meros capítulos, fases, no tempo e no espaço, da lenta formação da nossa filosofia de Amor.

             E não podemos prescindir de nenhuma delas, sem quebrar um dos elos da cadeia ininterrupta que liga nossa humanidade desde o berço até sua maioridade espírita.

             Suprimir qualquer desses elos do passado seria desconhecer a necessidade de todos os dogmas que elevaram nossa humanidade das nebulosidades da mais remota prioridade até a consciência integral de sua personalidade moral no concerto da vida universal. Porque, se tomardes todas as religiões da Terra e as expurgardes de tudo quanto os homens criaram por ignorância, cegueira de orgulho, instintos inconfessáveis de cobiça, de ambição, vaidades – dogmas, superstições, fantasias, iluminuras, frivolidades, só encontrareis, no fim, sejam quais forem os símbolos sob que no-las aprsentem, estas duas únicas verdades eternas; Deus e o Espírito!  

             E esses dogmas, essas superstições, essas ilusões da cobiça, são variáveis para cada lugar e para cada época considerada – porque cada uma das religiões do passado representa a civilização respectiva, com uma aproximação da Verdade tanto maior, quanto mais elvado é o seu estado moral, sobretudo, e intelectual.

             Percorrei todos os documentos históricos e todos os monumentos, desde o período mais obscuro, descendo à pré-história, segundo os métodos analíticos lentos e meticulosos de tudo quanto tem resistido à ação do tempo e do homem, mais corrrosiva do que o tempo – e em tudo verificareis os testemunhos insuspeitáveis da Verdade espiritual. E a função sociológica desses dogmas, filosofias ou formas religiosas provisórias, preparatórias, consistiu sempre no maravilhoso papel de preparar os diferentes núcleos humanos em que surgiram harmonicamente para novos surtos, novas etapas, e assim sucessivamente até o amplo desenvolvimento da missão comum de todos os povos numa só humanidade – mediante a perfeição moral e intelectual sob a irradiação sublime do infinito amor de Deus.

             Assim considerados, os diferentes degraus do progresso espiritual de nossa humanidade não poderiam elevar os vários povos em que surgiram além da missão que cada um estava destinado preencher no espetáculo histórico.  

             Embora formemos uma única humanidade, a nossa marcha civilizadora é em tudo semelhante aos fenômenos do céu: apresentamos o nosso núcleo cometário luminoso voltado para o sol, para a Verdade, para Deus, e uma cauda menos fulgente, gravitando para uma mesma finalidade – o aperfeiçoamento moral, sobretudo, e depois o intelectual, na eclíptica gigantesca do mundo espiritual, em demanda do infinito da Perfeição Divina.

            No cenário do mundo, coexistem ainda os representantes de todas as civilizações que caracterizaram as diferentes etapas de nossa ascenção ao tempo, desde a antropofagia até o estado de plena espiritualidade. De modo que, reconstituindo a verdadeira história da humanidade, ou a nossa lenta e muitimilenária progressão, das agruras da pura animalidade aos pináculos da espiritualidade, o Espiritismo assinalará com amor, com misericórdia, principalmente com perdão, cada uma das fases dolorosas de nossa imensa trajetória. E, então,  nenhum problema se resolverá na Terra, sem considerar, preliminarmente, que todas as criaturas são almas, essencialmente almas, fundamentalmente almas, almas só.

             É mister, portanto, qua a verdade seja anunciada incessantemente de cima dos telhados a todas as criaturas, porque, sob as roupagens efêmeras em que nos encontramos todos neste momento planetário da vida eterna de nosso Espírito, não podemos saber quais são aquelas que Jesus nos entregará para serem reunidos ao rebanho amoroso de suas ovelhas. E tampouco poderemos recusar o cálice que porventura tenhamos de amargar nesta luta sublime pelo ideal eterno do amor universal – porque, ainda uma vez e sempre, tudo é perfeita harmonia; e sejam quais forem os óbices, quanto mais eriçados de urzes de fogo forem os himalaias que tivermos que galgar e transpor, tanto mais bela será a paisagem aberta à nossa perspectiva, diante de Chanã de nossos sonhos encantados. No fundo, toda a nossa humanidade forma um só cortejo e caminha com a Terra na sua eclíptica, sob a tração universal do coração de Jesus, para a morada eterna do Amor – a casa de nosso Pai!

             Esta verdade, porém, só poderá ser demonstrada, com toda a amplitude universal que o seu caráter exige pelo Espiritismo, porque só o Espiritismo abrange a vida humana em sua intérmina trajetória pela Eternidade.

             Que importa, porém, que nossos irmãos, ainda aferrados à letra fria e mortífera de seus códigos religiosos desconheçam as finalidades humanas, tudo negando de dentro do âmbito de ferro em que resgatam os erros do passado, embalsamados nas expressões dolorosas do orgulho e de todos os instintos desmanteladores!

             Nós sabemos que eles sofrem indefinidamente mais do que nós, porque ainda não puderam contemplar do ergástulo onde se acrisolam suas almas, os panoramas ilimitados da vida espiritual, à luz da bondade maravilhosa de Deus, diante de cujo resplendor se apagam todas as gemas que rutilam pelo azul e se aquecem todos os corações grandiosos dos que guiam e conduzem rebanhos de humanidades.

             Serão eles, nossos irmãos cegos, criminosos por essas atitudes, eles que tanto sofrem, ou serão antes merecedores da mais compungida misericórdia, de nossa dedicação sem desfalecimento, de nossas vibrantes explosões de amor?

             Não terão que subir, amanhã, galgar essas regiões inefáveis do amor divino, buscar o aconchego suavíssimo debaixo do manto opalescente de misericórdia do Mestre sublime?

             Ajudemo-los, portanto, na penosa ascenção, tanto quando nos ajudam os nossos amados guias, enjaulando-os em nosso pensamento como um favo de mel. Dilatemos os nossos corações de modo a comportarem em cada uma das suas cavidades, não uma só família de almas, mas uma multidão de almas, formamdo uma só família – e subamos para a casa de nosso Pai Divino, sopesando um himalaia de corações. Deixemo-los negar por ignorância, por orgulho, por cobiça, por ambição, por instintos inconfessáveis, por indiferença, por tudo qunto quiserem, por tudo quanto representa na vida um instinto, uma dor, e, na ilusão do mundo, um vanglória, mas glorifiquemo-nos de mostrar a todos, continuamente, o facho aurifulgente do amor-perdão, porque a negligente das criaturas, amanhã ou depois, ou mesmo daqui a um milênio, não importa, deixará cair em nosso regaço uma lágrima de reconhecimento; e, por todas as lágrimas que recolhermos na vida, o Pai nos dará em troca um punhado de estrelas, que nos inundarão o coração!

             Moisés, numa luta titânica para arrancar o seu povo ao feticismo, à idolatria, empunhando as tábuas de luz, apenas conseguiu leva-lo às portas da terra da Promissão, aos pés do coração de Jesus. Quatro séculos durou a ação construtora dos seus sucessores e assim mesmo sempre inseguramente. O grande legislador do povo hebreu, médium maravilhoso, teve também o seu calvário no cimo do Monte Nebo, de onde avistou bem longe, a 15 séculos de distância, a terra bendita de Jerusalém libertada.

             Anunciou a vinda do Mestre Divino, contnuamente confirmada por todos os grandes médiuns profetas, nos seus menores detalhes, para a consumaç ão da obra divina de transformação da humanidade. Entanto, aquele mesmo povo, que levou 15 séculos a anunciar a vinda do Mestre Sublime, desconhecendo-o, sacrificando-o, pela bruteza de seus instintos, ao sentido frio e mortífero da letra material das escrituras, que nunca haviam compreedido espiritualmente.

             Moisés foi, pois, o primeiro profeta do Mestre, como João, o Precursor, foi o último.

             Assim, aconteceu com o Espiritismo, anunciado pelo Mestre para quando a humanidade estivesse em condições morais e intelectuais de suportar os profundos ensinamentos do Espírito Consolador. Mas, Allan Kardec teve também seu profeta, no mais sábio filósofo católico dos fins do século XVIII e começo do século XIX, o Conde José de Maistre, que foi o maior enciclopedista do seu tempo. Suas virtudes tinham a têmpera das virtudes heróicas dos Bayardos, associadas às doçuras inefáveis dos Bernardo de Clairvaux. É o autor do célebre tratado Du Pape, cuja genialidade o tornou universalmente conhecido. Teve o heroísmo inaudito de sustentar, numa época de completa dissolução de todos os princípios morais da humanidade, o princípio da soberania incontrastável do papado e sua infalibilidade, para salvar a ordem moral e social periclitantes. Mas, não havia ainda apanhado o genial filósofo que a grave explosão social da revolução francesa era apenas uma das crises do terrível estado mórbido produzido pelo materialismo corruptor, desencadeado no mundo por aquela mesma Roma impiedosa, com a intransigência absurda e criminosa de seus dogmas solapadores de toda a fé e de toda a moral do mundo.

             Entanto, De Maistre, com a sua conduta titânica, de gigante que se vê num mundo a desabar e quer suportar sobre os seus ombros as colunas de Hércules das virtudes desprezadas, iludido a princípio, no início de sua carreira majestosa, apela para o catolicismo dissolvente, dissolvido e dissoluto, aguardando que, por uma transformação qualquer extraordinária do regime que angustiou toda a idade média, os fundamentos morais da ordem social não naufragassem no dilúvio da revolução moderna.

             Na defesa desta tese, oriunda dos alarmes de seu coração grandioso, diante de um mundo que parecia desaparecer submerso no tumulto das ondas do lodo da revolução, ele se houve tão genialmente, que conseguiu abalar o mundo e colocar o seu nome na galeria do panteón dos benfeitores da humanidade. Entanto, toda a trajetória do filósofo genial pode ser considerada uma linha reta entre seu cérebro e seu coração, entre o espírito e o amor divino, entre os anelos mais sublimes de sua alma e os meios que se lhe afiguram indispensáveis para realizá-los. E foi por isso que, tendo dirigido o pensamento católico nos fins do século XVIII, ele próprio, desde os primórdios de sua maravilhosa obra filosófica, teve a intuição profética do advento próximo do Espiritismo, cuja necessidade acabou indicando em sua última obra sobre o governo temporal da Providência Divina ou Soirées de Saint-Petersburg, como sendo, a seu ver, a única doutrina que poderia salvar o mundo da dissolução revolucionária. Vede, meus caros irmãos, o que é um gênio maravilhoso, ao serviço do amor e da misericórdia divina! O mesmo filósofo que nos fins do século XIII se levantou no cenário do mundo, para digladiar contra a filosofia contra a filosofia materialista corruptora dos séculos anteriores e, como um titã majestoso, amparou, por motivos superiores de ordem moral e social, o poder religioso medieval, no fim de sua trajetória terrena, apelava para uma nova ordem religiosa, que deveria surgir, segundo suas próprias expressões, de uma nova Revelação Divina; reconhecendo, portanto, explicitamente, a impraticabilidade de todos os esforços anteriores, quanto a esperar do catolicismo inerme a solução do problema da paz na Terra entre os homens, pela moral evangélica, pelo amor.

             Acompanhemos, porém, pari passu, o majestoso filósofo em sua refulgente trajetória.

             José de Maistre nasceu em 1754 em Chambery, na Sabóia, França, e desencarnou em 1821, tendo contemplado, pois, o período mais tumultuoso dos fins do século XVIII, com a revolução francesa. Já em 1796, nas suas ‘Considerations sur al France’, De Maitre apreciava a dissolução dolorosa de todos os fundamentos morais da sociedade, a frouxidão das soberanias por falta de sanção, o desabamento geral do mundo político na dissolução dos costumes, e exclamava grandemente apreensivo:

Ou o cristianismo vai desaparecer, ou vai sofrer um rejuvenescimento extraordinário...

             Vê-se que o filósofo, que daria à humanidade, em 1819, o seu tratado Du Pape, já reconhecia, em 1796, que o cristianismo, como estava, não era suficiente para a salvação do mundo; e então antevê esse cristianismo rejuvenescido de qualquer modo extraordinário, que o filósofo não pode precisar qual seja, ou então desaparecido, substituído por outra síntese religiosa.

             Aqui é preciso notar que De Maistre confundia então cristianismo, a doutrina eterna de amor e de perdão e de caridade, ensinada por Jesus à humanidade, com catolicismo, a seita mais estreita e mais deturpadora da verdade cristã de quantas se afastaram do verdadeiro cristianismo, para abraçar o paganismo idólatra, dissolvido e corruptor.

             Mas, já mesmo no tratado Du Pape, que deu à lume em 1819, 25 anos depois das ‘Considerations sur la France’, o grande gênio de De Maistre volta à sua primitiva intuição e diz, no seu discurso preliminar: Chegamos à maior das épocas religiosas, quando todo homem é chamado a trazer, se tem forças, uma pedra para o edifício augusto, cujos planos estão visivelmente fixados.” A mediocridade não deve atemorizar a niguém; a mim ela não me faz estremecer. O indigente, que só semeia hortelã, o funcho e o cominho na sua pequena horta, pode apresentar ao céu o primeiro rebento, certo de ser tão bem aceito quanto o homem opulento, que atira sobre o pórtico do templo, às mancheias, o abundante fruto de suas vastas searas.

             Era, pois, evidente, que o filósofo antevia a ereção de um novo templo religioso. Mas, qual? Sem dúvida, ele pensava no seu cristianismo rejuvenescido, mas, para nós, ele estava apenas reiterando uma primeira visão de suas Considerations sur la France, a qual iria desabrochar na explosão profética de sua grande obra, Soirées de Saint-Petersbourg ou o ‘Governo Temporal da Providência Divina’, sua derradeira elaboração filosófica e também aquela na qual o seu gênio profético, mediúnico, atingiu as culminâncias de um oráculo divino. Além dessas formidáveis obras, De Maistre deu ainda à publicidade a obra “De l’Eglise Aglicaine”, aparecida em 1821 e, postumamente, vieram  lume o “L’Examen de la philosophie de Bacon”, publicada em 1836, bem como suas memórias, cartas e opúsculos, em 1851 e, em 1859, sua correspondência diplomática.

             Chegamos, pois, à página 212 e seguintes do segundo tomo das Soirées onde o portentoso gênio fala sobre o futuro da humnidade.

            Chegou o momento em que o Espírito precursor de Allan Kardec vai anunciar à humanidade o seu próprio nascimento e a sua missão inconfundível. Neste ponto, é com a minhalma genuflexa ante a majestade do gênio sublime que ligou a idade média ao futuro radioso de nossa humanidade, desfazendo todas as brumas do passado e apontando para os esplendores do porvir, que me quedo em extasiante contemplação.

             Ouçamos o maravilhoso De Maistre:

             “O homem atual não pode mais respirar no círculo antigo das faculdades humanas.

            “Quer ultrapassá-lo, debate-se como uma guia revoltada de encontro às grades de sua prisão. Vede o que ele tenta nas ciências naturais! Vede a nova aliança que operou e prossegue com tanto sucesso entre as teorias físicas e as artes, que ele obriga a produzir prodígios para servir às ciências! Como podeis desejar que este espírito geral do século não se estenda até às questões de ordem espiritual?”

 As Religiões - 2

por Dr. João Passos

Reformador (FEB) Dezembro 1929

              Conferência lida na Federação Espírita Brasileira, a 11 de Agosto de 1929, pelo Dr. João Passos

             “E porque se negaria ao homem o direito de pesquisar o objeto mais importante para si próprio, desde que saiba manter-se nos limites de uma sábia e respeitosa moderação? (Soirées de Saint-Petersburg, pg. 215-216, t. II)”

             Ocupando-se das revelações aneladas pela humanidade inteira, diz De Maistre:

             “Agora mais do que nunca devemos nos ocupar destas altas especulações, porque precisamos preparar-nos para um acontecimento grandioso na ordem divina, para o qual marchamos com velocidade acelerada, que deve impressionar todos os observadores.”

             “Não há mais religião na Terra: o gênero humano não pode permanecer neste estado.”

             “Oráculos formidáveis anunciam, aliás, que os tempos são chegados. Vários teólogos, até católicos, acham que fatos próximos da maior importância estão anunciados na revelação de S. João; e, apesar dos teólogos protestantes só terem atribuído tristes sonhos a este mesmo livro, onde jamais souberam ver além do que desejam, depois de terem pago este triste tributo ao fanatismo de seita, vejo que alguns escritores deste partido adotam já o princípio: Que várias profecias contidas no Apocalípse se referem aos nossos tempos modernos.” (Soirées, pg. 217, 218, 219 e 220, t.II)

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            “O materialismo que macula a filosofia do nosso séclo, o impede de ver que a doutrina dos espíritos e, em particular, a do espírito profético (que é a mesma coisa) é perfeitamente plausível, além de ser mais bem sustentada pela tradição mais universal e mais imponente que jamais tem existido.

          “Pensais que os antigos reconheciam no poder divinatório ou profético um apanágio inato do homem? Isto não é possível. Nunca uma criatura e, com maioria de razão, uma classe inteira de criaturas poderia manifestar geral e invariavelmente uma inclinação contrária à sua natureza. Ora, como a eterna moléstia do homem é penetrar o futuro (este é também o objetivo da ciência: saber como prever, a fim de prover...), o dom profético é uma prova certa de que o homem tem direitos sobre esse futuro e tem meios de atingí-lo, pelo menos em certas circunstâncias.”

             “Os oráculos antigos resultaram deste movimento interior do homem, que o adverte de sua natureza e de seus direitos.”

             “A pesada erudição de Van Dale e as belas frases de Fontenelle foram vãmente empregadas no século passado, para provar a nulidade geral destes oráculos.”

             “Mas, seja como for, nunca o homem teria recorrido aos oráculos, jamais poderia mesmo imaginá-los, se não partisse de uma idéia primitiva, em virtude da qual ele os considerou como possíveis, e mesmo como existentes.”

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             “O profeta (o médium), tendo o privilégio de não se subordinar à noção do tempo, suas idéias não obedecendo à sucessão cronológica, tocam-se em virtude da simples analogia e se confundem, o que torna necessariamente grande a conclusão em seus discursos.”

             “Foi assim que David, levado pelos seus próprios sofrimentos a meditar sobre o justo perseguido, ultrapassou o seu tempo e exclamou, num futuro já passado: Eles trespassaram minhas mãos e meus pés; cortaram meus ossos; partilharam minhas vestes; lançaram sorte sobre a minha túnica.” (Ps. XXI, 17-19).

             “O espírito profético é natural no homem e nunca cessará de agitar o mundo.”

             “Se me perguntares em seguida o que é este espírito profético que há pouco nomeei, eu vos responderei que jamais houve no mundo grandes acontecimentos, que não fossem preditos de qualquer maneira. Machiavel foi o primeiro homem de meu conhecimento que avançou esta proposição; mas, se refletirdes, vos convencereis de que a asserção deste piedoso escritor é justificada por toda a história. Tendes um exemplo na revolução francesa, predita por toda a parte e da maneira mais incontestável.”

             “Porque não quereis que o mesmo aconteça hoje?”

             O universo aguarda as profecias.

             “Como desprezarmos esta grande persuação? E com que direito condenaríamos os homens que, advertidos destes sinais divinos, se entregam a santas pesquisas?”

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             “Esta doutrina poderá parecer paradoxal sem dúvida, e mesmo ridícula, porque a opinião ambiente o impõe, mas aguardai que a afinidade natural da religião e da ciência se reunam na cabeça de um só homem de gênio: a aparição deste homem não poderá estar longe; e talvez mesmo ele já exista.”

             Allan Kardec nasceu a 4 de Outubro de 1804, e De Maistre profetizava o seu advento em 1820.

             “Este será famoso e porá fim ao século XVIII que já dura demais; porque os séculos intelectuais não se regulam pelo calendário, como os séculos propriamente ditos.”

            “Então, as opiniões que nos parecem bizarras ou insenstas serão axiomas dos quais não se poderá duvidar, e falar-se-á de nossa estupidez atual, como nós falamos das superstições da idade média.”

             “A força natural das coisas já constrange alguns sábios da escola materialista a fazerem concessões, que os aproximam do espírito, e outros, presentindo esta tendência latente de uma opinião poderosa, tomam contra ela precauções que fazem mais impressão sobre os verdadeiros pensadores do que uma resistência direta. Daí a atenção que têm esses sábios de só empregarem expressões materiais. Só se cuida em seus escritos de leis mecânicas, princípios mecânicos, astronomia física, etc. Não é que não sintam profundamente que as teorias materialistas não satisfazem absolutamente às inteligências; porque se há alguma coisa de evidente para o espírito despreocupado, é justamente que os movimentos do universo não se podem explicar pelas simples leis mecânicas; mas, é exatamente porque esses sábios assim o sentem que empregam aquelas expressões como sentinelas avançadas contra a verdade.”

             “Os sábios europeus são neste momento uma espécie de conjurados ou iniciados, ou como vos aprouver chama-los, que fizeram da ciência monopólio e não querem absolutamente que se saiba mais nem melhor do que eles.”

             “Mas esta ciência será execrada por uma posteridade iluminada, que acusará justamente seus adeptos de hoje de não terem sabido retirar das verdades que Deus lhes confiou os mais preciosos ensinamentos para o homem. Então, toda a ciência mudará de face: o espírito tanto tempo destronado e  esquecido, retomará o seu lugar.”

             “Então, ficará provado que todas as tradições antigas são verdadeiras; que o paganismo é um sistema de verdades corrompidas e deslocadas; que bastará limpá-las, expurgá-las, por assim dizer, e recolocá-las em seu lugar para vê-las em todo o seu fulgor. Em uma palavra, todas as idéias mudarão; e, pois que de todos os lados uma multidão exclama: Vinde Senhor, vinde! Porque reprovaríeis os homens que buscam este futuro majestoso e se glorificam de profetizá-lo? Como os poetas que, nos tempos de decadência e decrepitude, apresentam sempre pálidos fulgores do espírito profético que neles se revela pela faculdade de adivinharem os idiomas e falá-los puramente, antes que se tenham formado, assim os homens espirituais experimentam momentos de entusiasmo e de inspiração, que os transportam para o futuro e lhes permitem pressentir acontecimentos que o tempo vai amadurecer no porvir.”

             “Deus falou uma primeira vez aos homens sobre o monte Sinai e esta revelação foi reduzida aos estreitos limites de um só povo e de um só país, por motivos que ignoramos.”

             “Quinze séculos depois, uma segunda revelação foi feita a todos os homens sem distinção: é a que nós desfrutamos; mas, a universalidade de sua ação foi ainda muito restrita, pelas circunstãncias de tempo e de lugar.”

             “Mais quinze séculos passaram, antes da América ser descoberta; os seus vastos territórios encerram ainda uma multidão de hordas selvagens, tão estranhas ao grande benefício da revelação que parecem ter sido excluídas por natureza, em virtude de algum anátema primitivo inesplicável. O grande Lama possui mais súditos espirituais que o papa; a Bengala tem 60 milhões de habitantes, a China 200 milhões, o Japão 25 a 30 milhões.”

             “Os missionáris tem feito esforços maravihosos para anunciar o Evangelho em algumas dessas zonas longínquas; mas, vede com que sucesso. Quantas miríades de homens a quem a boa nova não atingirá!”

            “A cimitarra do filho de Ismael já não expulsou quase totalmente o Cristianismo da África e da Ásia?”

            “E, na nossa Europa, enfim, que espetáculo religioso se nos oferece! O Cristianismo está radicalmente destruído em todos os países submetidos à Reforma do século XVI; e, em vossos países católicos, parece que dele só existe o nome.”

             “Eu não pretendo colocar a minha igreja acima da vossas, (De Maistre pôs este discurso na boca de um senador russo ortodoxo) não estamos aqui para disputar. Oh! Eu bem sei o que nos falta;mas, peço-vos, meus bons amigos, que vos examineis com a mesma sinceridade; quanto ódio de um lado e, do outro, que prodigiosa indiferença entre vós pela religião e por tudo quanto se lhes refere?”

             “Como os poderes políticos católicos se desencadeiam contra o chefe de vossa religião! A que extremidade a invasão geral de vossos príncipes reduziu entre vós a ordem sacerdotal! O espírito público que os inspira se voltou inteiramente contra ela. É uma conjuração, é uma espécie de raiva e por mim, não duvido que o papa prefira tratar de um negócio eclesiástico com a Inglaterra, a fazê-lo com tal ou qual gabinete católico que eu poderia nomear-vos. Qual será o resultado do corisco que começa de estrondear neste momento?”

             “Milhões de católicos passarão talvez para cetros heterodóxicos para vós e para nós.”

             “Se assim acontecer, espero que tenhais bastante luz para não contardes com aquilo que se chama tolerância, porque sabeis aliás que o catolicismo jamais é tolerante, na força do termo.”

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             “Examinai-vos a vós mesmos no silêncio dos preconceitos e sentireis que vosso poder vos escapa; não tendes mais esta consciência da força que reduz amiúde da pena de Homero, quando nos quer tornar sensíveis às alturas da coragem.”

             “Não tendes mais heróis. Nada mais ousais, e tudo ousam contra vós. Contemplai este lúgubre quadro, reuni a ele a ansiedade dos homens escolhidos e vereis se os iluminados estão errados, encarando como mais ou menos próxima uma terceira explosão da Bondade Infinita em favor do gênero humano. Eu não terminaria este discurso, se quizesse aduzir todas as provas para justificar esta perspectiva. Ainda uma vez, não condeneis aqueles que se ocupam e que veem na própria revelação as razões de preverem uma revelação da revelação. Chamai, se quizerdes, a estes homens de iluminados, ficarei de pleno acordo convosco, contanto que pronuncieis este nome seriamente.”

             “Vós, meu caro Conde, apóstolo tão severo da unidade e da autoridade, não vos esquecestes sem dúvida de tudo quanto dissestes no começo destas palavras, sobre o que se passa de extraordinário neste momento. Tudo anuncia, e vossas próprias observações o demonstram, não sei que grande unidade para a qual caminhamos a largos passos.”

             “Não podeis, portanto, sem vos colocardes em contradição convosco mesmo, condenar aqueles que saúdam de longe essa unidade, como o dissestes, e que ensaiam, segundo suas forças, penetrar os mistérios, formidáveis, sem dúvida, mas inteiramente consoladores para vós.”

             “E não digais que tudo está dito, que não está revelado e que não nos é permitido esperar nada de novo. Sem dúvida, para a salvação nada nos falta; mas para  o lado dos conhecimentos divinos muito nos falta; e, quanto às manifestações futuras, tenho, como vêdes, mil razões para guardá-las ao passo que vós não tendes uma só para me provar o contrário. O Hebreu que cumpriu a lei não estava em segurança de consciência?

             Eu nos citarei, se for mister, não sei quantas passagens da Bíblia que prometem ao sacrifício judaico e ao trono de Davi uma duração igual à do Sol.”

             “O judeu que se apegara à letra tinha toda a razão, até a consumação, de acreditar no reino temporal do Messias; ele se enganou todavia, como se viu depois: podemos nós saber o que nos está destinado? Deus será conosco até o fim dos séculos; as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja, etc... Perfeitamente! Mas resulta daí, eu vos pergunto, que Deus não permitirá nenhuma manifestação nova além daquilo que já sabemos? Isto seria, é força confessá-lo, um estranho raciocínio.”

             “Desejo, antes de terminar, chamar a vossa atenção para duas notáveis circunstãncias de nossa época. Primeiro, quaero falar do estado atual do protestantismo que, em toda a parte poderia chamar o seu ultimatum tão predito a seus fundadores.“

             O socianismo é, das modalidade da Reforma do século XVI, aquela que talvez mais se aproximou da verdade espiritual do Evangelho. Fundada por Lelio Socino (1)  e propagado por seu sobrinho Fausto Socino (2), tinha por fundamento negar a trindade católica, a divindade do Cristo, o pecado original, a presestinação e a graça, conforme se encontra codificada no catecismo de Rakow, de Schoman, de 1574, e de Fausto Socino, de 1608.

                 (1) Da Wikipedia: Lélio nasceu em uma família de banqueiros e juristas em Siena. Aprendeu hebraico, latim, grego e árabe. Em 1547 saiu em viagem pela Suíça, França, Holanda e Inglaterra onde cativou amizade com reformadores como Philipp Melanchthon, Calvino e Heinrich Bullinger.

                Estabelecendo-se em Zurique onde morreu em uma estalagem. Lélio manteve uma correspondência com seu sobrinho Fausto Socino e influênciou em sua teologia.

                Teologia: Embora Lélio havia criticado Calvino pela execução de Miguel Servet e seu sobrinho Fausto desenvolvera doutrinas anti-trinitárias, suas cartas ao pastor da congreção italiana de Zurique Martinego em abril de 1554 e a Bullinger em 15 de júlio de 1555, demonstram uma teologia tanto racionalista, que entre outras coisas cria, na Trindade substancialmente, mas sem usar os termos de Nicéia; que a Última Ceia foi uma mera refeição e confraternização, assim rejeitava a eucaristia como sacramento.

                 (2)  Da Wikipedia: Fausto Paolo Sozzini (também “Socini ou Socino”) (Siena, 5 de dezembro de 1539 – Lusławice, 4 de março de 1604) foi um teólogo italiano. Socino foi um reformador evolvido na causa antitrinitária. Em Siena, viveu em uma família abastada, o que lhe permitiu dedicar-se aos estudos integralmente. Foi muito influenciado pelo seu tio Lélio Socino (1529-1562), que desenvolveu uma teologia racionalista contra o dogma da Trindade, que mais tarde doutrinada no movimento do socinianismo.

                A partir de 1580 manteve residência na Polônia, aonde chegou a ser o pensador mais influente da igreja antitrinitária dos "Irmãos Polacos", de teologia do servetismo e anabatismo, no entanto, não chegou a fazer parte como membro da mesma, pois negou ser batizado novamente. Casou-se com Elizabeth Morsztyn, em 1586, na qual teve uma filha, ficando viúvo no ano seguinte. Após ser assaltado e golpeado brutalmente em via pública por estudantes católicos em 1594, sua saúde ficou gravemente em risco. Morreu dez anos depois na cidade polonesa em Luslawice. Suas obras escritas se baseiam em comentários sobre os evangelhos e cartas bíblicas. Seu pensamento teológico ficou resumido e guardados pelos seus seguidores no Catecismo Racoviano (1609). A teologia sociniana se considera uma das mais próximas dos ensinos do Arianismo existente no cristianismo dos primeiros séculos.

             Entanto, diz De Maistre:

             “O protestantismo é o maometismo europeu, consequência inevitável da Reforma. Esta palavra maometismo poderá sem dúvida surpreender-vos à primeira vista: entretanto, nada é mais simples.”

             “Abbadie (3), um dos maiores doutores da igreja protestante, consagrou, como sabeis, um volume inteiro de sua admirável obra – ‘Sur la verité da la relígion chrétienne’, à prova da divindade do Salvador. Ora, neste volume, ele declara, com perfeito conhecimento de causa, que, se Jesus Cristo não é Deus, Maomé deve ser incontestavelmente considerado como apóstolo e benfeitor do gênero humano, pois que o teria desviado da mais culpável idolatria.”  

                 (3) Da Wikipedia: Jacques Abbadie (Nay, 3 de maio de 1654 – Londres, 25 de setembro de 1727) foi um teólogo protestante. Foi pastor protestante da igreja francesa em Berlim e depois em Londres, onde veio a ser, em 1680, ministro da igreja de Saboia.

                 “O Cavalheiro Jones observou algures que o maometismo é uma seita cristã, o que é incontestável, e muto pouco conhecido. Leibnitz (4) tinha a mesma opinião, e, antes deles, o ministro Jurieu (?).

                 (4) Da Wikipedia: Gottfried Wilhelm Leibniz - Leipzig, 1 de julho de 1646 — Hanôver, 14 de novembro de 1716) foi um proeminente polímata (indivíduo que estuda ou que conhece muitas ciências);e filósofo alemão e figura central na história da matemática e na história da filosofia.)

             “O Islamismo, que professa a unidade de Deus e a missão divina de Jesus Cristo, em quem reconhece uma criatura divina, porque não pertenceria ao Cristianismo, tanto quanto o Arianismo, que professa à mesma doutrina?”

             “Há mais; poder-se-á, creio, tirar do Alcorão uma profissão de fé que embaraçaria a consciência delicada dos ministros protestantes, se eles tivessem de assinalá-la.”

             “O protestantismo, tendo pois, em seus domínios estabelecido o socinianismo (5), pode ser considerado como o aniquilador do Cristianismo, na mesma proporção.

                 (5) O socianismo ou socinianismo sumaria as crenças dos socinianos, seguidores de Fausto Sozzini (falecido na Polônia, em 1604), que desenvolveu sua teologia inspirada em seu tio Lelio Sozzini (morto em 1562, em Zurique).

                A doutrina sociniana é antitrinitária e considera que em Deus há uma única pessoa e que Jesus de Nazaré é um homem.

                Os socinianos se estabeleceram principalmente na Transilvânia, Polônia e Países Baixos. Suas crenças, resumida no Catecismo Racoviano, são:

                A Bíblia era a única autoridade, mas tem que ser interpretada pela razão;

                Rejeição de mistérios;

                Unidade, eternidade, onipotência, justiça e sabedoria de Deus;

                A razão é capaz de compreender Deus para a salvação humana, mas sua imensidão, onipresença e ser infinito são além da compreensão humana, portanto desnecessárias à salvação.

                Rejeição da doutrina do pecado original;

                Celebração do batismo e da santa ceia como símbolos memorativos, sem serem eficazes meios de graça;

             “Outra circunstância que desejo vos fazer observar e que é muito mais importante do que parece à primeira vista, é a Sociedade Bíblica. Sobre este ponto, Sr. Conde, eu vos poderia, no estilo de Cícero:Novi tuus sonitus”. (tradução:?)

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             “Quando o rei egípcio fez traduzir a Bíblia em grego, pensou obedecer à sua curiosidade, à sua generosidade, ou à sua política; e, incontestavelmente, os verdadeiros israelitas não viram sem grande desgosto esta lei venerável entregue, por assim dizer, às nações, condenada a não mais pertencer ao idioma sagrado que a havia conservado em sua integridade desde Moisés até Eleazar.”

             “Mas, o Cristianismo avançava e os tradutores da Bíblia trabalharam por ele, fazendo passar as Santas Escrituras para a língua universal; de modo que os apóstolos e seus primeiros sucessores encontraram a obra feita. A Versão dos Setenta subiu logo a todas as cátedras e foi traduzida para todas as línguas vivas que a tomaram por texto.”

             “Atualmente se passa qualquer coisa de análogo, sob forma diferente. Sei que Roma não pode suportar a Sociedade Bíblica, que considera como a mais poderosa de todas as máquinas que se tem atirado contra o Cristianismo. Entretanto, ela não deve alarmar-se demais, porque ainda que a Sociedade Bíblica não tenha consciência plena do que faz, não será para o futuro precisamente menos do que foram outrora os Setenta, que não suspeitavam o Cristianismo, nem os benefícios que havia de proporcionar a sua tradução.”  

             “Uma nova efusão do Espírito Santo, sendo indubitavelmente o acontecimento mais razoavelmente esperado, será mister que os pregadores desta nova graça possam citar a Escritura Santa a todos os povos. Os apóstolos não são tradutores; eles têm outras ocupações; mas, a Sociedade Bíblica, instrumento cego da Providência, prepara estas diferentes versões, que os verdadeiros enviados explicarão um dia, em virtude de uma missão legítima (nova ou primitiva, não importa), que banirá a dúvida da cidade de Deus. É assim que os terríveis inimigos da unidade trabalham para estabelece-la.”

             (trecho final do preãmbulo do livro no prelo: “O Espiritismo nas religiões”) (6)

             (6) Livro não encontrado!

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Um comentário:

  1. "Não há mais religião na Terra. O gênero humano não pode continuar assim..."

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