quinta-feira, 27 de julho de 2017

Mensagem aos crentes da fé e prática e aos que não o são


Mensagem aos crentes da fé e prática 
e aos que não o são.

 por     Carlos Imbasssahy.
Reformador (FEB) Março 1945

Raimundo Camargo Castanho, de S. Paulo, declara que se dedicou 25 anos ao Espiritismo; combateu contra o fanatismo e a incredulidade nos Centros e chegou à conclusão de que no Kardec há contradições e ensinos inaceitáveis. Expondo-os, pede perdão aos seus irmãos espíritas.

Cá por mim está perdoado; as razões é que me parecem fraquinhas. Examinemo-Ias:

A primeira versa sobre a reencarnação e o ensino espírita que se refere aos Espíritos criados simples e Ignorantes. O autor indaga; "Como atribuirmos a Deus a criação de Espíritos simples e ignorantes, em lugar de máxima inferioridade, por sua maldade e por seu sofrimento de origem, impondo-os ainda a obrigação de se fazerem a eles mesmos perfeitos, sem supor no Criador atributos inteiramente opostos aos de equidade, justiça e amor? Impossível."

Ora, o autor, que estudou 25 anos, ao que parece, ou ao que diz, não teve tempo, já não digo de assimilar o ensino espírita, mas o de lhe passar a vista em cima.

Porque, o que se declara, tão só, é que o Espírito foi criado simples e ignorante. O lugar de máxima inferioridade, a maldade, o sofrimento de origem, isto não sei o que é. No decorrer da sua evolução é que o Espírito toma o caminho do mal e lhe sofre as consequências.

Na concepção criticada - diz o autor - o Espírito partindo do ponto extremo da ignorância sofre tanto mais quanto mais ignorante é."

Não é isto o que declara o ensino, mas que o ser sofre tanto mais, quanto mais maldoso é.

Que existe no mundo a maldade e o sofrimento, creio eu que o autor não negará.

Que nos explique isto fora da lição espírita e mais de acordo com a "equidade, a justiça e o amor de Deus", e estaremos satisfeito, pronto a substituir por sua nova lição a lição velha dos Espíritos.

Por enquanto, esta é a que temos por melhor.

Também não compreendemos porque acha o autor injustiça fazer-se o indivíduo à sua custa, pelo mérito próprio. A não ser assim, ascenderia por que ou por quem?..

Fora desta doutrina, só o Inferno, que o irmão repudia.

O ponto, aliás, já está explicado, ventilado e elucidado em muitas páginas do “A  Margem do Espiritismo”.

A segunda versa sobre o Milagre, que nós, espíritas negamos, diz o autor.

Nós não negamos milagre nenhum; o que negamos é que Deus revogue ou derrogue as próprias leis. O que se tem por milagre é um fenômeno pouco conhecido ou extranormal, ou sujeito a novas leis. Quando um balão sobe não fica alterada, nem diminuída, nem revogada a lei da queda dos corpos. Experimenta ele, apenas, o influxo e outra lei, a de que os corpos sofrem um impulso vertical de baixo para cima, igual ao peso do volume do fluido deslocado.

Quando um Espírito cura o que o médico encarnado não cura, não é a medicina que está sendo desalojada, é o médico do Espaço que sabe mais ou que vê mais que o médico da Terra.

Terceira - É a velha e debatidíssima questão de dizerem os espíritas que espirito é matéria quintessenciada, ao mesmo tempo que combatem os materialistas, para quem tudo é matéria.

Esta frivolidade, que gira apenas em torno de um termo, está ventiladíssima no livro “A Margem do Espiritismo”.

A quarta contradição é sobre o perispírito, que o autor nega.

Confesso que não entendi muito o arrazoado da Mensagem, neste ponto.

Explicar, de maneira que o autor entenda, em poucas linhas, o que é o perispírito, a sua função, o seu valor, é impossível.

A contradição firma-se numa série de dogmas, ou numa série de princípios, cuja base é inseguríssima: "Porque não é aceitável a justaposição, molécula por molécula do corpo fluídico com o corpo tangível." "Porque este é limitado." "Porque o corpo fluídico é matéria e exige reparação no espaço." "Porque o espírito não necessita de corpo tangível ou fluídico." "Porque o espírito não ocupa lugar e portanto não pode ter perispírito, que é materializado."

Por maneira que existe uma contradição no Espiritismo em virtude de uma concepção errada do autor sobre o que seja o perispírito, sobre sua materialidade, sobre o que sejam moléculas, sobre a expansão e acomodação delas.

Na água solidificada o volume é diferente do da líquida. No entanto, como teria aumentado ou diminuído o número de moléculas?

Para só tocar na última razão, perguntaria ao autor, mesmo admitindo a materialidade do perispírito, qual o lugar que ocupam no espaço as emanações do rádio ou o perfume, ou mesmo o éter.

Quinta -  "0s espíritas ensinam que a justiça de Deus é paternal, e que o castigo é fatal, conforme o pecado. Recomendam, de outro Iado que peçamos perdão a Deus."

Diante disto, "erramos de dois lados - acha o autor – 1º, porque a justiça divina não exclui o perdão, logo o castigo não é fatal; 2º, porque a vítima é que é dado perdoar." Mas, ao mesmo tempo "Deus é ofendido e se reservou para perdoar aos falsos amigos de Jó, a pedido deste."

Está confuso. Parece, por este ensino, haurido na Bíblia, que ao ofendido é que cabe o perdão. De sorte que se o ofensor esbarrar numa vítima de maus bofes, está perdido ou atrapalhado. A justiça divina depende da generosidade do ofendido. O perdão fica reduzido a uma questão de acaso ou de sorte.

Que justiça e que doutrina!

Pensa ele também que nós recomendamos o pedido de perdão, mas acha que erramos, do mesmo passo que afirma que a justiça divina não exclui o perdão. Parece ainda inferir que, para os espíritas, perdão é remissão da dívida. E depois desta embrulhada formidável, a contradição é do Kardec.

A sexta contradição é o divórcio. Aparecem aqui as velhas, ilógicas, absurdas razões com que a ele se opõem os clericais.

Vejamos: "A proibição de novo matrimônio para o adúltero funda-se na incapacidade do adúltero para novo casamento."

E o que não adulterou?

"A situação dos filhos não se conforma com a nefanda instituição do divórcio."

E quando um dos cônjuges não presta, injuria, maltrata e abandona o outro, qual é a situação dos filhos? . .. Como se remedeia, sem o divórcio?

Há mais razões: "a natural repugnância ao pudor dos cônjuges dignos."

Mas os cônjuges dignos não se divorciam.

"Há homens e mulheres que se divorciam mais de 20 vezes."

            Esses que tais, com ou sem divórcio, desquitar-se-iam essas 20 vezes, ou mais, porque não foi a lei que os fez divorciar, senão a nenhuma estima que tinham uns pelos outros.

É completo ainda o desconhecimento do autor ao declarar, que o divórcio é o "adaptar a lei à conveniência dos pecadores."

Ora, o que se procura é dar remédio à situação do ofendido, geralmente a parte mais fraca, que é a mulher. O mau marido faz o que quer e infringe a lei matrimonial como entende. A mulher séria não pode fazer o mesmo. Procura-se, então, para ela uma situação legal, onde possa encontrar, num segundo marido, o que não encontrou com o primeiro. Onde se ofende aí o pudor é que eu não sei.

Enfim, apela o autor para o Evangelho: - Não separeis o que Deus ajuntou.

Deus não ajunta corpos, ajunta Espíritos, pelo amor que se dedicam.

Ninguém de bom senso acreditará que Deus apanhasse um perverso, um assassino, um viciado, um pecador, o juntasse a uma inocente, a uma vítima e declarasse: - ninguém mais os separe!..

Ninguém pode aceitar que sejamos impedidos, por uma lei, de reparar injustiças, de remediar um mal, de proporcionar a felicidade a uma pessoa infeliz.

O que Deus proibia que se separassem eram os seres Irmanados pelo amor, a fim de que se não cometesse a indignidade, tantas vezes cometida, dos casamentos ou das uniões por interesse ou qualquer motivo subalterno, em detrimento dos direitos do coração.

A indissolubilidade do vínculo é mais do que uma estupidez, porque é uma perversidade; é a união heterogênea, é o adultério de espírito, é a escravização, é a impunidade dos algozes, é a eterna desgraça das vítimas.

A lei que veda o divórcio só teve raízes no obscurantismo e na imposição da Igreja.

Há agora uma pergunta ingênua do autor: "Ora, se a união antipática, como ensinam os mestres do Espiritismo, é uma expiação, como pretendem evitá-la pelo divórcio?"

É... Está. Ali um sujeito maltratando o outro, espoliando-o, ofendendo-o, ferindo-o, tentando assassiná-lo. Parece que seria curial, ou que estivesse em nosso dever, como impositivo categórico, correr em auxílio do maltratado, do espoliado, do ofendido, do prestes a ser assassinado.

Pois não! Como é prova para a vítima, o que devemos é ficar quietinhos, deixando que o outro se arranje como puder!..

Era o caso de pedir ao autor que nunca apresente esta doutrina de comodismo, de fatalismo, ou de iniquidade como doutrina espírita.

A sétima contradição está enunciada de maneira vaga e pouco compreensível. A exposição não peca pela clareza. Parece que o autor trata do ensino evangélico de que é difícil a um rico entrar no reino dos Céus, e que o Espiritismo teria o versículo como a eterna condenação dos ricos. Onde o Espiritismo diz isto é que eu não sei nem o aponta o autor.

Aqui param as contradições e eu também.

Se me fosse dada a ousadia de um conselho ao velho cultor do Espiritismo, eu lhe diria que o estudasse outros vinte e cinco anos.

Tão amigo dos textos bíblicos, deixaria assim muito aquém o pai Jacó, em matéria de persistência.

Antes que um velho cultor do Espiritismo, o autor parece mais um velhíssimo cultor dos cânones eclesiásticos.


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