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sexta-feira, 23 de abril de 2021

A propósito de obsessões

A propósito de Obsessões – parte 1

por M. Quintão    Reformador (FEB)    01 Dezembro 1918

             Constantemente solicitado para intervir em casos de obsessão e até de simples atuação, podemos, neste assunto, respigar algumas noções úteis à tese, que é das mais interessantes da nossa doutrina.

            Em regra, a maioria dos espíritas não conhecem o Espiritismo, e muito menos o conhecem aqueles que de auditu (que se ouviu dizer), porque souberam da cura de ‘A’ ou ‘D’, recorrem ao primeiro confrade inculcado, pedindo-lhe para afastar o obsessor importuno.

            E, no entanto, o Espiritismo é uma filosofia científica e profunda, que requer esforço, tenacidade, paciência, para produzir os belos frutos que são o seu apanágio.

            Para bem avaliar, portanto, o pedido que constantemente nos fazem, deveriam os recorrentes começar por estudar o Espiritismo, aceitando-o de coração e incorporando-o ao patrimônio dos seus conhecimentos ordinários.  

            Ninguém sensatamente deve recorrer a um meio terapêutico, sem indagar da sua eficácia, meios de aplicação etc.  

            Não é isso, no entanto, o que fazem - já não dizemos os indiferentes que buscam apenas o alívio imediato das suas aflições morais, como buscariam um dentista que lhes extraísse o dente cariado - na primeira esquina - mas pessoas que se prezam de professar e conhecer o Espiritismo, de aceita-lo e segui-lo.

            De certo, natural e humano é que as nossas vicissitudes recorramos ao nosso semelhante, mesmo porque damos azo a estabelecer-se de tal arte essa corrente de solidariedade que é uma das prerrogativas mais belas do Espiritismo cristão, quando não damos também um testemunho d'essa humildade que decorre da mesma fonte.

            O que, no entanto, não nos parece lógico nem razoável, nem humano, nem cristão que cometamos ao vizinho a limpeza da nossa casa, conservando-a nós mesmos emporcalhada.

            Sim, porque é preciso ficar bem definido que a obsessão é uma prova para o paciente dela, e toda prova é consequência de um erro, seja ele recente, considerado em relação a existência terrena atual, seja remoto, considerado em relação à existência ou existências anteriores. E, tal seja o erro, tal a sua gravidade, a prova pode ser de caráter transitório ou definitivo.

            Em qualquer dos casos, porém, o que importa é estudar a natureza da obsessão, o seu caráter e, quanto possível, as suas causas determinantes.

            Nem se diga ser isso impossível, porque pelas tendências do paciente, pelos seus antecedentes morais, pelos seus hábitos e gostos, como pelas próprias manifestações ostensivas ou latentes do obsessor, pudemos chegar a uma conclusão razoável.

            E, porque há sempre entre o obsedado e o obsessor um elo de afinidade espiritual, importa desde logo, com os recursos que a nossa doutrina tão criteriosamente prescreve, afrouxar, para quebrar (hipótese de prova transitória), esse elo, modificando o ambiente em que se debate a vítima, para atenuar a ascendência do algoz. A prece, a harmonia de vistas, a brandura, o carinho, são os agentes porventura mais eficazes dessa tarefa, e que cumpre serem adotados como norma de conduta no campo da ação.

            Todos os que são atingidos por essas provas - e muitos o são realmente - devem ter  em vista que elas, nem por serem rudes, deixam de edificar, vindo às vezes como verdadeiros pródromos (preâmbulos) de regeneração para os meios em que explodem.

            A Justiça Divina é tão perfeita que o mal, por efêmero, não é senão uma modalidade do Bem definitivo.

            E assim pensando, toda exasperação é inútil, toda revolta prejudicial.

            Outras considerações faremos em artigos subsequentes, sobre este assunto de palpitante atualidade, se Jesus por nosso Guia no-lo permitir.

A propósito de Obsessões – parte 2

por M. Quintão       Reformador (FEB)     15 Dezembro 1918

             Devemos interceder sempre pelos nossos irmãos obsedados?

            Interceder, orando e aconselhando, sim; mas intervir provocando e quiçá irritando o obsessor, não.

            Não, salvo os casos em que a nossa doutrina prescreve essa intervenção, aparelhados que estejamos pela coesão de esforços comuns, vibrando uníssonos e harmônicos a nota da caridade, em grupos ou centros de homogeneidade perfeita e segura orientação.

            Fora destes casos, aliás raríssimo pela desorganização e falta de método dos espíritos em geral, toda a intervenção de fato se nos afigura problemática, inútil e até perigosa.

            Problemática, porque, alheados do convívio dos nossos Guias, mal avaliamos e muito menos apreendemos a Justiça Divina que se cumpre; inútil e perigosa, porque ao contato

de espíritos muitas vezes superiores em conhecimentos e perversíssimos, no entanto, tornamo-nos, por despercebidos de virtudes, a placa sensível do seu ódio e – quantas vezes  - o derivativo da sua vingança, como justo corolário da nossa leviandade.

            Mais de um exemplo poderíamos citar, de grupos bem intencionados, que fracassaram nessa tentativa, radicando no espírito de observadores menos estudiosos, a convicção de que o tratamento de obsessões não passa de uma burla.

            E, no entanto, esse tratamento é, temo-lo dito - quando eficaz e oportuna - um dos frutos mais belos e proveitosos a colher na seara imensa do amor ao próximo.

            Para colhe-lo, contudo, as condições são difíceis, porque para colhe-lo não basta essa boa vontade desarmada da fé viva: não basta, ainda, o conhecimento aprofundado do plano espiritual, nem lógica, nem argumentos - mas amor.

            Ora, o amor não é predicado de volição, é patrimônio da alma, é tesouro que se não improvisa, mas que se acumula de sacrifício em sacrifício, de pena em pena, de provação em provação.

            Para aferirmos a dor alheia, não há como equipara-la à nossa dor, e nesta ordem de raciocínios quase que se pode afirmar que só sabem amar os que bem sabem ou tem sabido sofrer.  

            O espírito obsessor é sempre, por via de regra, o instrumento voluntário da prova, e a prova há de fazer-se, porque Jesus disse que pagaríamos até o último ceitil.

            Com amor, se o tivéssemos, poderíamos e devíamos iluminar esse espírito -  regenerá-lo é o termo - e na permuta de sentimentos teríamos aprendido alguma coisa, porque a lição bem entendida é reciproco. E é esta, ao presente, a única justificativa dos que, de boa-fé, se cometem essa tarefa, visto como, a rigor, a sua intervenção é arbitrária, é passiva e só eficaz pelo trabalho dos Guias, quando a obsessão naturalmente tende a extinguir-se.

            Do contrário, mesmo na hipótese da regeneração do obsessor, que seguramente também não é um eterno escravizado do mal e conserva o seu livre arbítrio, toma outro o seu lugar.

            E a obsessão continua o seu curso com grande pasmo dos que descuidosos andam destas sutilezas; dos que pensam que para ser espírita e para conhecer o Espiritismo basta acreditar na sobrevivência e na manifestação dos espíritos, com maior ou menor dose de tinturas teóricas.

            Todos os que labutamos nesta rude mas sempre grata tarefa de aproveitar o Divino Óbolo da revelação espírita, procurando pratica-la como um evangelho, de coração; todo os que acompanhamos o desdobrar de fatos e provas, todos reconhecemos que mais fáceis são as curas físicas do que as morais: - por que?

            Porque para a cura do corpo, que representa a satisfação de gozos e apetites, entramos sincera e ardentemente com a nossa vontade; ao passo que para a cura da alma, que representa o repúdio desses mesmos gozos, abdicamos de todo o esforço próprio, apelamos para a Graça, como se as leis do Espiritismo não fossem a consagração, do contrário, isto é, do mérito pela aplicação do livre arbítrio.

            A ninguém se afigure, no entanto, que somos sistematicamente infenso (contrários) ao tratamento de obsessões.

            Desejaríamos apenas que esse tratamento pudesse dar algo de proveitoso para os créditos de nossa causa, verdadeira e santa, mas sempre conspurcada pela nossa leviandade e imoderação.  

            Desejaríamos que todos os chamados pudessem ser escolhidos, educando-se pelo sentimento para poderem exercer nobremente e eficazmente o mandato de educador de espíritos, pois só assim chegaríamos a provar que o Espiritismo cura e não faz loucos.  

            A quantos se valem do nosso conselho nas contingências de uma obsedação (obsessão?), temos feito ver estas coisas, e quanto porventura nos censurassem por dize-las - coram populo (em público, em voz alta e sem receio) -  haveríamos de demonstrar por fatos que elas correspondem à verdade.

            Se os simples trabalhos práticos são o parcel (as dificuldades) em que naufragam as ilusões de muitos dos nossos irmãos, que dizer desses trabalhos quando deliberadamente destinados a atrair espíritos obsessores?

            Que dizer desses trabalhos quando a ele nos abalançamos de coração vazio, em outra bússola além dessa tão decantada boa vontade, - fogo fátuo sempre prestes a extinguir- se nas trevas da própria consciência?

            Onde estaremos dois ou três verdadeiramente reunidos em nome de Jesus, sem que aí estejam as nossas paixões, a nossa miséria, os nossos erros de todas as horas, de todos os dias?

            Pois bem: junte-se a isso a inércia do obsedado, a indiferença e até mesmo a hostilidade do ambiente em que ele se encontra, na maioria dos casos, e ter-se-á ideia do que podem valer as intervenções ostensivas, reduzidas a verdadeiro jogo de cabra-cega.

            Depois, convenhamos: o Espiritismo vem, antes de tudo regenerar o homem, o qual poderá, então e só então, neutralizar os efeitos da obsessão, que é consequência lógica dos sentimentos humanos, exercendo no plano espiritual a sua atração magnética.

            No dia em que não houver homens obsedados, não haverá espíritos obsessores. 

 

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