Bezerra e “OS Quatro Evangelhos”
Boanerges da Rocha /
(Indalício
Mendes)
Reformador (FEB) Março 1972
"No Brasil nenhum outro espírito ainda se destacou mais da que Bezerra
de Menezes, o consolidador da Federação Espírita Brasileira e o orientador e
chefe da cristianismo espírita entre nós" - escreveu o erudita
confrade Canuto de Abreu.
Dessa forma, reafirmou com clareza e
ênfase a autoridade moral e espiritual daquele que, muita justamente, é chamada
o "Kardec brasileiro". Essa autoridade positiva e sem sombras, o
Doutor Adolfo Bezerra de Menezes a construiu à força de demonstrações
cotidianas da pureza de seu caráter, da bondade de seu coração, da
espontaneidade de sua caridade, enfim, da legitimidade, que nem os mais
renitentes de seus desafeiçoados gratuitos ousaram subestimar ou contestar, da
sua perfeita integração com os princípios evangélicos do Cristo Jesus, que o
Espiritismo cristão veio restabelecer no mundo.
Consequentemente, Bezerra de
Menezes, como homem, era inatacável, pelas peregrinas virtudes que exornavam o
seu caráter adamantino. Como Espírito, ninguém desconhece a sua extraordinária
atividade caritativa, por este Brasil imenso, no exercício do bem, vivendo o
Evangelho no trabalho puramente cristão, com a mesma dedicação de quando ainda
se encontrava encarnado, porém, com uma amplitude desmedida, graças aos
recursos favorecidos por sua condição na Espiritualidade.
Em suma, Bezerra de Menezes, antes
de ser, como Espírito desencarnado, o grande servidor
de Deus, socorrendo a humanidade pela via mediúnica, havia sido, na Terra, como ser
humano, um magnífico exemplo de espírita cristão, cheio de qualidades,
transbordando humildade e renúncia, caridade e disposição de servir, sem olhar
sacrifícios. Pedro Richard, outro espírita evangélico que deu de si o máximo na
seara da Terceira Revelação, deixou este depoimento consagratório,
excelentemente sintetizado: "Difícil era saber-se o que mais se devia
admirar naquele meigo espírito, se as virtudes, se o talento." Bezerra, um
"espírita de nascença", conquistara a respeito geral, inclusive como o
"Médico das Pobres". Das Anais da Conselho Municipal do antigo Distrito
Federal, consta a Ata da 23ª sessão ordinária, realizada em 16 de abril de
1900, que reproduz o discurso proferido pela então Conselheiro Honório Gurgel,
a propósito da desencarnação do eminente e altamente evangelizado Doutor Adolfo
Bezerra de Menezes, discurso do qual extraímos o seguinte trecho : ... "a prova da pureza de sua alma deu-a o ilustre
morto quando, abandonando a vida pública, foi viver para os pobres, repartindo
com os necessitados as migalhas que possuía: Vi-o sempre correr pressuroso ao
tugúrio dos pobres, onde houvesse um mal a combater, levando ao aflito o
conforto da sua palavra de bondade, o recurso da sua ciência de médico e o
auxílio da sua bolsa minguada e generosa”.
Por onde passara, um rastro luminoso
do seu grande coração permanecia indelével, inapagável.
Até no ambiente politico, onde as vicissitudes não a pouparam, sobraram
testemunhas, como a acima citada, do seu enorme valor moral, da sua cultura
vasta, da sua inteligência
brilhante e do seu amor à verdade, virtudes que ornaram de invulgar encanto a sua personalidade extraordinária.
Sílvio Brito Soares, em "Vida e
Obra de Bezerra de Menezes", transcreve trechos da
"Esboço do Espiritismo na Brasil" da qual, com a devida vênia, nas
permitimos reproduzir
algumas linhas a respeito do "Kardec brasileiro": "Bezerra de Menezes era, além disso, como
todo trabalhador do pensamento, médium inspirado, contando, para maior brilho
de sua oratória, com uma assistência espiritual de primeira ardem, daí - como
muito bem acentuou outro grande e inolvidável Presidente da Federação Espírita
Brasileira, Leopoldo Cirne - resultando que "a sua eloquência nas assuntos
doutrinários empolgava e convencia." E o autor da obra supramencionada
recorda estas outras palavras de Cirne: "Era um missionário - e não há
exagera na qualificação – talhado para, ao mesmo tempo que salvava da ruína
material, que não afetava o seu programa doutrinário, absolutamente
respeitável, a Federação Espírita Brasileira, encaminhá-la, todavia, na rumo, a
nosso ver, mais adequado à finalidade suprema da Nova Revelação, isto é:
implantar na sociedade central, que seria a eixo de coordenação das associações
nacionais, o culto dos ensinamentos evangélicos."
A colônia portuguesa, tocada pela
grandeza de tão grande homem, prestou-lhe significativa homenagem, num cartão
de prata, com as seguintes palavras: “Tributo
do maior respeito e consideração que, em homenagem ao grande talento e honrado caráter
do Dr. Adolfo Bezerra de Menezes) consagram os súditos portugueses, residentes
nesta Corte. - Rio de Janeiro, 8 de dezembro de 1879." Esse cartão de
prata foi colocado na moldura de um retrato de Bezerra, a óleo, em tamanho
natural, que, frisa Sílvio Brito Soares, "deve continuar a fazer parte da
coleção pictórica da hoje Assembleia do Estado da Guanabara", pois, aduz.
"figurava na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, situada na Praça
Floriano".
Do mesmo modo, Canuto de Abreu, em
suas notas biográficas sobre Bezerra de Menezes, realça o saliente papel por
ele desempenhado no ingente trabalho de divulgação da
Doutrina Espírita, escrevendo em "O Paiz", sob o pseudônimo de Max:
"Os artigos de M,ax, pseudônimo de
Bezerra de Menezes, marcaram a época de ouro da propaganda no Brasil. De
novembro de 1886 a dezembro de 1893, fim do quarto período, escreveu ininterruptamente,
ardentemente. A nosso ver, e desafiamos contestação, nunca esses artigos foram
superados por outros, antes ou depois. Chamamos para eles a atenção não só dos
velhos, como principalmente dos novos, que usam da palavra e da pena em prol do
Espiritismo. Não possuímos em língua brasileira maior repertório doutrinário do
Kardecismo. Ninguém falou com maior eloquência, maior sinceridade, maior
lógica. Seus formosos
pensamentos deviam ser repetidos e propalados amiúde, pois somente relendo e
divulgando Max poderão os seus discípulos compreender quanto de errado, quanto de confuso e
quanto de ignorância se tem propalado depois dele em nome da mesma doutrina que
ele elevou às culminâncias. A leitura de Max devia ser obrigatória, como a
leitura de Kardec, para todos que entram."
Parece-nos estar fixada a altitude
moral e intelectual de Bezerra de Menezes, nas linhas acima.
Entristece-nos, pois, mais do que
nos espanta, a afirmativa leviana de alguns poucos correligionários contrários
à obra mediúnica "Os Quatro Evangelhos", recebida pela médium
sonambúlica Emília Collignon, senhora de respeitáveis virtudes, e, por
determinação dos Espíritos superiores que a ditaram, entregue ao Doutor
Jean-Baptiste Roustaing,
homem de ilibada moral, espírita convicto, figura de enorme prestígio no mundo
jurídico francês de sua época, para coordená-la e divulgá-la, para
esclarecimento da humanidade, no que concerne ao Evangelho de Jesus e à
doutrina codificada pelo querido
mestre Allan Kardec; entristece-nos, sim, mais do que nos espanta, a ousada e leviana
afirmativa de ser a monumental obra proveniente de Espíritos mistificadores.
Acabrunha-nos, ainda que já não mais
nos surpreenda, a contradita fundada na
repetição
de argumentos cediços, sem base lógica, tantas vezes destruídos, ponto por
ponto,
sem a necessidade de evitar ou ultrapassar o âmbito dos ensinamentos do
Espiritismo, pois confrades do gabarito de Leopoldo Cirne, Manoel Quintão,
Guillon Ribeiro, Ismael Gomes Braga, que não podem honestamente
sofrer quaisquer restrições, quer de ordem
moral, intelectual e doutrinária, demonstraram, comprovaram a inanidade - pois não
queremos ir além desta expressão - dos raciocínios empregados reiteradamente,
denunciando lamentável intolerância incompatível com os princípios da própria
Doutrina, ou
uma hostilidade de caráter obsessivo digna, sem dúvida, da misericórdia divina.
É claro que não se pode exigir de
ninguém a sobriedade e a elegância que teve
Kardec
ao apreciar tão admirável trabalho mediúnico, opondo suas restrições pessoais sobre
alguns pontos. que "em nada diminuem
a importância da obra" (sic), mas de certo modo
recomendando-a, ao dizer que "será
consultada com proveito pelos espíritas conscienciosos". Todavia, cada
qual tem o direito de pensar como queira, pois "o Espiritismo proclama a liberdade de consciência como direito natural;
reclama-a para si e para todo o mundo, respeita a convicção sincera e pede
reciprocidade" ("Obras Póstumas").
Estávamos, na parte anterior deste
artigo, ocupados em relembrar a figura inconfundível do Doutor Adolfo Bezerra
de Menezes, ainda hoje reverenciada por milhões de
espíritas, dentro e fora do Brasil, que se curvam humildemente ante seus
atributos de benfeitor
da humanidade, quando encarnado e até hoje, na Espiritualidade, a cumprir a benemérita
missão de verdadeiro discípula de Jesus, mitigando dores e aflições com a sua falange
de bondosos colaboradores. Pois bem. Foi Bezerra de Menezes que, "após catorze anos de estudos,
então presidente da Federação, resolveu publicar a tradução da obra de Roustaing,
iniciando a publicação em "Reformador" de 15 de janeiro de 1898, ou
seja - nos fins do
século XIX",
"livro que só muito mais tarde foi
publicado, diante do elevado custo por que ficaria a impressão". Todavia, antes mesmo que fosse fundada a
Federação, já eram "Os Quatro Evangelhos" estudados por diversos
confrades, juntamente com as obras da Codificação, como continua sendo
metodicamente feito na Federação Espírita Brasileira, seguindo orientação das
mensagens mediúnicas que assim recomendavam: "Reunidos em nome de Ismael, não tendes outros deveres senão estudar os
Evangelhos à luz da Santa Doutrina" (Allan Kardec). "A missão dos Espíritas, no Brasil, é
divulgar o Evangelho em espírito e verdade" (Ismael). "A cada povo a sua tarefa. A vossa, a maior,
é o Evangelho: tendes de educar os corações" (Urias).
É crível que um Espírito da elevação
de Bezerra de Menezes, encarnado para uma missão
sublime, cometesse o erro tremendo de ofender o nome de Jesus, aceitando uma obra,
a que se ligou o nome de Roustaing, ditada por Espíritos mistificadores? É
crível que,
depois de regressar ao Mundo Invisível, insistisse no ultraje de apoiar uma
doutrina sacrílega,
com o beneplácito do Anjo Ismael e de outras personalidades espirituais que estão
infinitamente acima daqueles que, na Terra, ainda se debatem nas próprias
limitações?
Também o nobre Espírito Bittencourt
Sampaio, que foi homem de elevado caráter na
Terra, espírita militante e acatado, referiu-se a "Os Quatro
Evangelhos", através da mediunidade sonambúlica do famoso médium Frederico
Júnior, desta maneira clara, insofismável,
positiva:
..."a "Revelação da Revelação", que os Evangelistas Mateus, Marcos,
Lucas, João, assistidos pelos
Apóstolos, transmitiram pelo lúcido médium Sra. Collignon, em 1861, a João Baotista
Roustaing., REVELAÇÃO CONFIRMADA pelos nossos Protetores e Guias, SEM DISCREPÃNCIA DE
UMA VÍRGULA, e que, portanto, MERECE TODA FÉ, COMO VERDADE INCONTESTÁVEL", etc.
(grifos e destaques em versal, nossos).
Bezerra de Menezes sempre nutriu
profundo respeito por Allan Kardec, como homem e como missionário do
Espiritismo, o que, entretanto, sem faltar à consideração devida
ao ilustre Codificador, não o impediu de por os pontos nos ii, em atenção à
verdade, de que sempre se fez servo: "Allan
Kardec, Espírito preposto por Jesus para reunir em um corpo de doutrina ensinos
confiados, pelo mesmo Jesus, ao Espírito de Verdade, constituído por uma legião
de Altíssimos Espíritos, só apanhou o que estes deram - e estes só deram o que
era compatível com a compreensão atual do homem terreal." E: "Eis aí que já apareceu Roustaing, o mais
moderno missionário da lei, que em muitos pontos vai além de Allan Kardec, porque
é inspirado como este, mas teve por missão dizer o que este não podia, em razão
do atraso da Humanidade. Não divergem no que é essencial, mas sim no modo de
compreender a verdade, porque esta, sendo absoluta, nos aparece sob mil fases
relativas ao nosso grau de adiantamento intelectual e moral, que um não pode
dispensar o outro, como as asas de um pássaro não se podem dispensar, para o
fim de ele se elevar às alturas."
Para reforçar seu pensamento
prodigiosamente forte, Bezerra de Menezes ajuntou: "Roustaing confirma o que ensina Allan
Kardec, porém adianta mais que este, pela razão que já foi exposta acima."
E frisa, de modo definitivo: "É,
pois, um livro precioso e sagrado o de Roustaing; mas o autor, não possuindo,
como homem, a vantagem que faz sobressair o trabalho de Allan Kardec, de
clareza e concisão, torna-o bem pouco acessível às inteligências de certo grau
para baixo". (Essas considerações, Bezerra as fez ao salientar o valor
do livro "Elucidações Evangélicas", de Antônio Luiz Sayão).
Poderíamos acrescentar maiores
elementos comprobativos. Este artigo, no entanto, se
alongou em demasia. Queremos apenas dizer que, considerar mistificadores os espíritos
que ditaram “Os Quatro Evangelhos”, é escarnecer da sabedoria de Deus e
tripudiar sobre a tarefa bela e profunda de que o meigo Nazareno foi incumbido,
assim como da eficiência com que Espíritos portadores de grande humildade
desempenharam, sujeitos à contingências humanas, cada qual em seu setor, dentro
de suas respectivas posições, o papel que lhes reservara o Cristo.
Acoimar de mistificadores os
Espíritos que deram à humanidade obra de tão excepcional valor é desconhecer os
princípios morais que ela contém, é menoscabar o discernimento daqueles que a
adotaram como obra verdadeiramente subsidiária, além de denotar ausência de
respeito à gigantesca empreitada de esclarecimento e de ensino ao mundo
terreno, executada sob a direção da Espiritualidade mais alta.
Muita, muitíssima razão teve o
valoroso Espírito Bittencourt Sampaio ao dizer, com o caráter de providencial
advertência: “LER, ESTUDAR, COMPREENDER E PRATICAR: EIS O GRANDE PROBLEMA”.
Indalício Mendes
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