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Destacada do seio da nebulosa e
constituída em mundo, depois de ter, por um processo de desprendimento de parte
da sua massa, idêntico ao de sua formação, dado nascimento à lua, a terra era
em seu primitivo estado de condensação um globo incandescente. Em consequência
da irradiação do calor e sob a ação da temperatura ambiente que, segundo cálculos
científicos, é de 270 graus abaixo de zero nos espaços interplanetários, foi se
resfriando pouco a pouco, a começar da superfície, que endureceu, enquanto o
interior se conservava em estado fluídico.
Nessa época - importa não perder de
vista esta observação - o globo terrestre não continha um átomo de mais nem de
menos do que hoje. A diferença consistia em que, sob
a alta temperatura derivada do seu estado incandescente, as substâncias que
hoje se nos apresentam em formas líquidas e sólidas, mesmo as mais resistentes
como os metais, os cristais, as pedras, etc., se achavam no estado de fusão,
não sendo os aspectos, que ulteriormente revestiram, mais que o resultado da transformação,
a que as levou a depressão térmica, e das múltiplas combinações dos seus
elementos constitutivos.
O primeiro efeito desse resfriamento
foi, como o dissemos, a solidificação da superfície numa crosta resistente, ao
começo delgada e, depois, cada vez mais espessa, constituindo a camada granítica
que envolve o globo em toda a sua circunferência e forma, por assim dizer, o
seu arcabouço.
Sobre essa primitiva camada e nas
cavidades, que a sua superfície irregular apresentava, foi que vieram a ser
sucessivamente depositadas as camadas de terrenos formados posteriormente
e dos quais se distingue pela ausência de toda estratificação e pela
uniformidade que se observa em toda a sua espessura constituída em massa
compacta e não resultante
de superposições.
Recipiente demasiado frágil ainda
para resistir à pressão do excessivo calor desenvolvido pela matéria em fusão
contida no eu interior, a camada granítica sofreu numerosas rupturas, pelas quais
emergia e se espalhava pela superfície aquela massa incandescente.
Ainda por efeito do resfriamento
algumas das matérias difundidas no ar em estado de vapor passaram ao estado líquido
e se precipitaram no solo, ocasionando chuvas e formando lagos de enxofre e de
betume, verdadeiros rios de ferro, cobre, chumbo e outros metais que, infiltrando-se
pelas fendas, vieram a constituir os veios e veeiros metálicos.
Alternadas decomposições sofreu, sob
a influencia desses agentes, a superfície granítica, originando-se misturas de
que se formaram, em massas confusas, os terrenos primitivos,
sem estratificações regulares, ao mesmo tempo que as águas, caindo em chuvas
torrenciais sobre aquele solo ardente, se vaporizavam de novo, para tornarem a
cair, e assim sucessivamente, até que a temperatura daquele brasido (Grande quantidade
de brasas; braseiro) colossal, por esse
modo superficialmente extinto, lhes permitiu ficar no solo em estado liquido. Tal
foi - observa Allan Kardec - o aspecto desse primeiro período, verdadeiro caos
de todos os elementos confundidos, que procuravam a estabilidade onde nenhum
ser podia existir, sendo por isso um dos seus caracteres distintivos em
geologia a ausência de qualquer indício de vida vegetal e animal (1).
(1) Pretendem, ao contrário, alguns
naturalistas que mesmo no terreno primitivo existiriam rudimentos de vida
organizada em seres de que todavia, não foram encontrados vestígios.
No período de transição que se lhe
seguiu (2), o mesmo fenômeno de rupturas continuou a se produzir na superfície
granítica, ainda pouco resistente, formando-se protuberâncias ; mas já as águas, pouco profundas embora, cobriam quase toda a face do globo. O ar fora
expurgado das matérias pesadas que, passando do estado gasoso ao de relativa
condensação, por efeito do resfriamento, eram precipitadas no solo e arrastadas
pelas águas.
(2) Nem todos os zoólogos consideram esse período,
preferindo simplesmente incluí-lo na época primária, mero pormenor de classificação,
que não altera a ordem dos fenômenos.
Uma substancia, entre outras,
continuava, todavia, a impregnar abundantemente o ar, em razão do seu estado
naturalmente gasoso: era o ácido carbônico. Foi então que, existindo
já algumas camadas de terreno sedimentoso, depositadas pelas águas carregadas
de limo e de matérias apropriadas à vida orgânica, surgiram os primeiros
rudimentares seres do reino vegetal - musgos, líquens, cogumelos, fetos e
plantas herbáceas - aos quais se sucederam os primeiros representantes,
igualmente rudimentares, do reino animal, nascidos no seio das águas e dotados
de uma organização cuja simplicidade os aproxima dos vegetais,
como
os pólipos, os radiários (similar a
equinodermes e pólipos)
; os zoófitos, só mais tarde vindo crustáceos e peixes, cujas espécies desapareceram.
Consecutivamente ao aparecimento
daqueles primeiros exemplares do reino vegetal, e ao mesmo tempo que as plantas
aquáticas se multiplicavam no seio dos pântanos, uma vegetação opulenta e
gigantesca surgia, graças à ação do calor e da humidade, favorecida pela abundância
do ácido carbônico espalhado na atmosfera e que, nocivo à respiração dos animais
terrestres, é necessário às plantas, cuja função, absorvendo-o e purificando o
ar, se destinava à prepara-lo para a nutrição de seres de mais delicada e complexa
constituição.
Com o deslocamento das águas,
entretanto, os terrenos em que brotavam essas massas de vegetais foram
repetidas vezes submergidos, cobertos de novos sedimentos terrosos, enquanto
os lugares expostos se cobriam a seu turno de idêntica vegetação, havendo assim
durante muitos séculos numerosas gerações de vegetais alternadamente renovados
e sepultados sob a terra, formando camadas de considerável espessura.
Mercê do calor, da humidade, da
pressão exercida pelos depósitos terrosos posteriores e, indubitavelmente, de
diversos agentes químicos, de gases, ácidos e sais produzidos pela combinação
dos primitivos elementos, uma fermentação se produziu nessas matérias vegetais,
transformando-as em hulha, ou carvão de pedra. Assim, em sua solerte providência,
a natureza -melhor se dirá o seu Autor - armazenava no seio da terra, com uma
previdente antecipação de muitos milhares de anos (1), o combustível de que, num adiantado
grau de civilização, havia de necessitar o homem para as aplicações da mecânica
às mais variadas industrias que o seu gênio inventaria.
(1) A julgar por uma observação do naturalista Lyell, que
na baía de Fundy (Nova Escócia) encontrou numa mina de carvão de pedra de 400
metros de espessura 68 níveis diferentes, com evidentes sinais de corresponderem
a solos superpostos de florestas, cujas árvores ainda conservavam as raízes, e
calculando, como em
nota o faz Allan Kardec, um período de 1.000 anos para a formação de cada um desses
solos, obtém-se a respeitável cifra de 68.000 anos pura a idade dessa mina de
carvão.
Prossigamos, porém, na sumária
indicação dos principais fenômenos que assinalaram os imediatos períodos geológicos.
Chegaremos assim á época secundária em que, com o desaparecimento da vegetação
colossal e dos animais que caracterizaram a fase de transição a que nos
vínhamos referindo, já seja porque se houvessem modificado as condições atmosféricas,
ou porque repetidos cataclismos, de que se encontram vestígios nos terrenos que
marcam o fim daquele período, tivessem destruído tudo o que na Terra então
vivia (1), coincide o
aparecimento de uma vegetação menos rápida e colossal, ao mesmo tempo que
se multiplicavam os animais aquáticos, ou pelo menos anfíbios, a que adiante
faremos referência, e uma prodigiosa quantidade de animais de conchas se desenvolvia
no seio dos mares, em consequência da formação de substâncias calcárias. Nascem
novos peixes, de organização mais aperfeiçoada e os primeiros cetáceos fazem a
sua irrupção no cenário da vida terrestre.
(1) Essa
hipótese cataclísmica, formulada por Cuvier e que foi adotada por Allan Kardec,
é contudo impugnada por modernos geólogos, que acham suficiente, para explicar
as transformações operadas no aspecto físico e nas condições de vida do
planeta, a ação prolongada, lenta e repetida que caracteriza a evolução, não
admitindo essas revoluções, ou cataclismos, senão como fenômeno local e
circunscrito e não generalizado.
Durante esse período, cuja longa
duração é atestada pelo número e espessura das camadas geológicas, a vida
animal não somente adquiriu considerável desenvolvimento no
seio das águas, mas começou a se ensaiar na face da Terra, graças à purificação
do ar, tornado respirável aos seres destinados a povoá-la.
O período terciário se assinala contudo
nos seus primeiros tempos por uma, sensível pausa na produção vegetal e animal,
sendo por toda parte evidentes os sinais de destruição quase geral dos seres,
para o aparecimento de novas espécies, dotadas de mais perfeita organização,
adaptada às condições do meio em que são chamadas a viver.
Muda completamente o aspecto da
superfície do globo. A crosta sólida adquirira suficiente espessura para
impedir como nas anteriores rupturas, o extravasamento das matérias
em fusão comprimidas no interior. Essa massa ígnea, porém, assim comprimida, veio
a produzir uma espécie de explosão, determinando um duplo fenômeno: em alguns lugares
a crosta granítica levantada, fendeu-se em crateras, por onde o fogo interior
entrou a se escapar, e daí os vulcões, verdadeiras chaminés dessa imensa
fornalha, ou melhor, válvulas de segurança que, pela exalação dos vapores e matérias
ígneas, premunem desde então o globo da violência e extensão das convulsões
anteriores; noutros Jogares a crosta sólida levantada a diferentes alturas
formou as montanhas e cadeias de montanhas, descalvando umas, cobertas outras
de vegetação, constituindo por toda parte o sistema ortográfico do globo.
Com essas bruscas desigualdades
operadas na superfície do solo, as águas, que até então a cobriam de modo mais
ou menos uniforme em quase toda a sua extensão, foram repelidas para os lugares
mais baixos, deixando a descoberto vastos continentes e cimos de montanhas
isoladas, que formaram as ilhas.
Não uma, todavia, mas sucessivas
comoções assim se produziram - não nos permitindo contudo a economia de espaço,
que nos impusemos, pormenoriza-las - com as quais facilmente se concebe que a
vida orgânica teria sofrido um estacionamento, embora temporário. Logo que,
porém, uma certa estabilidade se pronunciou e se desdobraram os vastos
continentes, começaram também a se multiplicar os animais terrestres.
Mas ainda para esses remotos
povoadores da Terra não terminaria o período dos grandes cataclismos, senão que
a seu turno tiveram que arrostar violentas convulsões, ao que se
supõe, determinadas por uma brusca mudança operada na posição do eixo e dos polos
do globo, de que resultou um deslocamento das águas, precipitadas dos seus leitos,
as quais,
invadindo tumultuariamente os continentes, não somente vitimaram considerável número
de animais que, fugindo à inundação, foram colhidos nas cavernas (1) onde se
haviam refugiado, só escapando os que se abrigaram nos lugares altos, mas,
arrastando em seu curso terras e rochedos, formaram com esses novos depósitos
os terrenos conhecidos sob o nome de diluvianos.
(1) No México, na Carniola (Áustria) e em vários países
da Europa existem numerosas cavernas, denominadas "de ossos" pela
grande quantidade de ossadas de animais diversos que contêm, o que atesta a subtaneidade
da catástrofe.
Foi esse, no dizer de Allan Kardec,
o verdadeiro dilúvio universal, que se não deve confundir com alguns dos fenômenos
parciais da mesma natureza ocorridos posteriormente, a um dos quais é provável
que se refira, a narrativa bíblica.
Em consequência daquela mudança na inclinação
do globo, a sua temperatura sofreu também sensível modificação, coincidindo aí
o aparecimento dos primeiros gelos nos polos e a formação das geleiras nas
montanhas, assim se assinalando o período "glaciário," que marca uma
das derradeiras fases da terceira época geológica.
O que indica que deveria ter sido súbita
essa mudança é a existência, nas terras polares, de restos fósseis de animais,
como os elefantes, que só vivem hoje sob os climas quentes; porque, como o
observa ainda Allan Kardec, se fosse lentamente operada, aqueles animais teriam
tido tempo de se retirar gradualmente para as regiões mais temperadas. Tudo
prova, ao contrário, que deviam ter sido bruscamente surpreendidos por um
grande frio e envolvidos pelos gelos.
A partir de então é que,
restabelecido o equilíbrio na superfície do globo e encerrado o ciclo das
grandes comoções, parciais ou generalizadas - pouco importa a divergência de
opiniões, que não destrói o fato - a vida vegetal e animal pode por toda parte
se expandir tranquilamente.
Começava o período quaternário. E se
a Terra, segundo os mais recentes indicados cálculos, necessitaria de 100 milhões
de anos para, nas três precedentes épocas, primeiro se
consolidar e pôr em ordem os seus elementos primitivamente confundidos; em
seguida, reunir as condições apropriadas à existência dos primeiros monstruosos
seres acentuadamente organizados; e por último tornar-se favorável à proliferação
das mais variadas espécies, culminando nas formas superiores da animalidade,
bastar lhe ia o prazo, comparativamente
insignificante, de 100 a 300 mil anos, que corresponde ao período quaternário,
para registrar os rápidos progressos que a mais perfeita de todas - a espécie
humana - viria consumar em sua face.
Voltaremos a deduzir desse fato,
altamente significativo, as consequências filosóficas a que se presta. Por
agora, depois de termos acompanhado, neste rápido e sumaríssimo esboço, a gênese
e desenvolvimento do nosso habitat, sobretudo no que se refere a sua estrutura física,
não será ocioso, senão conveniente ao objetivo que visamos, lançar um golpe de
vista, igualmente sintético embora, sobre o aparecimento gradual e evolutivo
dos seres destinados a entoar, neste minúsculo trecho do universo, a sinfonia majestosa
da vida e do progresso.
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