Porque
sou Espírita
O padre do meu Quartel, bem fardado
e ostentando as insígnias de capitão, iniciara um "fichário"
de todo o pessoal, muito embora, de acordo com as nossas leis em vigor, nenhuma autoridade
lhe coubesse para organizá-lo.
Mas o "capelão" desejava
saber de que se compunha o seu "rebanho" de fiéis católicos e ao qual
deveria dedicar todo o zelo paternal, inclusive o de ouvir, cada uma das suas
"ovelhas",
em confissão - a grande arma secreta - e de ficar a par de tudo o que se
passasse, inclusive
com as consciências alheias.
Ficou estupefato ao tomar
conhecimento da existência de elevado número de adeptos da seita luterana, entre
os soldados e, mais ainda, ao saber que existiam oficiais, sargentos e soldados
que eram espíritas.
Não me tendo sujeitado a ser
"fichado" pelo ilustre capelão caí, naturalmente, no seu desagrado e
foi com imenso prazer que, certa vez, alto e bom som, contei-lhe a minha
história religiosa.
Ei-la, em síntese:
"Criado numa pequena cidade do
interior do Ceará, cujo domínio religioso pertencia inteiramente aos clérigos,
e subordinado ao preconceito de família, ainda criança, sem mesmo nada conhecer
da maldade humana, fui levado ao confessionário, para contar... os meus
pecados!
Pecados de um menino de 7 anos!
Plantara-se, destarte, o marco
inicial de uma vida de misticismo, de pavor e de agonia, em que o receio de ir
para o inferno, a cada instante, infundia tamanho medo, que concorria, cada vez
mais, para tornar-me tímido e exageradamente temeroso.
Felizmente, fui estudar na capital,
conheci um meio mais adiantado, rompi as amarras que me prendiam às sacristias
e joguei por terra os antolhos tão prejudiciais a um jovem da minha idade.
Veio, depois disto, a fase da
repulsa e da melhor compreensão.
O paganismo da Igreja Católica
embasbacara-me; as suas cerimônias litúrgicas, feitas para impressionarem o
povo, desiludiram-me e fiquei descrente do catolicismo, como era de esperar.
Não via o exemplo de humildade, tão
preconizado pelos seus representantes, enquanto a exploração, por toda parte,
constitui a o apanágio dos seus sacerdotes, que jamais deixavam de clamar por
maiores "esmolas" e que recebiam "espórtulas" por tudo
quanto faziam, exceto pela confissão, dado o interesse que ela representa para
os "príncipes" da igreja.
Era impossível continuar sendo
católico, porque sempre combati o fingimento e, como homem, não devia ser
hipócrita, enganando a mim mesmo.
Nunca mais pisei numa igreja, a não
ser ao tempo de solteiro, para olhar as pequenas, namorar
ou cumprir um encontro marcado para a hora da missa domingueira, como faz muita gente
por este Brasil afora.
Li certa vez, que podemos abraçar o
Espiritismo por duas maneiras: pelo estudo da doutrina
ou forçado pelo sofrimento, que é o caso mais comum.
Realmente, foi isto o que me
aconteceu.
O desaparecimento súbito do meu
velho pai trouxe, em consequência, um profundo abatimento moral que me conduziu
às raias do desespero.
Seria possível continuar assim?
Certamente não. Minhas
responsabilidades, na vida material, eram enormes: deveres profissionais,
manutenção da família e educação dos filhos, impunham-me outra atitude de
energia e mais firmeza.
Mas, como reagir contra tanta
fraqueza?
Ah! Para felicidade minha, tratei de
fortalecer o espírito.
Lembrei-me de recorrer à doutrina
dos seres invisíveis que povoam os mundos.
Recebi, pelo correio, a coleção das
obras de Kardec que, a pedido meu, enviara a Federação e, daí para cá, tenho
estudado constantemente tudo quanto diz respeito ao Espiritismo, conquanto
continue sendo um ignorante no assunto, dadas a sua transcendência, a sua
pureza e a sublimidade dos seus ensinamentos.
E
porque sou um espírita?
Porque vi no Espiritismo a
verdadeira filosofia, o caminho seguro a trilhar neste mundo cheio
de escolhos, a única religião despida de exteriorizações, dado que seu caráter
científico permite
perscrutar a verdade e demonstrar cabalmente a excelência da vida espiritual.
Porque encontrei nele a verdadeira
caridade, sem publicidades e sem ostentações, a socorrer os necessitados, os
sofredores e os presidiários.
Porque não há hipocrisia nem
falsidade; não há preces a troco de dinheiro, nem ninguém visa, exclusivamente,
os bens materiais; não há ódios nem vinganças; não há diferenças sociais, nem
preconceitos de cor.
Porque achei nele a luz
confortadora, a grandeza dos corações generosos, a sinceridade nas atitudes e o
encanto nas afirmações de fé.
Porque não existem ameaças aos que
creem, nem perseguições aos que se não subordinam aos seus princípios
salutares.
Porque não se engana a ninguém, não
se mistifica nem se explora o Cristo; não se emol duram personagens,
nem se lhes atribuem qualidades divinas.
Porque passei a compreender melhor a
vida, a ser tolerante, a sentir o conforto da moral pura, que não visa livrar
ninguém das fúrias demoníacas mas, apenas, o aperfeiçoamento espiritual.
Porque aprendi a ser paciente, a
encarar de melhor forma os problemas da vida e a procurar, sempre, fazer algo
em prol da humanidade, pelo amor fraternal e para o bem-estar da própria
consciência.
Porque comecei a entender a
felicidade terrena sob outro prisma mais realístico, mais humano e mais
sentimental".
*
Padre! O Espiritismo não precisa
tornar-se uma religião obrigatória ou semioficial. Os que a seguem, o fazem por
compreensão e por livre e espontânea vontade. Esta é a mais pura verdade!
R.
Alencar Nogueira
Reformador (FEB) Fev 1948
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