Examinai Tudo
As Igrejas reformadas proclamaram o
direito e o dever de cada crente examinar livremente as Escrituras, em vez de
deixar ao Clero essa tarefa. Foi um grande bem, porque nos diferentes graus de
evolução de cada Espírito encarnado, as Escrituras não interessam do mesmo modo
e por igual à todos, e não podem ser interpretadas unilateralmente para a
coletividade. Cada crente, realmente, fará nelas as descobertas que lhe são
mais necessárias no momento e não poderia confiar a outrem essa tarefa.
Apoiando esse dever de livre exame,
citam a cada instante as seguintes palavras de Paulo, em sua Primeira Epístola
aos Tessalonicenses, cap. 5, versículo 19 a 21:
"Não extingais o Espírito; não desprezeis
as profecias, mas ponde tudo à prova, retende
o que é bom."
Por vezes abreviam em forma de máxima:
"Examinai tudo e aceitai o que é bom",
o que não
prejudica o pensamento de Paulo, do grande Inspirado. Mas, precisamos examinar
o sentido que tinham essas palavras ao tempo de Paulo, e para isso basta
folhearmos o Livro de Atos dos Apóstolos, onde leremos: .
2: 1/4: ”Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam
todos reunidos no mesmo lugar; de repente veio do céu um ruído, como de um
vento tempestuoso, que encheu toda a casa onde estavam sentados e lhes
apareceram umas como línguas de fogo, as quais se distribuíram, para repousar
sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar
em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem."
5: 16: “Também das cidades circunvizinhas de
Jerusalém afluía uma multidão trazendo enfermos e atormentados de espíritos
imundos, os quais eram todos curados."
6:9/10: " ...disputavam
com Estevão; e não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito pelo qual ele
falava."
8: 7: "Pois os espíritos imundos de muitos
possessos saíam, clamando em alta
voz!'
8 29: “Disse o Espírito a Felipe: Aproxima-te e
ajunta-te a este carro."
10:19/20: "Enquanto Pedro estava meditando sobre a
visão, disse-lhe o Espírito: Eis que dois homens te procuram; levanta-te, pois,
desce e vai com eles, nada duvidando; porque eu os enviei!'
11: 12: (Fala Pedro): “O Espírito disse que eu fosse sem escrúpulo
com eles."
15: 32: "Judas e Silas, que eram também profetas
... "
16: 16/18: "Enquanto íamos ao lugar de oração, veio-nos
ao encontro uma moça que tinha um
espírito adivinhador, a qual com as suas adivinhações dava muito lucro aos
amos. Ela, seguindo a Paulo e a nós, clamava: Estes homens que vos anunciam o
caminho da salvação, são servos de Deus Altíssimo. E fazia isso por muitos
dias. Mas Paulo, enfadado, virou-se para ela e disse ao Espírito: Eu te ordeno
em nome de Jesus Cristo que saias dela; e na mesma hora saiu."
19: 12: "... e
deles saíam os espíritos malignos."
21: 4: "... e eles pelo Espírito diziam a Paulo que não
entrasse em Jerusalém!'
23: 9: "... e quem sabe se lhe falou algum espírito ou
anjo?"
Como se vê dessas citações, os
Discípulos de Jesus, ao tempo de Paulo, achavam-se em constantes
relações com Espíritos bons e maus, e os que, como Judas e Silas, possuíam
faculdades mediúnicas, eram chamados Profetas. Regressando aos tempos de Paulo
pelo estudo do Novo Testamento, vemos que só há diferenças de palavras: chamavam
possessos aos obsidiados, profetas aos médiuns e profecias às comunicações de
Espíritos superiores, mas os fenômenos eram os mesmos de hoje e de todos os
tempos. Portanto, as palavras de Paulo, postas em linguagem moderna, seriam
assim traduzidas:
"Não impeçais ao Espírito comunicar-se; não desprezeis as comunicações,
mas examinai-as bem e só retende as boas."
Isso mesmo recomendam Kardec e todos
os espíritas esclarecidos e prudentes. Logo, os versículos citados tão
frequentemente pelos nossos irmãos das Igrejas reformadas, não significam -
como eles supõem - que o livre exame deve limitar-se às Escrituras e que a
Revelação terminou em Apocalipse. Muito ao contrário, refere-se Paulo
precipuamente às comunicações dos Espíritos, ao que modernamente chamamos
Espiritismo.
Na forma abreviada, poderíamos
redigir assim: "Examinai tudo o que
dizem os Espíritos e aceitai o que for
bom".
Como o materialismo que invadiu as
Igrejas, quase todos os ensinos da Bíblia se tornaram incompreensíveis ou até ridículos
para o homem moderno; mas a Verdade eterna nunca será sepultada. Quem haja lido
a moderna literatura espírita, volte a reler a Bíblia e lá encontrará os mesmos
fenômenos de todos os tempos. Em vez de destruir as Escrituras, o Espiritismo
lhes projeta nova luz, é chave para muitos mistérios, resolve muitas
obscuridades.
O Cristo e os primeiros cristãos
curavam os enfermos, afastavam os obsessores, mas as Igrejas
perderam a fé e abandonaram as práticas cristãs que só agora ressurgem com o Espiritismo.
Quanto às instruções que os Discípulos de Jesus recebiam diretamente dos
Espíritos, as Igrejas as classificam hoje em duas categorias: "embuste ou
diabolismo", e não percebem que estão destruindo seus próprios alicerces,
porque foram fundadas sobre essas mesmas comunicações. - Perderam a fé e, como
Pedro, estão afundando.
Entendamos, pois, as palavras de
Paulo, referindo-se às Escrituras existentes em seu tempo, cujo estudo era
livre aos leigos, mas mui especialmente às comunicações que amiúde seus
contemporâneos recebiam dos Espíritos, e, assim, sigamos lhe o inspirado
conselho: Examinemos todas as comunicações, e retenhamos as que são boas.
Em luta contra a Igreja Católica
Romana, que não permite aos leigos o exame das Escrituras, os nossos irmãos
protestantes interpretam as palavras do Apóstolo dos Gentios como referentes à
Bíblia, sem se lembrarem de que em tal sentido as palavras seriam
intempestivas, porque nenhuma Igreja, ao tempo de Paulo, era contrária ao livre
exame. Só três ou quatro séculos mais tarde o livre exame sofreu contestação
eclesiástica. No entanto, prestaram os protestantes grande serviço
inconsciente, porque nós repetiremos com Paulo e no mesmo sentido: "Não frustreis o Espírito: examinai tudo e
aceitai o que é bom".
Redação
Reformador Agosto 1946
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