segunda-feira, 15 de outubro de 2012

65. "Doutrina e Prática do Espiritismo"



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            Destacada do seio da nebulosa e constituída em mundo, depois de ter, por um processo de desprendimento de parte da sua massa, idêntico ao de sua formação, dado nascimento à lua, a terra era em seu primitivo estado de condensação um globo incandescente. Em consequência da irradiação do calor e sob a ação da temperatura ambiente que, segundo cálculos científicos, é de 270 graus abaixo de zero nos espaços interplanetários, foi se resfriando pouco a pouco, a começar da superfície, que endureceu, enquanto o interior se conservava em estado fluídico.  

            Nessa época - importa não perder de vista esta observação - o globo terrestre não continha um átomo de mais nem de menos do que hoje. A diferença consistia em que, sob a alta temperatura derivada do seu estado incandescente, as substâncias que hoje se nos apresentam em formas líquidas e sólidas, mesmo as mais resistentes como os metais, os cristais, as pedras, etc., se achavam no estado de fusão, não sendo os aspectos, que ulteriormente revestiram, mais que o resultado da transformação, a que as levou a depressão térmica, e das múltiplas combinações dos seus elementos constitutivos.

            O primeiro efeito desse resfriamento foi, como o dissemos, a solidificação da superfície numa crosta resistente, ao começo delgada e, depois, cada vez mais espessa, constituindo a camada granítica que envolve o globo em toda a sua circunferência e forma, por assim dizer, o seu arcabouço.

            Sobre essa primitiva camada e nas cavidades, que a sua superfície irregular apresentava, foi que vieram a ser sucessivamente depositadas as camadas de terrenos formados posteriormente e dos quais se distingue pela ausência de toda estratificação e pela uniformidade que se observa em toda a sua espessura constituída em massa compacta e não resultante de superposições.

            Recipiente demasiado frágil ainda para resistir à pressão do excessivo calor desenvolvido pela matéria em fusão contida no eu interior, a camada granítica sofreu numerosas rupturas, pelas quais emergia e se espalhava pela superfície aquela massa incandescente.

            Ainda por efeito do resfriamento algumas das matérias difundidas no ar em estado de vapor passaram ao estado líquido e se precipitaram no solo, ocasionando chuvas e formando lagos de enxofre e de betume, verdadeiros rios de ferro, cobre, chumbo e outros metais que, infiltrando-se pelas fendas, vieram a constituir os veios e veeiros metálicos.

            Alternadas decomposições sofreu, sob a influencia desses agentes, a superfície granítica, originando-se misturas de que se formaram, em massas confusas, os terrenos primitivos, sem estratificações regulares, ao mesmo tempo que as águas, caindo em chuvas torrenciais sobre aquele solo ardente, se vaporizavam de novo, para tornarem a cair, e assim sucessivamente, até que a temperatura daquele brasido (Grande quantidade de brasas; braseiro)  colossal, por esse modo superficialmente extinto, lhes permitiu ficar no solo em estado liquido. Tal foi - observa Allan Kardec - o aspecto desse primeiro período, verdadeiro caos de todos os elementos confundidos, que procuravam a estabilidade onde nenhum ser podia existir, sendo por isso um dos seus caracteres distintivos em geologia a ausência de qualquer indício de vida vegetal e animal (1).

            (1) Pretendem, ao contrário, alguns naturalistas que mesmo no terreno primitivo existiriam rudimentos de vida organizada em seres de que todavia, não foram encontrados vestígios.

            No período de transição que se lhe seguiu (2), o mesmo fenômeno de rupturas continuou a se produzir na superfície granítica, ainda pouco resistente, formando-se protuberâncias ; mas já as águas, pouco profundas embora, cobriam quase toda a face do globo. O ar fora expurgado das matérias pesadas que, passando do estado gasoso ao de relativa condensação, por efeito do resfriamento, eram precipitadas no solo e arrastadas pelas águas.

            (2) Nem todos os zoólogos consideram esse período, preferindo simplesmente incluí-lo na época primária, mero pormenor de classificação, que não altera a ordem dos fenômenos.

            Uma substancia, entre outras, continuava, todavia, a impregnar abundantemente o ar, em razão do seu estado naturalmente gasoso: era o ácido carbônico. Foi então que, existindo já algumas camadas de terreno sedimentoso, depositadas pelas águas carregadas de limo e de matérias apropriadas à vida orgânica, surgiram os primeiros rudimentares seres do reino vegetal - musgos, líquens, cogumelos, fetos e plantas herbáceas - aos quais se sucederam os primeiros representantes, igualmente rudimentares, do reino animal, nascidos no seio das águas e dotados de uma organização cuja simplicidade os aproxima dos vegetais,
como os pólipos, os radiários  (similar a equinodermes e pólipos) ; os zoófitos, só mais tarde vindo crustáceos e peixes, cujas espécies desapareceram.

            Consecutivamente ao aparecimento daqueles primeiros exemplares do reino vegetal, e ao mesmo tempo que as plantas aquáticas se multiplicavam no seio dos pântanos, uma vegetação opulenta e gigantesca surgia, graças à ação do calor e da humidade, favorecida pela abundância do ácido carbônico espalhado na atmosfera e que, nocivo à respiração dos animais terrestres, é necessário às plantas, cuja função, absorvendo-o e purificando o ar, se destinava à prepara-lo para a nutrição de seres de mais delicada e complexa constituição.

            Com o deslocamento das águas, entretanto, os terrenos em que brotavam essas massas de vegetais foram repetidas vezes submergidos, cobertos de novos sedimentos terrosos, enquanto os lugares expostos se cobriam a seu turno de idêntica vegetação, havendo assim durante muitos séculos numerosas gerações de vegetais alternadamente renovados e sepultados sob a terra, formando camadas de considerável espessura.

            Mercê do calor, da humidade, da pressão exercida pelos depósitos terrosos posteriores e, indubitavelmente, de diversos agentes químicos, de gases, ácidos e sais produzidos pela combinação dos primitivos elementos, uma fermentação se produziu nessas matérias vegetais, transformando-as em hulha, ou carvão de pedra. Assim, em sua solerte providência, a natureza -melhor se dirá o seu Autor - armazenava no seio da terra, com uma previdente antecipação de muitos milhares de anos (1), o combustível de que, num adiantado grau de civilização, havia de necessitar o homem para as aplicações da mecânica às mais variadas industrias que o seu gênio inventaria.

            (1) A julgar por uma observação do naturalista Lyell, que na baía de Fundy (Nova Escócia) encontrou numa mina de carvão de pedra de 400 metros de espessura 68 níveis diferentes, com evidentes sinais de corresponderem a solos superpostos de florestas, cujas árvores ainda conservavam as raízes, e calculando, como em nota o faz Allan Kardec, um período de 1.000 anos para a formação de cada um desses solos, obtém-se a respeitável cifra de 68.000 anos pura a idade dessa mina de carvão.

            Prossigamos, porém, na sumária indicação dos principais fenômenos que assinalaram os imediatos períodos geológicos. Chegaremos assim á época secundária em que, com o desaparecimento da vegetação colossal e dos animais que caracterizaram a fase de transição a que nos vínhamos referindo, já seja porque se houvessem modificado as condições atmosféricas, ou porque repetidos cataclismos, de que se encontram vestígios nos terrenos que marcam o fim daquele período, tivessem destruído tudo o que na Terra então vivia (1), coincide o aparecimento de uma vegetação menos rápida e colossal, ao mesmo tempo que se multiplicavam os animais aquáticos, ou pelo menos anfíbios, a que adiante faremos referência, e uma prodigiosa quantidade de animais de conchas se desenvolvia no seio dos mares, em consequência da formação de substâncias calcárias. Nascem novos peixes, de organização mais aperfeiçoada e os primeiros cetáceos fazem a sua irrupção no cenário da vida terrestre.

             (1) Essa hipótese cataclísmica, formulada por Cuvier e que foi adotada por Allan Kardec, é contudo impugnada por modernos geólogos, que acham suficiente, para explicar as transformações operadas no aspecto físico e nas condições de vida do planeta, a ação prolongada, lenta e repetida que caracteriza a evolução, não admitindo essas revoluções, ou cataclismos, senão como fenômeno local e circunscrito e não generalizado.

            Durante esse período, cuja longa duração é atestada pelo número e espessura das camadas geológicas, a vida animal não somente adquiriu considerável desenvolvimento no seio das águas, mas começou a se ensaiar na face da Terra, graças à purificação do ar, tornado respirável aos seres destinados a povoá-la.

            O período terciário se assinala contudo nos seus primeiros tempos por uma, sensível pausa na produção vegetal e animal, sendo por toda parte evidentes os sinais de destruição quase geral dos seres, para o aparecimento de novas espécies, dotadas de mais perfeita organização, adaptada às condições do meio em que são chamadas a viver.

            Muda completamente o aspecto da superfície do globo. A crosta sólida adquirira suficiente espessura para impedir como nas anteriores rupturas, o extravasamento das matérias em fusão comprimidas no interior. Essa massa ígnea, porém, assim comprimida, veio a produzir uma espécie de explosão, determinando um duplo fenômeno: em alguns lugares a crosta granítica levantada, fendeu-se em crateras, por onde o fogo interior entrou a se escapar, e daí os vulcões, verdadeiras chaminés dessa imensa fornalha, ou melhor, válvulas de segurança que, pela exalação dos vapores e matérias ígneas, premunem desde então o globo da violência e extensão das convulsões anteriores; noutros Jogares a crosta sólida levantada a diferentes alturas formou as montanhas e cadeias de montanhas, descalvando umas, cobertas outras de vegetação, constituindo por toda parte o sistema ortográfico do globo.

            Com essas bruscas desigualdades operadas na superfície do solo, as águas, que até então a cobriam de modo mais ou menos uniforme em quase toda a sua extensão, foram repelidas para os lugares mais baixos, deixando a descoberto vastos continentes e cimos de montanhas isoladas, que formaram as ilhas.

            Não uma, todavia, mas sucessivas comoções assim se produziram - não nos permitindo contudo a economia de espaço, que nos impusemos, pormenoriza-las - com as quais facilmente se concebe que a vida orgânica teria sofrido um estacionamento, embora temporário. Logo que, porém, uma certa estabilidade se pronunciou e se desdobraram os vastos continentes, começaram também a se multiplicar os animais terrestres.

            Mas ainda para esses remotos povoadores da Terra não terminaria o período dos grandes cataclismos, senão que a seu turno tiveram que arrostar violentas convulsões, ao que se supõe, determinadas por uma brusca mudança operada na posição do eixo e dos polos do globo, de que resultou um deslocamento das águas, precipitadas dos seus leitos, as quais, invadindo tumultuariamente os continentes, não somente vitimaram considerável número de animais que, fugindo à inundação, foram colhidos nas cavernas (1) onde se haviam refugiado, só escapando os que se abrigaram nos lugares altos, mas, arrastando em seu curso terras e rochedos, formaram com esses novos depósitos os terrenos conhecidos sob o nome de diluvianos.

            (1) No México, na Carniola (Áustria) e em vários países da Europa existem numerosas cavernas, denominadas "de ossos" pela grande quantidade de ossadas de animais diversos que contêm, o que atesta a subtaneidade da catástrofe.

            Foi esse, no dizer de Allan Kardec, o verdadeiro dilúvio universal, que se não deve confundir com alguns dos fenômenos parciais da mesma natureza ocorridos posteriormente, a um dos quais é provável que se refira, a narrativa bíblica.

            Em consequência daquela mudança na inclinação do globo, a sua temperatura sofreu também sensível modificação, coincidindo aí o aparecimento dos primeiros gelos nos polos e a formação das geleiras nas montanhas, assim se assinalando o período "glaciário," que marca uma das derradeiras fases da terceira época geológica.

            O que indica que deveria ter sido súbita essa mudança é a existência, nas terras polares, de restos fósseis de animais, como os elefantes, que só vivem hoje sob os climas quentes; porque, como o observa ainda Allan Kardec, se fosse lentamente operada, aqueles animais teriam tido tempo de se retirar gradualmente para as regiões mais temperadas. Tudo prova, ao contrário, que deviam ter sido bruscamente surpreendidos por um grande frio e envolvidos pelos gelos.

            A partir de então é que, restabelecido o equilíbrio na superfície do globo e encerrado o ciclo das grandes comoções, parciais ou generalizadas - pouco importa a divergência de opiniões, que não destrói o fato - a vida vegetal e animal pode por toda parte se expandir tranquilamente.  

            Começava o período quaternário. E se a Terra, segundo os mais recentes indicados cálculos, necessitaria de 100 milhões de anos para, nas três precedentes épocas, primeiro se consolidar e pôr em ordem os seus elementos primitivamente confundidos; em seguida, reunir as condições apropriadas à existência dos primeiros monstruosos seres acentuadamente organizados; e por último tornar-se favorável à proliferação das mais variadas espécies, culminando nas formas superiores da animalidade, bastar lhe ia o prazo, comparativamente insignificante, de 100 a 300 mil anos, que corresponde ao período quaternário, para registrar os rápidos progressos que a mais perfeita de todas - a espécie humana - viria consumar em sua face.

            Voltaremos a deduzir desse fato, altamente significativo, as consequências filosóficas a que se presta. Por agora, depois de termos acompanhado, neste rápido e sumaríssimo esboço, a gênese e desenvolvimento do nosso habitat, sobretudo no que se refere a sua estrutura física, não será ocioso, senão conveniente ao objetivo que visamos, lançar um golpe de vista, igualmente sintético embora, sobre o aparecimento gradual e evolutivo dos seres destinados a entoar, neste minúsculo trecho do universo, a sinfonia majestosa da vida e do progresso.




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