Histórias erradas
por Carlos Imbassahy
Reformador
(FEB) Janeiro 1943
O honrado padre Zioni, no livro
que vimos comentando, precede as suas considerações com a "história do
espiritismo moderno".
Nessa história aparece o caso das
irmãs Fox, que S. R. relata com muitas omissões e várias interpolações. Não se
esquece das fraudes que elas "confessaram", e depois retrataram,
"da negação do indigitado criminoso", "da ausência de provas, no
que toca às afirmativas do morto que se manifestava", e, finalmente,
"do estado miserável em que acabaram essas médiuns".
Todo esse material achou-o o digno
escritor em vários outros padres, onde sobressaem o padre Valério e o padre
Lacroix.
Reservo-me para voltar ao assunto
num livro que estou principiando a escrever em resposta ao padre Lacroix, livro
no qual o seu colega Zioni foi inspirar-se grandemente para a valiosa digressão
histórica.
Não posso, porém, fugir à freima
em que me acho, de tocar desde já em dois pontos dos feridos pelo escritor. Diz
S. R.:
"Desta maneira veio a
saber-se que o tal espírito era a alma de Carlos Ryan assassinado naquela casa
em tempos idos e enterrado na dispensa. Divulgado o nome do assassino, esse
apareceu perante a Justiça defendendo-se da calúnia que lhe fora
imputada. A polícia promoveu rigorosa investigação em todos os
cômodos e não conseguiu descobrir os ossos do suposto Carlos Ryan, nem vestígio
algum do crime cometido, donde se concluiu que a história do assassinato era
uma fábula."
O que é uma fábula é isto que o
padre Zioni está contando. É falso que não se tivesse encontrado vestígio de
algum crime. Veremos isto, conforme prometi, e verá desde já quem folhear
alguns livros onde se conta esta história mais bem contada.
O que não podemos deixar passar
sem reparos, no momento, são dois fatos, para o reverendo Zioni, de grande
valor probante, ou improbante.
O primeiro é o de não se terem
achado ossos nos aposentos. Havia de ser interessante que o assassino guardasse
o cadáver nos cômodos da casa. E ele ali ficasse até reduzir-se a ossos, sem
que ninguém desse por isto, sem que se soubesse nada. Um pouco mais, seria de
espantar que o matador não pregasse uma tabuleta na porta com estes
sensacionais dizeres: - Venham todos com urgência, aqui dentro há um defunto.
O segundo caso é ter o assassino
negado a autoria do crime. É fulminante! O curial seria que ele chegasse e
fosse logo confessando que perpetrara o crime, e pedisse, até, que o metessem
rapidamente na cadeia.
Se tal não se deu, está claro que
não houve o homicídio; a fábula fica patente! É a lógica do reverendo, que vem
modificar de fond en comble (para baixo)
o capítulo das provas em matéria penal.
Maiores reparos, porém, nos estão
a merecer as considerações do reverendo, no que toca à maneira miserável por
que morreram as irmãs Fox.
Leiamo-las:
"Cinco anos mais tarde
morreram estas duas pobres irmãs... numa verdadeira ruína mental e física
..." ( O grifo é meu).
“Só tinham apetite para os licores
Intoxicantes. Morreram, assim, num estado de embriaguez, de sensualidade, de
degenerescência moral, sob todas as formas.”(Pag. 19).
Esta descrição desanimadora foi
buscá-la o reverendo em dois formidáveis esteios - o padre Lacroix e o padre
Lucien Roure. Aquele inspirou-se nuns jornais ou revistas.
Deixemos de parte a miserabilidade
daquelas criaturas, com a sua embriaguez, sensualidade e degenerescência - o
que tanto penalizou o padre Zioni - e nos firmemos em sua conclusão, ou na
ilação que ele tirou dali:
"Não obstante origem tão
vergonhosa, o Espiritismo conseguiu vencer, em parte, a reação geral contra os
embustes que ele explorava e apresentar-se ao mundo com a máscara de Ciência e
Religião, mercê dos esforços titânicos dos seus codificadores." (Pag. 19).
Como se vê, para o padre Zioni, a
origem do Espiritismo foram os fenômenos produzidos pelas irmãs Fox. Mas
fenômenos sempre os houve. O ilustre padre, mesmo, parece conhece-los, visto
que deles relata uma batelada no seu capitulo - Fundamento histórico do
Espiritismo.
Fala na antiga magia, em persas,
babilônios, etruscos, egípcios, gregos e romanos.
Acrescenta: "todos esses
povos da antiguidade pagã comunicavam-se com os mortos e espíritos."
Declara, ainda, que disto nos dão testemunho os historiadores e filósofos mais
antigos. E cita 14 nomes.
Menciona, particularmente, as
frequentes relações de Apio com os mortos, as evocações de Tibério, a queima de
livros mágicos...
Reporta-se à Escritura, à alma de
Samuel, à filosofia alexandrina, a Tertuliano, a Lactâncio, a Hilário, a
Eusébio, a Gregório...
Vem pela Idade Média afora, e,
diante de tudo isto, não acha estranhável "o orgulho com que os espíritas
proclamavam e alardeiam, ainda em nossos dias os seus progressos sempre
crescentes. "
Se o fundamento histórico do
Espiritismo assenta nesse imponente acervo de fatos; se eles vêm já dos povos
da antiguidade pagã, se a eles se referiram, em todos os tempos, historiadores
e filósofos, e se eles servem de orgulho aos espíritas, que proclamavam, então,
os seus progressos sempre crescentes, e ainda hoje o alardeiam, como poderia
ter sido o Espiritismo iniciado pelos fenômenos das irmãs Fox e se haver
conspurcado nessa origem vergonhosa?
Mais uma vez se atrapalha o
reverendo nas suas ilações. Ora é o Espiritismo que começa com as Fox, ora o
fundamento do Espiritismo surge com os povos da antiguidade.
Já existia a comunicação dos
mortos com persas, babilônios, etruscos, romanos, mas a comunicabilidade dos mortos
com as irmãs Fox é que deu "a vergonhosa origem do Espiritismo."
Não param as contradições do
eminente professor, sem mesmo sair das malsinadas médiuns.
O esforço por mostrar que tais
fenômenos foram fraudulentos é imenso por parte de Sua Reverendíssima.
"Não houve vestígio do
crime... A história era uma fábula... Umas tantas profecias não se
realizaram... Uma das Fox confessou a falsidade dos fenômenos... Numa
entrevista, Margarida Fox se lembrou de declarar que ela e Katie tinham sido
vítimas da esperteza da irmã mais velha e da idiotice da mãe... Catarina
confirmou esta confissão... Finalmente, o Espiritismo explorava estes
embustes..."
Mas ao mesmo tempo, o reverendo
parece em dúvida sobre se os fatos existiram ou não, porque fala na retificação
das médiuns, que se retrataram da afirmativa de fraude; diz, então: "Ou
juraram falso da 1ª vez, para afirmar uma mentira, ou da 2ª, para retificar."
Por maneira que ele não sabe bem.
Para reforçar-lhe a dúvida e
aumentar a nossa perplexidade, transcreve o padre Thurston, com quem se diria
estar de acordo:
"De tais contradições das
irmãs Fox, o Padre Thurston S. J. conclui:
1) ................................
2) quando atribuíram tudo a uma
fraude interessada e consciente, ainda mentiram, porquanto algumas vezes houve
nas sessões intervenção de espíritos."
Assegurando que as Fox, ou
mentiram, quando falavam em fraude, ou mentiram quando se retrataram; citando
Thurston, quando afirma que algumas vezes houve intervenção de espíritos;
referindo-se aos fenômenos congêneres que existiram por toda a antiguidade e de
que dão testemunho historiadores e filósofos, é claro que o reverendo Zioni
acha aceitável ou possível a manifestação mediúnica das Fox.
A que viriam, então, as suas
páginas sobre fraudes e embustes, "que o Espiritismo explorava"?
Se não houve embustes nem fraudes,
o Espiritismo não explorou coisa nenhuma, e a assertiva do professor do
Seminário não é exata, entretanto que a palavra de um padre, e, sobretudo,
padre mestre, deveria ser de inabalável segurança. Colocou-se, ainda, S. R.,
numa posição ambígua, talvez de grandes efeitos táticos, mas prejudicial à
firmeza de um estudo. Porque, afinal, não sabemos em que pé ficou. Se quisermos
demonstrar que não houve fraude nenhuma, - como o iremos fazer, - sai-se S. R.
com as suas dúvidas ou com o padre Thurston, ou com a realidade dos fenômenos,
que ele nunca negou e que já vinham de persas, babilônios, etruscos, romanos...
Se pedirmos o testemunho de S. R.
para roborar a autenticidade dos fatos, ele nos apresentará as fraudes e os
embustes "que o Espiritismo explorou."
Fica assim armado para o que elas
derem. Posição é essa de equilíbrio instável, provavelmente digna de aplausos
num circo, mas, inegavelmente, pouco elogiável na cátedra.
Uma dedução categórica, porém, ele
estabelece: - Que as Fox foram "tristes iniciadoras de uma religião nova;
que, por isto, os espiritistas não as querem por madrinhas, e que foi nessa
fonte vergonhosa que teve origem o Espiritismo. "
Para os incultos a tirada é
esplêndida. Os menos incientes sabem, porém, que a mediunidade é um dom, que se
pode dizer de ordem fisiológica, e, consequentemente, poderá recair em qualquer
pessoa, sem procurar certificados de boa conduta; que, conforme dizem os
próprios Espíritos, o médium pode empunhar uma pena ou uma faca, que há médiuns
de alta inspiração e médiuns obsessos; que, na produção de efeitos físicos, não
só é desnecessária a elevação espiritual do médium, como nem sempre será dos
mais adiantados o Espírito produtor dos fenômenos; que não podiam ser madrinhas
do Espiritismo ou fontes dele aquelas produtoras de fenômenos, desde que os
ditos já existiam de todos os tempos; que a verdadeira origem do Espiritismo
data de sua codificação; que as mensagens de grande pulcritude, notáveis pelos
seus ensinos, é que exigem, assim um aparelho físico especial, como uma
organização moral privilegiada.
Pelos vistos, quer na sua
dubiedade, quer nas suas asserções, errou o eminente padre. Os seus equívocos
são em toda a linha.
E de tudo se percebe que, nem
mesmo forçando as premissas, acertou nas conclusões.
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