Uma Vaga no Sinédrio
Editorial
Reformador (FEB) Agosto 1971
Conquanto fracionadas, nem por isso
as seitas judaicas deixavam de coexistir. Era o Judaísmo marcado por um
divisionismo variegado: escribas, doutores da lei, saduceus, terapeutas,
nazarenos, samaritanos (apesar de mal vistos), schamaítas e hilelitas (os
fariseus, que se subdividiam em sete correntes), os essênios, etc. Dentre
todos, os príncipes dos sacerdotes dominavam o Sinédrio, sede desse “episcopado”
de há 2000 anos, que tolerava, ora mais, ora menos, os cultos similares, num
ensaio muito curioso do que seria, afinal, o primeiro movimento ecumenista...
Então, surgiu jesus, o enviado
celeste, que não viria destruir a lei, mas dar-lhe cumprimento. Houve o
histórico entrechoque da nova doutrina cristã com a dos judeus. O Sinédrio
ganhou a luta preliminar, inculcando no povo uma série de maranhões contra o
Senhor e arrancando de Pilatos a sentença abominável. Jesus pagou alto o preço
da sua firmeza; mas ela lhe daria, depois, a grande vitória do mundo. Seu
sacrifício fincou a árvore do Evangelho, que medrou e se ramificou, sobrepairando
frondosamente acima dos urticais da intolerância e da pacificação de fancaria.
Sendo a Doutrina de Jesus uma superação do politeísmo e um avanço do henoteísmo
(termo criado pelo orientalista e estudioso
das religiões Max Müller (1823-1900) para designar a crença em um deus único,
mesmo aceitando a existência possível de outros deuses. - Wikipedia), e apresentando, o
seu monoteísmo, alguns parâmetros com a doutrina dos judeus, certamente os
líderes religiosos não desprezaram a hipótese de chamar o novo profeta ao seu
convívio, a fim de que formasse ao lado dos sacerdotes. Um convite à coexistência
pacífica. Melhor dizendo: uma vaga para o Cristo no Sinédrio.
Mas Jesus, mesmo sem precisar do
expediente que Homero ensejara a Ulisses, não se deixaria embair pelo canto e o
encanto das sereias do Templo... Não que se colocasse numa posição enfatuada,
de altanaria condenável, ou porque o convite não lhe inspirasse confiança, mas
sim, principalmente, porque o Cristianismo não vinha para ser apenas mais uma
religião, irmanada às preexistentes. Por isso mesmo, abriu mão da vaga que lhe
poderiam oferecer e deixou-se ficar do lado de fora, sozinho com sua verdade: “Eu
sou a Luz do mundo”; “Eu sou o Pão da Vida”; “Eu sou o Bom Pastor”; “Eu sou o
Caminho, a Verdade e a Vida”. E quando Pilatos, desprezível, pergunta-lhe se é
rei, o Mestre não tergiversa: “Tu o dizes”.
O Cristianismo era a verdade que
surgia. Jesus, à guisa de pacificação, de entendimento, de harmonia, poderia
ter-se enfileirado ao lado dos fariseus, dos saduceus, dos escribas, com o
poético talante de irmanar-se, e, com o tempo, talvez converter os outros. Não
o fez. Não queria para a sua doutrina um lugar ao sol; ela era o próprio Sol.
Não pretendia uma vaga no Sinédrio; ela estava acima do Sinédrio. Era a
Religião. Nessa posição, não foi perdoado. Logo seria preso, escarmentado e
suspenso à cruz. A ressurreição, porém, testemunhou sua superioridade e coonestou
lhe a firmeza do silêncio, ante o convite da confraria duvidosa. O Sinédrio,
hoje, é ruínas; e Jesus dividiu a História em Antes e Depois dele...
Dezenove anos mais tarde, Allan
Kardec compreendeu essa posição e também se forrou ao envincilhamento (enredamento,
emaranhado - do blog).
Mas, atualmente, parece que ninguém entendeu ninguém, e aí temos, enfatizados,
movimentos que surgem debaixo da aflição de conseguir para o Espiritismo um
lugar ao lado das demais religiões. E o jargão é dolorosamente o mesmo:
religiões irmanadas, ecumenismo, diálogo, pacifismo ... Enfim: uma vaga no
Sinédrio para o Espiritismo. “o santa simplicitas!” - diria João Huss,
Recordemos, a tempo, Jesus. É preferível o insulamento do escárnio, do
vilipêndio e da cruz à comunhão suspeitosa do aplauso, do sorriso e da
reverência. Nessa preferência é que também o Espiritismo, por ser a Religião,
dividirá igualmente o mundo em Antes e Depois de Kardec...
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