Coisas que não
sabíamos
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Junho 1943
Não há dúvida de que o livro do
padre Zioni foi um prestimoso trabalho, que não só veio ensinar muitas coisas
aos seminaristas do Ipiranga como a nós mesmos, espiritistas.
Assim é que ele esclarece:
"Bem claras são as diferenças
entre Espiritualismo e Espiritismo. (Todos os grifos são do reverendo). A
filosofia espiritualista crê na existência de um Deus todo poderoso, Criador e
Providência do mundo, pessoal e absolutamente distinto de suas obras. O
Espiritismo identifica o efeito com a causa. Deus com o mundo!"
E nós, espiritistas, a crer o
contrário, visto que “bem claras são as diferenças entre Espiritualismo e
Espiritismo”. E nós, espiritistas, a crer que Deus não é poderoso, nem é
Criador, nem é providência do mundo, nem é distinto de suas obras, e é impessoal.
Pensamos, além de tudo, que efeito e causa, Deus e o mundo é tudo a mesma
coisa.
(“O Espiritismo identifica o
efeito com a causa.”)
“Nós, espiritistas, cremos nisto,
disse-o o padre Zioni aos seus alunos e proclamou-o à face do Brasil, no seu
famoso livro.
Bem é que nos viesse agora
iluminar o entendimento, porque nós criamos que acreditávamos justamente no
contrário do que afirma o padre que nós cremos.
Mas, quem nos enganou foi o
Kardec. Diz ele, logo na 1ª linha, do 1º capítulo, como 1ª resposta dos
Espíritos no Livro dos Espíritos: "Deus é a inteligência suprema, causa
primária de todas as coisas". Por isso não esperávamos. O Kardec a dizer
que Deus é a suprema causa e a suprema inteligência, nós a crermos que era
nisso que acreditávamos! Supúnhamos até hoje que tínhamos Deus como Criador,
visto que é causa primária, e como causa não se podia confundir com o efeito,
que é a sua obra, e como Inteligência Suprema é o todo poderoso ...
Nada! No que acreditamos quem o
sabe, quem o diz, quem o ensina é o padre Zioni.
Ainda nos engana e atrapalha Allan
Kardec, quando estabelece no nº 13, Livro dos Espíritos, que Deus é eterno,
imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom.
Mas que patranha!
Dir-se-ia que isto é que é o
ensino dos Espíritos, o que proclama o Espiritismo, aquilo em que cremos. Lá
está que Deus é único, imutável, onipotente ...
Mas não importa. A verdade vive
palpitando pela pena do reverendo: "São bem claras as diferenças." O
Espiritualismo, de que ele é representante, crê num Deus poderoso, criador,
pessoal, distinto de suas obras ...
Cá conosco é o contrário - cremos
no oposto - o Kardec é p’ros tolos. E se não é a providencial interferência do
padre. Iríamos por aí afora naquele engano d’alma.
No capítulo Panteísmo, Kardec para
reforçar o engodo em que vivíamos, declara que Deus é um ser distinto, porque,
se fosse a resultante de todas as forças e de todas as inteligências, não
existiria, porquanto seria efeito e não causa. (LE, nº 14).
Mas não é isso que cremos, di-lo o padre Zioni – nunca é demais
repetir – em respeitável obra, que corre o Brasil inteiro, explicando o que é a
infausta doutrina do Espiritismo. E entre o padre Zioni e o Kardec... “tollitur
quaestio” (a questão é resolvida).
Outro esclarecimento e outra coisa
que não sabíamos:
"O Espiritismo pretende
possuir todos os segredos da natureza e julga-se capaz de explicar todos os
mistérios."
Ainda aí, que ilusão a nossa! ...
Pensávamos, nós os espiritistas,
que esbarrávamos em todas as causas primárias. Não há tal. O Espiritismo sabe
tudo, explica todos os mistérios ou pretende isto.
Sabe de onde veio Deus, como é que
veio, como é que se formou, onde acaba o Infinito, isto sem já falar em coisas
mais próximas: - porque a água se solidifica a 0 grau, porque o mercúrio é
liquido à temperatura normal e o ouro é solido, porque uns metais são duros e
outros moles, porque há corpos que emitem irradiações, porque o ferro se
magnetiza, porque as pontas atraem os raios e não as bolas, porque o coelho é
manso e o tigre é bravo, porque a barriga das pernas está atrás, quando devia
estar na frente para proteger as tíbias, porque os dentes só nascem duas vezes
e as unhas crescem indefinidamente, porque... etc., etc.... etc...
Nós sabíamos tudo isto! Há muita
gente que supõe saber o que não sabe. Em Espiritismo a cantiga é outra: - não
sabemos o que sabemos! Desta vez, obrigado, padre!
Mais coisas que não sabíamos:
"O Espiritismo repousa nesta
comunicação com os desencarnados e estabelece como base essencial a crença na
sobrevivência dos espíritos e sua comunicação com os vivos, seja qual for a
explicação, porquanto a filosofia espírita consiste em comparar todas as filosofias, já existentes, com a revelação espirita.
"
Ah! consiste nisto?
Aí têm o que é a filosofia
espírita - é uma comparação com todas as filosofias existentes.
Quem faz a revelação é o Arnauné,
que eu não sei quem é; mas quem a endossa é o reverendo.
O trecho está claro como azeite: -
a base do Espiritismo é a crença na sobrevivência, seja qual for a explicação.
E esta base é porque a filosofia
espirita consiste em comparar a revelação espírita com as filosofias já
existentes.
O Arnauné, com a aprovação, senão
com a admiração de Zioni, levou a explicação aos maiores extremos: - a
comparação é com as filosofias existentes. Não se fosse supor que se tratava de
comparação com filosofias inexistentes.
E nós a crermos que a filosofia
espírita versava sobre a origem, a dor, o destino dos homens!
Nada disso: - é uma comparação.
*
Não sabíamos, ainda, que Mateus,
no capítulo XVIII, nº 17, se referia à Igreja Católica.
Elucida-nos, neste ponto, o padre
Zioni:
"É pena que o Sr. Allan
Kardec e seus discípulos nunca leram ou não querem ler na Sagrada Escritura os
anátemas proferidos pejo mesmo nosso Senhor Jesus Cristo: - Aquele que não crer
será condenado, porque já está julgado. Aquele que não ouve a Igreja (isto é a
Santa Igreja Católica Apostólica Romana, por ele fundada) esse tal deve ser reputado pagão ou publicano, isto é, apóstata, herege,
excomungado ."
Apesar do muito que para mim vale
a palavra do reverendo, fui dar uma espiadela em Mateus, e o que lá encontrei
foi o seguinte:
"Se contra ti pecou o teu
irmão, vai e o repreende, mas a sós com ele. Se te atender, te-lo-as ganhado,
Se, porém, não te atender, faze-te acompanhar de uma ou duas pessoas, a fim de
que tudo seja confirmado pela autoridade de duas ou três testemunhas. Se também
não as atender, comunica-o à Igreja; e se também a Igreja não atender, trata-o
como gentio e publicano." (Mateus, XVIII 35-17) .
Se meus olhos não me enganam, está
diferente da citação do padre.
O que inferíamos do texto é que o Mestre,
no seu amor às criaturas, nos ensinara a brandura, em vez de aconselhar-nos os
anátemas, e, destarte, mandara que, quando tivéssemos de repreender ou censurar
alguém, o fizéssemos em segredo, a sós com ele, com palavras persuasivas. Se
ele nos não atendesse, buscássemos outros para reforçar nossos conselhos. Os
espíritas pediriam o auxílio dos bons Espíritos. Não atendidos, ainda levariam
o caso à Igreja, e a Igreja era a assembleia dos doutos, dos probos, era a
Autoridade. No nosso caso seria a comunidade cristã.
O conselho do Divino Pastor visava
- assim o supúnhamos - evitar a desonra do infrator, a publicidade do erro. Só
em último caso, na impossibilidade da corrigenda, e corrigenda do pecado, seria
considerado o pecador gentio e publicano, isto é, insuscetível de emenda, e,
então, deixado à sua sorte, consequentemente ao desprezo público, como se ele
fora publicano ou gentio.
Mas o padre ajeitou os textos. Em
boa hora, porque ficamos sabendo assim que, se um chinês não ouvir a outro
chinês, tem que rumar ambos à Igreja Católica. Se um japonês não atender a
outro japonês, está perdido, a menos que não consiga romper o bloqueio da
esquadra britânica e forçar o canal de Suez, em caminho de Roma.
E então, antes da fundação da
Verdadeira Igreja, a Católica? Era ficar esperando num ponto azul da
Eternidade!
Não se compreende, nem se sabe
como, mas está bonito.
Não para aí ou não parava a nossa
ignorância. Leiamos mais um lanço esclarecedor do reverendo Zioni:
"O Espiritismo Moderno, filho
legítimo do Individualismo, Liberalismo e Racionalismo Protestantes, é, em si
mesmo, falacioso e enganador, Pretende ser uma verdadeira Ciência, Filosofia e
Religião, quando, na realidade, não é mais do que uma
pseudo-revelação dos princípios subversivos da ordem e da moral,
sob a roupagem santa e ideal da verdadeira caridade."
Está injurioso. Mas em se tratando
de Espíritos, Espiritismo e Espiritistas, o padre não tem muita cerimônias. Já vimos isto.
Todo o livro é uma como arcada de
contrabaixo, vibrada por mão de mestre. Profunda e vigorosa.
Ora no Espiritismo, o que se
ensina é o Evangelho do Senhor Kardec lhe dedica um livro inteiro. Roustaing
apresenta, transcreve, estuda, comenta, versículo por versículo. A doutrina
roustainiana se cifra em todo o Evangelho do Divino Mestre. Onde está a
imoralidade, a desordem?..
O Evangelho, filtrado pela boca do
reverendo iluminado pelas chamas do Inferno, apavorante pelos anátemas, anti-fraterno
pelo predomínio exclusivo de uma Igreja, vingativo pela eternidade das penas,
obscuro pela insondabilidade dos mistérios, impenetrável pela proibição do
exame, da investigação, é que é a fonte da ordem e da moral, onde nós devemos
todos abeberar.
Mas o Espiritismo, que nos
apresenta Jesus cheio de bondade e de amor, que ensina a remissão do pecado
pelo esforço próprio, que pregoa a bondade do Criador pela salvação de todos,
que nos dá como lei suprema a da Justiça, como princípio geral a Equidade, que
não proíbe o Conhecimento, nem estiola a Razão, este, sim, é um obstáculo à
ordem, é um empeço à moral.
Num ponto, porém, acordamos com o
ilustrado sacerdote. Convimos em que há ali uma doutrina funesta - é o dai de
graça.
Imoral, não há dúvida, porque vai
de encontro à moral consuetudinária, à moral de todos os tempos e de todos os
homens, com raras exceções. Anárquica, porque foge à ordem estabelecida, pelo
menos à ordem econômica.
E o Espiritismo prega essa
perigosa doutrina. Tem razão o padre: - "Princípio subversivo da ordem e
da moral!". Acabamos por uma conciliação.
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