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Cortinas de fumaça
Carlos Imbassahy
Reformador
(FEB) Dezembro 1942
No piedoso intuito de mostrar as
maleficências do Espiritismo, o digníssimo reverendo Zioni, quando não dá
ensanchas ao gênio inventivo, arma umas frases que ninguém entende. E é fácil saber
porque.
Pretende ele desvirtuar, deturpar
os ensinos ou os fatos espíritas, mas não quer que o apanhem em falso. Põe-se,
então, a ajeitar os períodos, e, sobretudo, a enfumaçá-los, a fim de que passe
por verdade o "maranhão" (mentira bem engendrada)
que nos esteja a apresentar. Senão, vejamos esta, a título de amostra:
"A primeira vista, sob o
aspecto social evidencia-se o Espiritismo como uma instituição beneficente aos
que sofrem as dolorosas taras bio-psicológicas de uma hereditariedade infeliz.
A Santa Igreja, sempre de atalaia, proibiu aos seus filhos a menor contribuição
a essas instituições, sectárias do erro e de intentos perversos ... " (O
Probl. Esp. Pág. 9)
Perceberam? Provavelmente, não. Nós,
porém, que lidamos há muito com o "pessoal", com cujas manhas estamos
familiarizado, já vamos explicar a coisa e o que ele quer dizer na sua.
Como se vê, fala-se ali em
"instituições beneficentes". Todos sabem que, em Espiritismo, há essas
instituições. Não existe ninguém, mediocremente esclarecido, que não julgue
supinamente estúpido combate-las. Mas, a Igreja as combate; lançam-se lhe
anátemas de todos os púlpitos; não deixa de entrar com seu contingente o padre Zioni.
Para justificar, então, assim a
arrancada ofensiva, como para desmoralizar as ditas instituições, o professor
lança aquela cortina de fumaça: "instituição beneficente aos que sofrem as
dolorosas taras bio-psicológicas de uma hereditariedade infeliz". E
reforça o período nebuloso, com epítetos, desta vez claros, à guisa de solução
do enigma: - "instituições sectárias
do erro e de Intentos perversos".
Ora, os asilos espiritas são
abrigos de órfãos, casas de velhos, tabernáculos para os desamparados. Neles se
socorrem, indistintamente, a todos.
Nunca, absolutamente nunca, nunca
jamais, constou a ninguém que se andassem catando especialmente para os abrigos
os sofredores de taras, os herdeiros infelizes. Donde viria, para o padre, essa
finalidade das instituições?..
Clara, a manganilha (artimanha):
Trata-se de conspurcar a beneficência espírita. Não sabendo como atingir o alvo
e receoso de que desse muito na vista a protérvia (petulância),
arranjou S. R. aquela frase, por onde se insinuava a maranha (fibras
embaraçadas). Antevendo o risco de ser colhido em flagrante embuste, foi
entrevando o período; besuntou-o de termos impressionantes, para que a casca do
trovisco (tipo de arbusto venenoso) produzisse nas ideias as necessárias
empolas (bolhas) e ficassem todos a crer que as beneficências estavam ligadas a
taras infelizes e hereditariedades do mesmo jaez.
O ilustre ministro de Deus - vejam
só a quanto leva o sacrifício pelas coisas divinas - faz ali o papel de melga, mosquito que pica sem zunir.
*
Constam em muitos estatutos das
malsinadas instituições, que nelas não se faz questão do credo dos protegidos.
Católicos ou protestantes, espíritas ou não, são eles aceitos de acordo com sua
indigência ou infelicidade. Em muitas dessas mansões de amor fraterno, o
asilado exerce o culto que entende. O que nelas se procura é prestar socorro,
tão somente.
Mas não tinha que ver! O padre
precisava escurecer aquilo tudo. Fazia-se mister denegrir a caridade espírita
e, de outra mão, inocentar a campanha agressiva dos seus correligionários e a
dele, inclusive. E vai daí, lançou aquela caligem (escuridão,
trevas) das taras bio-psicológicas e da hereditariedade infeliz, com o
acréscimo da terrível objurgatória - instituições sectárias do erro e de intentos
perversos.
Tivesse S. Reverendíssima, ainda
que por momentos, o desejo de explicar-se, ou pelo menos esclarecer-nos um
pouco, e nós lhe perguntaríamos porque, apanhando uma criança ao desamparo, a
quem morreram os pais, ou que estes abandonaram, são obrigados os espíritas a
responder pelas taras bio-psicológicas, ou têm alguma coisa que ver com as
hereditariedades Infelizes: ou porque há de haver sempre uma hereditariedade infeliz
ou uma tara psicológica, num indivíduo a quem as asperezas da sorte ou as desgraças
do mundo lançaram na orfandade, ou cobriram de andrajos na velhice.
E indagaríamos, ainda, ao honrado
reverendo, porque será instituição sectária do erro a que procura dar em vez de
receber, a que recolhe sem nada indagar, a que não estabelece condições para o
amparo, a que consola em vez de excomungar, a que enaltece em vez de humilhar.
Onde estarão os intentos
perversos, numa obra de caridade, em que se dá tudo e não se pede nada?..
Em resumo: não sabendo como
aviltar as instituições de benemerência espírita, o professor mascara o seu
período com uma transe bombástica e obscura, onde fala em bio-psicologia, em taras,
em hereditariedades infelizes, sem que se saiba porque os beneficiados hão de
ter essas taras e essas hereditariedades, nem se compreenda a culpa que delas
cabe aos espíritas beneficiadores. Mas, a frase lá fica para turvar o merecimento
da obra. E para achatá-la de veras, dado o caso de que o mistifório (confusão) não
produza o desejado efeito, atira o padre a contumélia (insulto,
afronta) final: instituições de
intentos perversos.
Está justificada a Igreja no seu
anátema. A Igreja e ele!
E depois daí, o honrado sacerdote
continua a folhear tranquilamente o seu breviário e o erudito professor a esparzir
as luzes do seu conhecimento e os benefícios da sua justiça por sobre as
promissoras cabeças dos seminaristas do Ipiranga!
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A crença cega é morta, comparável à
luz mortiça dos ambientes fechados. É preciso ler, estudar, perquirir sempre,
como quem sabe que o progresso e a verdade são infinitos.
Procurem os bons livros e terão
adquirido um cabedal de vida eterna, patrimônio da alma.
As perguntas de um Pastor
Carlos Imbassahy
Reformador
(FEB) Dezembro 1943
Um pastor protestante, em S. João
da Boa Vista, S. Paulo, lança-nos 8 perguntas, que tem como irrespondíveis.
Elas vêm ao pé de um longo artigo,
como tiro de misericórdia. É para matar de vez. E assim diz: "Finalizando,
ofereço aos curiosos umas perguntinhas práticas que devem ser feitas aos chefes
espíritas idôneos.”
Não sei se as perguntas se dirigem
aos chefes espíritas idôneos ou aos curiosos. Como quer que seja, são pontos
que merecem ventilados, e embora não me inculque curioso ou chefe espírita
idôneo, vou tentar responder-lhes, tão certo é também parecer impolidez deixar
sem resposta uma pergunta.
Lá vai a primeira:
"1. Porque no Livro dos
Espíritos resposta 625, se diz que Jesus é o mais perfeito guia e modelo, e o
espiritismo desprezou o Evangelho de Cristo, para elaborar um Evangelho segundo
o Espiritismo?...
Quem disse, a não ser o pastor,
que o Espiritismo desprezou o Evangelho do Cristo? E como desprezou? E porque
desprezou? E onde desprezou?
Quando se declara - o Evangelho
segundo S. Lucas, ou S. Marcos, ou S. Mateus, ou S. João, pretenderá alguém que
o Evangelho do Cristo foi desprezado?
O Evangelho segundo João, Mateus,
Marcos ou Lucas é o Evangelho do Cristo, que eles escreveram; o Evangelho
segundo o Espiritismo é o Evangelho do Cristo que os Espíritos interpretaram.
Nem ao menos o Evangelho conforme
os Espíritos se desvia, se aparta ou difere daqueles apresentados pelos
evangelistas. Os Espíritos aceitaram o espírito do Evangelho, de modo absoluto,
e a letra, com poucas divergências. Como, porém, a letra mata e o espírito
vivifica, trataram de vivificar os ensinos do Senhor para que os não matasse a
letra obscura, que os exegetas não compreenderam e que as seitas do
Cristianismo mantêm, em risco de prejudicar todo o monumental edifício que o
Mestre erigiu.
Assim, por exemplo, no Velho e no
Novo Testamento se declara que o Criador quer a salvação do ímpio, a
regeneração do pecador, a remissão do pecado, a reunião das ovelhas sob um só
pastor.
Mas no texto sagrado se fala do
fogo eterno. Logo daí inferiram a existência do inferno. E ficou o Pai, cheio
de infinita bondade, a criar um instituto de infinito horror; e ficou o
onisciente, o onipotente, desejando e prescrevendo umas tantas ordenanças que
não se obedecem; e estabelecendo umas tantas leis que não se cumprem.
Por obviar a este disparate, os
Espíritos trouxeram à terra os necessários esclarecimentos sobre o que podia
ser o fogo eterno, ou seja o fogo da purificação, que não se apaga.
Destarte, foram varrendo as nuvens
que obumbravam os horizontes da palavra divina, e daí O Evangelho segundo o
Espiritismo. Mas os Evangelhos são os mesmos, é o mesmo espírito das lições de
Jesus: são os textos, como no-los referem os seus discípulos.
Donde sairia, portanto, o desprezo
do Evangelho? Cabe, agora, ao pastor, a vez de responder.
A segunda pergunta é esta:
"Porque Jesus admitiu
sofrimento sem culpa numa existência anterior (Evang. S. João 9:1-8) e o
Espiritismo dogmatiza que o sofrimento tem sua explicação nos mates cometidos
numa existência anterior.
Por mais que lêssemos e
examinássemos os versículos apontados, não vimos onde Jesus admite
"sofrimento sem culpa numa existência anterior" .
Dir-se-ia que o ilustre inquiridor
está escrevendo para quem não conhece as Escrituras ou não as pode adquirir.
O que o texto diz é o seguinte:
"E ao passar viu Jesus um
homem, que era cego de nascença, seus filhos lhe perguntaram: Mestre, que
pecado cometeu este homem ou cometeram seus pais, para que nascesse cego?
Respondeu-lhes Jesus: Nem ele pecou nem pecaram seus pais: isto assim é para
que nele se manifestem as obras do poder de Deus."
Quem nega ali a existência do
sofrimento anterior?
Os discípulos só se poderiam
referir à época presente, visto que nada conheciam de vidas pretéritas. Jesus
lhes respondeu conforme à pergunta que fizeram, isto é, que, naquela vida, nem
ele nem o pai pecaram.
As obras do poder de Deus podem
ser interpretadas de diversos modos, se é que foi precisamente assim que falou
Jesus.
Penso eu que estas obras seriam o
poder de sua justiça, que seguia o seu curso. Era a dívida contraída que se
saldava; era o final da expiação, - e tínhamos, então, nele, paciente,
verificadas as obras do Criador.
Essa interpretação tem a vantagem
de satisfazer a razão; por ela poderemos compreender a equidade de Deus. Por
isso é que os Espíritos vieram elucidar os Evangelhos. O que não se
compreenderia é que o Onipotente lançasse um cego no mundo, e o fizesse sofrer,
só para que, a folhas tantas, tivesse o inefável prazer de operar um milagre, e
mostrar aos discípulos, embasbacados, o seu formidando poder.
Esse procedimento estaria, por
certo, muito de acordo com as mentes enfatuadas e pueris dos tiranetes deste
mundo. Não se ajustaria, porém, à excelsa magnitude do Pai da Criação,
Isto posto, vamos à terceira
pergunta:
"3. Porque o Espiritismo
ensina a caridade, se ela atrasa o processo de purificação, por diminuir o
sofrimento do padecente?"
Permita S. R. que lhe faça outra
pergunta:
A cartilha, por onde reza o
eminente pastor, diz o seguinte:
"Pelo decreto de Deus e para a manifestação de sua glória, alguns homens
e alguns anjos são predestinados para a vida eterna e outros preordenados para
a morte eterna." (Confissão de Fé e os Catecismos
da Igreja Presbiteriana).
E mais:
"Segundo o inescrutável
conselho de sua própria vontade, pela qual ele concede ou recusa misericórdia,
como lhe apraz, para a glória do seu soberano poder sobre as suas criaturas, o
resto dos homens, para louvor de sua gloriosa justiça, foi Deus servido não
contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa dos seus pecados."
Das Sagradas Escrituras, conforme
as entende e traduz o douto pastor, transparece que Deus cega e endurece suas
criaturas, recusa-lhes a graça pela qual poderiam ser iluminadas em seus
entendimentos e movidas em seus corações; tira-Ihes, ainda, os dons que já
possuíam e as expõem a objetos que lhes propiciam os pecados; entrega-as às próprias
paixões, às tentações do mundo, ao poder de Satanás. E, assim, o Senhor,
enquanto emprega meios para o abrandamento de uns, trata de endurecer outros.
Tudo isto parece curial e deve ser
de uma grande justiça, diante do nosso digno contestante. Mas o que eu tinha a
perguntar era o seguinte: Se os indivíduos estão previamente fadados para a
vida eterna e para a morte eterna; se o que impera e dirige o mundo é o
arbítrio divino, que emprega meios para o abrandamento de uns e o endurecimento
de outros; se tudo está preordenado, predestinado, preestabelecido, que adianta
o pastoreio do eminente contraditor?
"Deus, para sua própria
glória, predestinou tudo que acontece, especialmente com referência aos anjos e
aos homens."
E ainda "para patentear sua gloriosa graça escolheu alguns
homens para a vida eterna e os meios para consegui-la, e deixou e predestinou
os mais à desonra e à ira." (O Catecismo Maior).
Entretanto continua o Sr. pastor o
santo apostolado de encaminhar as almas, de dirigir o rebanho, e, perseverante
no magistério, não se lembrou de que perde o tempo, visto que a vontade divina
é um imperativo contra o qual de nada valem os trabalhos, as canseiras, as
lutas do preclaro escritor.
Porque, ainda, faz uso da tribuna
e da pena, porque não esmorece no seu poder combativo, porque ataca
implacavelmente o Espiritismo, se lhe não cabe mover um grão de areia contra a
ordem estabelecida pela providência, pela previdência, pela presciência pela
vontade imutável do Criador?..
E enquanto fica o digno ministro
protestante de S. João da Boa Vista a refletir nestas perguntas, passo eu a
responder às suas.
A prescrição do Pai é que façamos
a caridade. O Cristo só indagará, quando tiver que colocar uns à direita e
outros à esquerda, se eles deram de comer, de beber, de vestir... Desse modo, o Espiritismo estabeleceu que
fora da Caridade não há salvação.
Os indivíduos, a quem estão
reservadas as provas, passarão por elas infalivelmente. Teremos que lhes
assistir ao sofrimento, de braços cruzados, como acontece agora diante das
desgraças que assolam o mundo. Parecem sob o ferro, o fogo, as inundações, pela
fome, pelo frio, pela tortura; passam por todas as dores possíveis, os nossos
pobres irmãos, nos quatro cantos da Terra. Que lhes podemos fazer? Não nos é
permitido minorar-lhes o sofrimento, anda que o queiramos. Cumpre-se, portanto,
a lei, sem os receios que afligem Sua Reverendíssima, - o de que se atrase o
processos de purificação.
A nossa caridade será, em alguns
dos casos, em pura perda. Se ela, porém, se perde em relação àquele que dela é
objeto, não se perderá nunca para quem a pratica.
É esta a principal razão da
caridade, pastor amigo. E aí tem elucidada a sua terceira pergunta. Veremos as
outras.
As perguntas de um Pastor – parte 2
Carlos Imbassahy
Reformador
(FEB) Fevereiro 1944
Estamos na 4ª pergunta do muito
digno reverendo Zaqueu de Melo, pastor de S. João da Boa Vista, em S. Paulo:
4ª - Porque há tantas revelações
de "Espíritos superiores", e o avanço da civilização não deve nada de
importante a essas pretensas revelações?"
Dois profundos enganos mostra
nesta simples pergunta o honrado pastor de S. João. O primeiro é o de supor que
o avanço da civilização tenha que ser ditado pelas revelações dos
"espíritos superiores"; e o segundo é de crer que nada de importante
se deva a essas "pretensas revelações".
De maneira que a prova da
imortalidade da alma que essas "pretensas revelações" nos trazem, não
tem importância nenhuma para o escritor, nem a civilização lucra qualquer coisa
com isto!
A convicção na vida do além
túmulo, a certeza da sobrevivência que é, para alguns filósofos e mesmo para
muitos cientistas, o maior problema de todos os tempos, a mais profunda e mais
séria das cogitações que jamais passaram pelo espírito humano, isso cá para o
pastor de S. João não vale nada, nada é para a civilização!
O Espiritismo procura, com a
demonstração de uma outra vida, e com a filosofia que a acompanha, regenerar a
humanidade, fazer-lhe ver as dores que os seus desregramentos acarretam,
norteá-la para o bem, conduzi-la para a felicidade. Certo de que toda a causa
má produzirá um mau efeito, convicto de que uma ação má produzirá fatal,
inexoravelmente um mau resultado, o pecador procurará emendar-se. Pois isto,
para o pastor, é uma ninharia.
Até hoje o Sr. pastor não provou
coisa nenhuma do que tem pregado, e entre as pregações se acham os dogmas da
existência de Deus, da vida post mortem, da imortalidade do ser, e muitos
outros. Estes princípios que ele ensina e outros que não ensina, mas que vêm
trazer uma formidável revolução no mundo moral, não têm a menor parcela de
importância para o Sr. pastor. Bagatelas! ...
*
Outro engano de S. R. - o de ver
no Espiritismo, ou em suas revelações, meios de avanços para a civilização.
Se ele veio trazer uma reforma
completa na parte espiritual, nada lhe compete -no que toca à material, a não
ser num ou noutro ponto, a fim de chamar a atenção dos homens para as coisas
transcendentais.
Não demonstrarei esses pontos por
não me prolongar demasiado.
Conhecesse o eminente
presbiteriano um pouco da doutrina que combate, e não faria aquela pergunta,
que é já por si uma prova de que, ignora o ensino dos Espíritos.
Ora, eles nos dizem que a Evolução
é regida por leis que a ninguém é dado obstar. Ela tem o seu ritmo, que não
pode ser modificado nem pelos humanos nem pelos Espíritos. Dentro daquelas
leis, o progresso tem que ser feito, paulatinamente, e por nosso esforço. Só
aos homens compete esse progresso; só deles depende. Se os Espíritos se
intrometessem nisso, se estivesse a seu cargo o avanço da civilização, se as
revelações fossem fautor desse avanço, lá se ia a Evolução, lá se iam as leis,
e, na torrente, afogar-se-ia o próprio Espiritismo, que, com as ditas
revelações desmentir-se-ia a si próprio.
Numa revista psíquica, já Ernesto
Bozzano estudou esse caso, visto que são muitos que o desconhecem. E assim
dizia o grande pensador:
“A evolução não poderia certamente realizar-se se os espíritos dos
defuntos se metessem indevidamente nos acontecimentos humanos, com o fim,
evidentemente altruístico mas errôneo, de poupar aos vivos o trabalho de
descobrimentos, conhecimentos científicos de toda a sorte. É claro que, se
assim fosse, essa intervenção imprudente constituiria desastrosa calamidade
para a evolução psíquica do gênero humano. Este, em lugar de progredir e
elevar-se espiritualmente, não tardaria a estagnar-se e a degenerar, terminando
numa raça reduzida a condições de idiotia e atrofia, em vista falta de
exercício das faculdades superiores, faculdades que a natureza tinha concedido
à espécie, sob a forma de germes divinos destinados a manifestar-se e evolver,
graças à sólida disciplina que se liga à luta pela vida, sob todas as formas."
"Bozzano, apresenta, ainda a respeito, várias
mensagens célebres, colhidas entre as melhores que nos tem aparecido. Uma delas
é a personalidade medianímica Julia, recebida pelo notável vulto que foi
William Stead; esclareceu Júlia:
“É me facultado predizer-vos,
eventualmente, acontecimentos futuros, a título de prova da minha presença, mas
transformar-me-ia para vós em calamidade, se me propusesse a sugerir-vos as
diretivas de vossa vida... Seria como se uma progenitora trouxesse sempre o
filho nos braços. Este jamais poderia aprender a caminhar... O fim da vida é
evocar e desenvolver o divino que reside em vós, e tal não sucederá se
abandonardes a outrem a tarefa de dirigir os vossos passos."
Apresentaremos outra mensagem,
esta extraída da obra As it is to be,
que tanto impressionou Gladstone:
"Sabei
que não estamos aqui para revelar aos vivos as leis da Natureza ou grandes
descobertas científicas, mas exclusivamente para transmitir-lhes as verdades
espirituais que eles não poderiam penetrar com os próprios recursos. Sabei que
Deus não tem a intenção de conceder aos vivos, como dons livremente outorgados,
os segredos da Natureza que a inteligência humana é capaz de penetrar pela pesquisa
e pelo estudo. No meio terreno, o que é necessário ao homem para elevar-se
espiritual e materialmente pode e deve ser posto em valor pelo próprio homem...
Seria insensato que os Espíritos
trabalhassem para reprimir e aniquilar, na humanidade, essas admiráveis
aspirações ao saber e ascensão espiritual que a tornam pouco inferior à
natureza angélica..."
Pascal Forthuny, respondendo a J.
Douglas, dizia:
"Temos o encargo de assegurar nosso progresso com a colaboração do Além,
mas o maior esforço nos pertence. É por nossa iniciativa, nosso labor, que
devemos ganhar nossas vitórias. Senão, seria muito fácil. Newton, Darwin e os
outros fariam tudo. Resolveriam todos os problemas, todas as dificuldades e nos
só a dizer: - Obrigado!.. Bastaríamos tomar o lápis e deixar correr a mão para
se ter a chave de todos os mistérios e a fórmula da panaceia. Não passaríamos
de bonecas articuladas, sem a obrigação de pensar, deduzir, criar; receberíamos
as rendas nos postigos do Além como foreiros muito resolvidos a nunca
trabalhar, nem nada arriscar. Não é isso, Mr. Douglas, o que quer o Criador... Se os Espíritos solucionassem todas as
dificuldades, esse mundo tornar-se-ia perfeito, e nunca se disse que a
perfeição é deste mundo. Todos os descobrimentos e aperfeiçoamentos virão à sua
hora, segundo a regra, e gradualmente.”
Já vê o honrado ministro da Igreja
Presbiteriana, que a questão, de há muito, já estava resolvida. E assim, à luz
da lógica, dos fatos e dos ensinos dos Espíritos fica esclarecida a sua 4ª
pergunta.
As perguntas de um Pastor
Carlos Imbassahy
Reformador
(FEB) Março 1944
Estamos, agora, na quinta pergunta
do digníssimo reverendo Zaqueu de MeIo, pastor de São João da Boa Vista, em S.
Paulo:
"5º - Se a memória é função
de uma mente imaterial, como se explica que o Espírito não tenha consciência de
suas experiências? Deus seria "um pai amoroso", pelo menos justo, em
tirar a consciência do crime e lançar no sofrimento o criminoso? Se o
sofrimento é corretivo, como explicar psicológica e eticamente essa correção,
sem consciência do erro cometido?"
Parece-nos desde logo, que S. R.
põe em dúvida que a memória seja função da mente imaterial. Não sabemos o que é
a memória ou como será a memória na sua cartilha. A condicional faz-nos supor
que tanto as santas almas dos justos como as indignas almas dos réprobos perdem
a memória do que lhes sucedeu na Terra. Dar-se-ia, assim, a mesma injustiça do
pai amoroso: os justos ficariam sem compreender porque estariam a gozar as
delícias do paraíso e os condenados porque estariam a sofrer as torturas do
inferno.
Não sabe o autor como se explica
percam os Espíritos a consciência de suas preexistências, sendo a memória
função da mente imaterial. Tirá-lo-ia da perplexidade qualquer manual que
tratasse da memória, ou mesmo um pouco de raciocínio sobre o que é essa
"função". Toda a gente sabe que a memória é susceptível de gradações,
que passa por modificações diversas, que aumenta ou diminui. É intensa em uns,
é, fraca em outros. Entorpece, gasta-se, obnubila-se. Enfraquece com a idade e
com as doenças e vai até seu completo desaparecimento. Faculdade do espírito,
sofre, entretanto, das condições da matéria. A matéria é o seu veículo, é o
meio por que se manifesta; perturba-se, portanto, de acordo com as deficiências
desse meio. Ninguém vê pelas janelas do quarto, mas com os próprios olhos. Se,
entretanto, elas não dão luz bastante, já pouco se vê; e o indivíduo chegará à
completa cegueira, se se fizer no quarto escuridão absoluta. Logo, porém, que
se descerrem as persianas, tudo volta à primitiva normalidade.
Assim é com a memória...
Constringida pelo cérebro, vai minguando à proporção que se lhe vão entupindo
os canais por onde se escoa e manifesta; retomada a liberdade, volta a
plenitude de suas forças. É isto o que se dá no mundo físico.
Essa liberdade da memória, plena,
integral, brilhante, é, ainda, privilégio de Espíritos superiores, porque,
mesmo fora do corpo, ela continua contrafeita, diminuída ou apagada, tais sejam
as nuvens que encubram o Espírito. O criminoso, a entidade coberta de culpas,
cobre-se de negrume; esse negrume envolve toda a entidade espiritual, de sorte
que a memória dele participa, e o infeliz vagueia no Espaço sem perceber a sua
situação, sem saber para onde vai, e, muitas vezes, o que foi; ignora, até, nos
casos mais graves, quem é; fica inteiramente esquecido de sua personalidade.
Como vê, o reverendo, nada há que
espantar em ter o reencarnado perdido a memória de suas vidas pretéritas, já
que nós não nos espantamos que o ser a perca na própria existência terrena,
Ora, se o indivíduo pode deslembrar-se do passado, simplesmente, porque lhe
envelheceu o cérebro, muito mais compreensível é a deslembrança, quando já não
se trata de um cérebro velho, mas de um cérebro desaparecido; quando há outro
cérebro, outras células, outro veículo...
Parece que fica explicado,
justificado ou esclarecido esse ponto do esquecimento das existências passadas.
Vamos a outro.
Malgré tout, (não
obstante) e como para demonstrar que
a memória é do Espírito, e que a reencarnação é um fato, quaisquer que sejam as
noções que as cartilhas religiosas nos ministrem, existe a inesgotável série
dos fenômenos psíquicos, que nos estão a trazer, todos os dias, as mais
sensacionais revelações.
Elas nos chegam pelos cinco sentidos conhecidos, ou pelo 6º, de
que nos fala Richet, pelos caminhos normais, ou anormais; pelas sensações de
toda a ordem. Às vezes, na simples meditação, abrem-se rasgões em nosso
entendimento, e por eles penetra a luz do passado; nos sonhos, nessas viagens
do Espírito, recebemos inúmeros quadros; os desencarnados nos fazem ver as
culpas que tivemos, e diante delas, fácil nos é perceber as provas por que
passamos. É muito comum àqueles que estudam estes assuntos terem inesperados
esclarecimentos por médium, que não nos conhece, aponta-nos o Espírito grande
número de faltas cometidas, seja por exemplo, a da impiedade, do egoísmo, do
vício, do adultério... E então, o indivíduo que sofre pela maldade ou pelo
egoísmo dos outros, que tem o físico depauperado, que foi enganado no lar,
compreende que está passando pelas dores que fez o semelhante curtir. É a lei
de causas e efeito.
Como se não bastassem essas
provas, há outras muito comuns, - da criança que se lembra da vida anterior, e
diz a casa em que viveu, os lugares em que esteve, os parentes que possuiu, os
acontecimentos que lhe sobrevieram, e tudo se descobre como absolutamente
exato.
Há as recordações repentinas, à
vista de uma pessoa ou de um lugar. É o que se conhece em ciência sem
explicação plausível, pelo nome de já visto; já sentido, já percebido... Até
línguas estranhas são mencionadas, pondo-se o indivíduo a falar nas mesmas, sem
nunca as ter aprendido.
É conhecido o fato de certos
viandantes se lembrarem instantaneamente de regiões que estão visitando e onde
nunca estiveram, e vão descrevendo as paisagens, as situações, as minudências,
antes de lá chegarem, numa antevisão que os outros não compreendem, nem ele
sabe explicar.
Há mais as provas experimentais da
regressão da memória, a que se dedicam os psiquistas modernos, e das quais as
mais célebres, ou, pelo menos, as mais conhecidas, são as do eminente
engenheiro Rochas...
Há, ainda, as justificações de
ordem moral e intelectual, como as razões da imensa variedade da sorte humana,
como o fato da genialidade, do aprendizado fácil ou difícil, da maior ou menor
aptidão às artes, à filosofia, à ciência, aos misteres manuais, aos ofícios...
Há as simpatias e antipatias
inexplicáveis pelo nosso senso comum; há as afinidades, o prazer ou desprazer
na convivência de certas pessoas, sem que haja motivo apreciável para isso.
São fatos, senhor Pastor, diante
dos quais a nossa razão se inclina e contra os quais de nada valem os textos.
Não são eles, os fatos, que devem desaparecer diante dos nossos postulados, nem
diante das nossas frágeis construções, mas estas é que cederão o passo àqueles.
É inútil levantar preceitos, se a natureza os está a desmentir.
Nada mais teria a acrescentar,
visto que os nossos fundamentos, movediços, instáveis, não podem resistir à
demonstração cientifica. E o pensador, o filósofo, o estudioso terá que ser
levado para onde o dirigirem os fatos. Só a intolerância religiosa, senão o
fanatismo, é que poderão ficar emperrados, a lutar contra a correnteza, que a
civilização e os conhecimentos vão avolumando cada vez mais.
O reverendo, porém, diz que o pai
amoroso não seria justo em nos tirar a consciência do crime; nem Sua Senhoria
sabe como se explica, psicológica e eticamente, uma correção, sem aquela
consciência.
Interessante essa dúvida em quem
subscreve o dogma da predestinação. Não se sabe como um pai amoroso castigaria
sem a consciência do crime, no delinquente; mas compreende-se que ele crie umas
tantas almas, de antemão fadadas ao inferno. Aqui, sim, é que se percebe a
amorosidade do Pai!
No sofrimento humano, como o
entendem os espiritistas, há uma razão. Com consciência ou sem consciência
atual, o indivíduo a tinha quando praticou o delito. Houve um delito, cuja
falta se expunge pela dor. Na cartilha protestante, não houve delito nenhum. O
cidadão sofre sem saber porque; não cometeu falta, não cometeu pecado, não
cometeu causa que lhe justificasse as angústias. Mas sofre. Sua dor é
incompreensível, é injustificável; não se lhe imputa qualquer causa. Puro
regime do arbítrio, ou duras consequências do acaso.
Pois isto é que claríssimo para o
nosso antagonista este sofrimento sem motivo é que nos demonstra como é amoroso
o Pai. Diante daquele sofrimento sem motivo fica tudo ética e psicologicamente
explicado! ...
*
Teria alguém se lembrado, algum
dia, de tirar o criminoso da cadeia porque se esquecera ele do crime que
praticou?
Provavelmente, ainda ninguém se
lembrou disso, o que deve ser uma lamentável lacuna na nossa legislação penal.
O que convém, porém, se diga, para
maior explicação do caso, é que o sofrimento é processo de evolução, e não é
injusto, porque nasce de uma lei justa, a da falta do sofredor.
O Pai não tem em vista punir,
senão melhorar. Não sabemos porque escolheu esse processo, mas o que não pode
restar dúvida aos que não perderam o senso filosófico, é que há mais bondade,
há uma bondade infinitamente maior no sofrimento que resgata, do que nas chamas
inapagáveis que devoram o desgraçado, na maior das angústias, e isso por toda a
Eternidade!..
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