Mistério Simples
Como pode a luz
sublime mesclar-se de sombras tenebrosas? ou a celeste harmonia de sons desajustados
e confusos? ou a nobreza diluir-se em felonia? ou o amor se pintalgar de ódios?
Não sei. Mas,
porque será que o coração humano junta ternura com revoltas, carinhos com ciúmes, amor elevado com rudezas insensatas?
Tal como um
diamante precioso cercado de gangas Impuras e enfeantes, ele palpita e vibra,
oscilando, qual pêndulo singular entre incompreensíveis paradoxos, como se a dança
dos extremos mais chocantes lhe fosse o clima natural, ande se pudesse ele
movimentar sem mais percalços nem cuidados.
Nobre vilão, tão
pronto ao amor, quão dado à raiva; tão disposta a sofrer ou a torturar: tão fortemente frágil, quão, na sua fraqueza, resistente: - quem
te pode penetrar nos íntimos arcanos, ó mistério que se dá e se recolhe, que se
vela e que se mostra, num mentiroso caleidoscópio de verdades indefiníveis ou num irretratável suceder
de loucas ilusões?
Coração humano!
Misto imponderável de antagonismos indevassáveis e profundos: como podes, sendo
anjo de trevas; seres, ao mesmo tempo, um demônio de luz?
Tens em ti o
radiar excelso dos formosos paraísos, e guardas, no absconso de teus imos, as chamas enrubescidas dos orcos de insânia e fel!...
E, todavia, és um
mistério simples, tão simples e singelo como uma verdade imperfeita ou como um
sonho incompleto...
És claro, tão
claro como o leito dum córrego límpido a deslizar mansamente pela relva...
E és cioso e
inconstante como a "Rosa dos Ventos", que se volve para o Sul ou para
o Norte, para o Oriente ou para a Oeste, ao sabor das virações... '
Do mesmo modo que
as velas dum saveiro às quais a aragem marinha enfuna ou deixa murchas, também
tu, coração, te fremes de entusiasmo ou te emudeces de frieza, te exalças de vibração
ou te entorpeces de langor, tais sejam os sopros dos psiques que te bafejam as
cordas da lira sensorial!
Por isso, ante as
canções que te louvam e os libelos que te acusam, eu te contemplo, no silêncio do meu sorriso triste e na melancólica expressão do meu
olhar, porque eu sei, coração, que não és bom nem mau, nem anjo, nem demônio: -
és apenas uma harpa delicada e caprichosa, que emite sons de odes ou de
elegias, de júbilo ou de dor, ao toque dos dedos que a tangem, nos transportes
da emoção ...
Hernani T. Sant’Anna
in
“Reformador” (FEB) Abril 1950
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