Da
Mediunidade
dos
Animais
Podem os animais ser médiuns? Muitas
vezes tem sido formulada esta pergunta, à qual parece que alguns fatos
respondem afirmativamente. O que, sobretudo, tem autorizado a opinião dos que
pensam assim são os notáveis sinais de inteligência de alguns pássaros, que,
educados, parecem adivinhar o pensamento e tiram de um maço de cartas as que
podem responder com exatidão a uma pergunta feita. Observamos com especial
atenção tais experiências
e o que mais admiramos foi a arte que houve de ser empregada para a instrução
dos ditos pássaros.
Incontestavelmente, não se lhes pode
recusar uma certa dose de inteligência relativa, mas preciso se torna convir em
que, nesta circunstância, a perspicácia deles ultrapassaria de muito a do homem,
pois ninguém há que possa lisonjear-se de fazer o que eles fazem. Fora mesmo
necessário supor-lhes, para algumas experiências, um dom de segunda vista superior aos dos
sonâmbulos mais lúcidos. Sabe-se, com efeito, que a lucidez é essencialmente
variável e sujeita a frequentes intermitências, ao passo que nesses animais
seria permanente e funcionaria com uma regularidade e uma precisão que em
nenhum sonâmbulo se veem. Numa palavra: ela nunca lhes faltaria.
Na sua maior parte, as experiências
que presenciamos são da natureza das que fazem os prestidigitadores e não
podiam deixar-nos em dúvida sobre o emprego de alguns dos meios de que usam estes,
notadamente o das cartas forçadas. A arte da prestidigitação consiste em
dissimular esses meios, sem o que o efeito não teria graça. Todavia, o fenômeno,
mesmo reduzido a estas proporções, não se apresenta menos interessante e há
sempre que admirar o talento do instrutor, tanto quanto a inteligência do
aluno, pois que a dificuldade a vencer é
bem maior do que seria se o pássaro agisse apenas em virtude de suas próprias
faculdades. Ora, levá-lo a fazer coisas que excedem o limite do possível para a
inteligência humana é provar, por este simples fato, o emprego de um processo
secreto. Aliás, há uma circunstância que jamais deixa de verificar-se: a de que
os pássaros só chegam a tal grau de habilidade, ao cabo de certo tempo e mediante
cuidados especiais e perseverantes, o que não seria necessário, se apenas a
inteligência deles estivesse em jogo. Não é mais extraordinário educá-los para
tirar cartas, do que os habituar a repetir árias, ou palavras.
O mesmo se verificou, quando a
prestidigitação pretendeu imitar a segunda vista. Obrigava-se o paciente a ir
ao extremo, para que a ilusão durasse longo tempo. Desde a primeira vez que
assistimos a uma sessão deste gênero, nada mais vimos do que muito imperfeita
imitação do sonambulismo, revelando ignorância das condições essenciais dessa faculdade.
Como quer que seja, no tocante às
experiências de que acima falamos, não menos integral permanece, de um outro
ponto de vista, a questão principal, por isso que, assim como a imitação do sonambulismo
não obsta a que a faculdade exista, também a imitação da mediunidade por meio
dos pássaros nada prova contra a possibilidade da existência, neles, ou em
outros animais, de uma faculdade análoga.
Trata-se, pois, de saber se os
animais são aptos, como os homens, a servir de intermediários aos Espíritos,
para suas comunicações inteligentes. Muito lógico parece mesmo se suponha que
um ser vivo, dotado de certa dose de inteligência, seja mais apto, para esse
efeito, do que um corpo inerte, sem vitalidade, qual, por exemplo, uma mesa. É,
entretanto, o que não se dá.
A questão da mediunidade dos animais
se acha completamente resolvida na dissertação seguinte, feita por um Espírito
cuja profundeza e sagacidade os leitores hão podido apreciar nas citações, que temos
tido ocasião de fazer, de instruções suas.
Esta comunicação deu-a ele em
seguida a uma discussão, que se travara, sobre o assunto, na Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas.
- "Explanarei hoje a questão da mediunidade dos animais, levantada e
sustentada por um dos vossos mais fervorosos adeptos. Pretende ele, em virtude
deste axioma: Quem pode o mais, pode o menos, que podemos
"mediunizar" os pássaros e os outros animais e servir-nos deles nas
nossas comunicações com a espécie humana. É' o que chamais, em Filosofia, ou,
antes, em Lógica, pura e simplesmente um sofisma. "Podeis animar, diz ele,
a matéria inerte, isto é, uma mesa, uma cadeira, um piano; a fortiori, deveis
poder animar a matéria já animada e particularmente pássaros" .. Pois bem!
no estado normal do Espiritismo, não é assim, não pode ser assim.
"Primeiramente, entendamo-nos
bem acerca dos fatos. Que é um médium? É o ser, é o indivíduo que serve de
traço de união aos Espíritos, para que Estes possam comunicar-se facilmente com
os homens: Espíritos encarnados. Por conseguinte, sem médium, não há
comunicações tangíveis, mentais, escritas, físicas, de qualquer natureza que
seja.
"Há
um princípio que, estou certo, todos os espíritas admitem, é que os semelhantes
atuam com seus semelhantes. Ora. quais são os semelhantes dos Espíritos, senão
os Espíritos, encarnados ou não? Será preciso que vo-lo repitamos
incessantemente? Pois bem! repeti-lo-eí ainda: o vosso perispírito e o nosso
procedem do mesmo meio, são de natureza idêntica, são, numa palavra,
semelhantes. Possuem uma propriedade de assimilação mais ou menos vigorosa, que
nos permite a nós, Espíritos desencarnados e encarnados, pormo-nos muito pronta
e facilmente em comunicação. Enfim, o que é peculiar aos médiuns, o que é da
essência mesma da individualidade deles, é uma afinidade especial, e ao mesmo
tempo, uma força de expansão particular, que lhes suprimem toda refratariedade
e estabelecem, entre eles e nós, uma espécie de corrente, uma espécie de fusão,
que nos facilita as comunicações. É, em suma, essa
refratariedade da matéria que se opõe ao desenvolvimento da mediunidade, na
maior parte dos que não são médiuns.
"Os homens se mostram sempre
propensos a tudo exagerar; uns, não falo aqui dos materialistas, negam alma aos
animais, outros de boamente lhes atribuem uma, igual, por assim dizer, à nossa.
Porque hão de pretender deste modo confundir o perfectível com o imperfectível?
Não, não, convencei--vos, o fogo que anima os irracionais, o sopro que os faz
agir, mover e falar na linguagem que lhes é própria, não tem, quanto ao
presente, nenhuma aptidão
para se mesclar, unir, fundir com o sopro divino, a alma etérea, o Espírito,
numa palavra, que anima o ser essencialmente perfectível: o homem, o rei da
criação. Ora, não é essa condição fundamental de perfectibilidade o que
constitui a superioridade da espécie humana sobre as outras espécies
terrestres? Reconhecei, então, que não se pode assimilar ao homem, que só ele é
perfectível em si mesmo e nas suas obras, nenhum indivíduo das outras raças que
vivem na Terra.
II
Podem os animais ser médiuns? Concluímos,
hoje, o estudo feito, da questão, por um Espírito de muita luz:
"O
cão que, pela sua inteligência superior entre os animais, se tornou o amigo e o
comensal do homem, será perfectível, por si mesmo, por sua iniciativa pessoal ?
Ninguém ousaria afirmá-lo, porquanto o cão não faz progredir o cão. O que, dentre
eles, se mostre melhor educado, sempre o foi pelo seu dono. Desde que o mundo é
mundo, a lontra sempre construiu sua choça em cima d’água, seguindo as mesmas
proporções e uma regra invariável; os rouxinóis e as
andorinhas jamais construíram os respectivos ninhos senão do mesmo modo que
seus pais o fizeram. Um ninho de pardais de antes do dilúvio, como um ninho de
pardais dos tempos modernos, é sempre um ninho de pardais, edificado nas mesmas
condições e com o mesmo sistema de entrelaçamento das palhinhas e dos
fragmentos apanhados na época dos amores. As abelhas e formigas, que formam
pequeninas repúblicas bem administradas, jamais mudaram seus hábitos de abastecimento,
sua maneira de proceder, seus costumes, suas produções. A aranha, finalmente,
tece a sua teia sempre do mesmo modo.
"Por
outro lado, se procurardes as cabanas de folhagens e as tendas das primeiras
idades do mundo, encontrareis, em lugar de umas e outras, os palácios e os
castelos da civilização moderna. Às Vestes de peles brutas sucederam os tecidos
de ouro e sEda , Enfim, a cada passo, achais a prova da marcha incessante da
Humanidade pela senda do progresso.
"Desse
progredir constante, invencível, irrecusável, do espírito humano e desse
estacionamento indefinido das outras espécies animais haveis de concluir comigo
que, se é certo que existem princípios comuns a tudo o que vive e se move na Terra:
o sopro e a matéria, não estais submetidos à inevitável lei do progresso, que
vos impele fatalmente para diante e sempre para diante. Deus colocou os animais
ao vosso lado como auxiliares para vos alimentarem,
para vos vestirem, para vos secundarem. Deu-lhes uma certa dose de
inteligência, porque, para vos ajudarem, precisavam compreender, porém lhes
outorgou inteligência apenas proporcionada aos serviços que são chamados a
prestar. Mas, em sua
sabedoria, não quis que estivessem sujeitos à mesma lei do progresso. Tais como
foram criados se conservaram e se conservarão até à extinção de suas raças.
"Dizem: os Espíritos
"mediunizam" a matéria inerte e fazem que se movam cadeiras, mesas,
pianos. Fazem que se movam, sim, "mediunizam", não! porquanto, mais
uma vez o digo, sem médium, nenhum desses fenômenos pode produzir-se. Que há de
extraordinário em que, com o auxilio de um ou de muitos médiuns, façamos se
mova a matéria inerte, passiva, que, precisamente em virtude da sua
passividade, da sua inércia, é apropriada a executar os movimentos e as
impulsões que lhe queiramos imprimir? Para isso, precisamos de médiuns, é
positivo; mas, não é necessário que o médium esteja presente, ou seja
consciente, pois que podemos atuar com os elementos que ele nos fornece, a seu
mau grado e ausente, sobretudo para produzir os fatos de tangibilidade e o de
transportes. O nosso envoltório fluídico, mais Imponderável e mais sutil do que
o mais sutil e o mais imponderável dos vossos gases, com uma propriedade de
expansão e de penetrabilidade inapreciável para os vossos sentidos
grosseiros e quase inexplicável para vós, unindo-se, casando-se, com o
envoltório fluídico, porém animalizado, do médium, nos permite imprimir movimento
a móveis quaisquer e até quebrá-los em aposentos desabitados.
"É
certo que os Espíritos podem tornar-se visíveis e tangíveis aos animais e,
muitas vezes, o terror súbito que eles denotam, sem que lhe percebais a causa,
é determinado pela visão de um ou de muitos Espíritos, mal intencionados com relação
aos indivíduos presentes, ou com relação aos donos dos animais. Ainda com mais frequência
vedes cavalos que se negam a avançar e a recuar, ou que empinam diante de um
obstáculo imaginário. Pois bem! tende como certo que o obstáculo imaginário é
quase sempre um Espírito, ou um grupo de Espíritos que se comprazem em impedi-los
de mover-se. Lembrai-vos da mula de Balaão que, vendo um anjo
diante de si e temendo-lhe a espada flamejante, se obstinava em não dar um passo.
É que, antes de se manifestar visivelmente a Balaão, o anjo quisera tornar-se
visível somente para o animal. Mas, repito, não mediunizamos diretamente nem os
animais, nem a matéria inerte. É nos sempre necessário o concurso consciente,
ou inconsciente, de um médium humano, porque precisamos da união de fluidos similares,
o que não achamos nem nos animais,
nem na matéria bruta.
"O
Sr. T ... , diz-se, magnetizou o seu cão. A que resultado chegou? Matou-o, porquanto
o infeliz animal morreu, depois de haver caído numa espécie de atonia, de
langor, consequentes à sua magnetização. Com efeito, inundando-o de um fluido
haurido numa essência superior, agindo sobre o animal à semelhança do raio,
ainda que mais lentamente. Assim, pois, como
não há assimilação possível entre o nosso perispírito e o envoltório fluídico
dos animais propriamente ditos, aniquila-los-íamos instantaneamente, se os
mediunizássemos.
"Isto posto, reconheço perfeitamente que há nos animais aptidões
diversas; que certos sentimentos, certas paixões, idênticas às paixões e aos
sentimentos humanos, se desenvolvem neles; que são sensíveis e reconhecidos,
vingativos e odientos, conforme se procede bem ou mal com eles. É que Deus, que
nada fez incompleto, deu aos animais, companheiros ou servidores do homem,
qualidades de sociabilidade, que faltam inteiramente aos animais selvagens,
habitantes das solidões. Mas, daí a poderem servir de intermediários para a
transmissão do pensamento dos Espíritos, há um abismo: a diferença das
naturezas".
"Sabeis
que tomamos ao cérebro do médium os elementos necessários a dar ao nosso
pensamento uma forma que vos seja sensível e apreensível; é com o auxílio dos
materiais que possui, que o médium traduz o nosso pensamento em linguagem vulgar.
Ora bem! que elementos encontraríamos no cérebro de um animal? Tem ele ali
palavras, números, letras, sinais quaisquer, semelhantes aos que existem no homem, mesmo o menos inteligente? Entretanto, direis,
os animais compreendem o pensamento do homem, adivinham-no até. Sim, os animais
educados compreendem certos pensamentos, mas já os vistes alguma vez reproduzi-los?
Não. Deveis então concluir que os animais não vos podem servir de intérpretes.
"Resumindo:
os fatos mediúnicos não podem dar-se sem o concurso consciente, ou
inconsciente, dos médiuns e somente entre os encarnados, Espíritos como nós,
podemos encontrar os que nos sirvam de médiuns. Quanto a educar cães, pássaros,
ou outros animais, para fazerem tais ou tais exercícios, é trabalho vosso e não
nosso."
Erasto
NOTA - Na '«Revue Spirite", de setembro de 1861, encontra-se, detalhado,
um processo empregado pelos educadores de pássaros sábios, com o fim de faze-los
tirar de um maço de cartas as que se queiram.
Allan
Kardec
O
Livro dos Médiuns
- Edição
1937, págs . 297/305, cap. XXII).
in ‘Reformador’ (FEB) Jun-Jul 1945
Nenhum comentário:
Postar um comentário