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Julieta Durand, que faz objeto do
caso nº 11, é uma mocinha de 16 anos (1905) que, para ganhar a vida, tem
servido como modelo de pintores e escultores: destituída de instrução, sabe
apenas ler e escrever e nunca ouviu falar de magnetismo nem de Espiritismo.
Submetida às experiências do Sr. de
Rochas, a primeira em 31 de julho de 1905 e as subsequentes em agosto e
setembro, apresentou não somente o fenômeno de regressão da memória, como o da
antevisão do futuro, ou precognição, de que em seguida nos ocuparemos.
Eis o que, na 1ª sessão, a 11 de
agosto, obteve o experimentador:
"Adormeço Julieta mediante passes longitudinais e
a conduzo rapidamente e a ocasião de seu nascimento, sem sugestão, limitando-me
a perguntar-lhe de quando em quando que idade tem nesse momento.
"Continuando os passes
longitudinais, observo que ela muda de personalidade. Já não está no corpo
carnal ; vive numa semiobscuridade e não sofre. Vê espíritos luminosos, mas não
tem permissão de lhes falar Fora um homem, que se chamava Francisque Bonnabry,
morto há muito tempo, e se conserva quase indiferente à sorte dos que deixara
na terra: “Seus sofrimentos - diz - são
necessários e de tão pouca duração relativamente à eternidade!"
Na sessão imediata o Sr. de Rochas
trata de obter maiores informações dessa personalidade:
"Esse Bonnabry - diz ele - é belga. Tinha 32 anos,
em 1818, estava casado e trabalhava em Angoulême como tipógrafo. Assina o nome
sem hesitação (1). Três anos depois, em 1821, separa-se de sua mulher, porque
esta procedia mal, com o que ele se mostra extremante triste. Morre aos 45 anos
(em 1831), de uma
moléstia do coração. Separou-se do corpo físico sem muita dificuldade; a saída
do corpo astral se efetuou pela cabeça. Acompanhou seu próprio enterro e
reconheceu as pessoas que a ele assistiam. As orações do padre lhe fizeram bem;
a água benta enxotou os maus espíritos; não notou, entretanto, o muro fluídico
que produz o padre andando em torno do esquife, na igreja."
(1) Na ob. cit. vem a págs. 220 o fac-símile dessa assinatura.
E o Sr. de Rochas observa, em nota:
"Esse muro fluídico é visto por outros sensitivos,
e eu esperava uma resposta afirmativa de Julieta, quando a interroguei a tal
respeito. Daí se pode concluir que ela não leu meu pensamento; ao demais,
muitas vezes me advertia com vivacidade, quando, por minhas interrogações, eu
mostrava ter esquecido ou mal compreendido,
uma particularidade relativa a qualquer de suas personalidades
sucessivas."
Na sessão matinal de 3 de setembro
(foram efetuadas duas, uma pela manhã e outra à tarde), são obtidos novos
pormenores.
"Bonnabry - diz o Sr. de Rochas - não é belga, como
eu o supunha, é apenas de origem belga; sua mãe
é que é dessa nacionalidade . Quanto a ele, não sabe em que lugar
nasceu, dada a existência nômade de sua mãe, que era cantora. Aos 18 anos, estava
com ela em Angoulême, para a temporada teatral. Um dia o conduziu
ela à estação, com um senhor; no momento de partir, o enviaram a dar um recado.
Quando voltou, já não achou ninguém, e não tornou depois a ter notícias de sua
mãe. Abandonado e só, tratou ele se sair da dificuldade e entrou como aprendiz numa
tipografia."
Prosseguindo o recuo para o passado,
o sensitivo é transportado aos 10 anos e, depois de um pormenor sem importância,
acrescenta o narrador:
"Continuo os passes adormecedores. Francisque está
no seio de sua mãe: o corpo, mas não a alma.
"Continuação dos mesmos passes;
aparição de uma nova personalidade: a de uma criança morta em tenra idade .
Está na obscuridade, porque, antes de ter sido essa criança, tivera como mulher
uma longa existência, em que procedera mal e havia abandonado os filhos e o
marido (1). 'Repele com desgosto essas recordações que a fazem sofrer."
(1) Por indemonstrada que se queira considerar, no
ponto de vista rigorosamente científico, essa pequena série de existências, à
mingua de uma comprovação, que não foi satisfatoriamente obtida, de tais
personalidades, se se aproximar contudo a vida dessa mulher e, sobretudo, o
abandono do marido e dos filhos da existência de Bonnabry, a seu turno pela
própria mãe abandonado em Angoulâme, não se terá aí um exemplo de expiação, em
que o espírito culpado sofre, em subsequente encarnação, o mesmo que fizera
sofrer aos outros?
E se atendermos a que o sensitivo, ignorante do
Espiritismo, desconhecer a lei que preside a tais expiações, não será forçoso reconhecermos
que a espontaneidade do seu testemunho adquire, por isso, um
singular valor?
Relativamente ao passado são essas
as indicações fornecidas pelo sensitivo. Quanto ao futuro, não é menos interessante
o seu depoimento, de que, todavia, mencionaremos apenas as circunstâncias de
maior relevo.
Assim, por exemplo, na 6ª sessão,
efetuada a 25 de agosto, o Sr. de Rochas, depois da antevisão de alguns sucessos
nos primeiros anos mais próximos (em grande parte - é certo - não realizados),
consegue levar o sensitivo ao limite extremo desta vida.
"A continuação dos passes transversais - descreve
ele - a conduz aos 22 anos: está em Nice; apanhou um golpe de ar, posando;
tosse muito e já não pode mais posar.
"Sob a influência dos mesmos
passes, envelhece ainda; sua fisionomia exprime sofrimento; sacodem-na violentos
acessos de tosse; tão triste e tão resignada é a sua atitude que a todos nos
comove. Por fim, morre: a cabeça lhe pende sobre o ombro; descaem-lhe inertes
os membros.
Mais alguns passes e me pode então
responder – Morreu aos anos (1914); o corpo astral se desprendeu do corpo físico
rapidamente e sem sofrimento . Recorda-se de haver sido Julieta, que se
conservou sempre virtuosa. Antes fora um homem, morto ainda moço, Um rapaz também
honrado, que sofreu bastante durante a vida, porque tinha sido precedentemente
uma mulher má."
Na sessão de 3 de setembro, à tarde,
a visão daquele desenlace é confirmada, com uma circunstância, que seria perturbadora
para qualquer outro que não encarasse, como o Sr. de Rochas, com inteira
serenidade esse fenômeno da morte, quando nos diz respeito.
Eis como o descreve ele:
"Alguns passes transversais
ainda, e Julieta morre. A cabeça lhe descai sobre o ombro e os membros ficam inertes.
A sensibilidade já não existe em volta do corpo e se acha localizada acima da
cabeça.
"Continuação dos mesmos passes
e depois novo interrogatório.
"Ela se sente feliz por estar
morta; não sofre e não está na obscuridade. Recorda-se dos que foram bons para
ela, especialmente do coronel de Rochas, que morrera dois anos depois dela (em
1916), de uma moléstia de que sofria há muito tempo, (1)."
(1) O Sr. de Rochas, como já tivemos
ocasião de assinalar, desencarnou, com efeito, mas em setembro de 1914, com uma
antecipação, portanto, de dois anos. Essa divergência de data não destrói, contudo,
o fato. Quanto ao sensitivo, ignoramos se teria desencarnado antes. De todo
modo, a antevisão é curiosa.
Mais interessante, porém, que essa
visão a curto prazo é a de uma futura encarnação
em que o Sr. de Rochas a faz penetrar, assim descrita:
"Continuo os passes transversais e verifico que a
sensibilidade se restabelece em torno do corpo . No momento em que me detenho
para a interrogar, ela está reencarnada no corpo de um rapazinho muito piedoso.
Depois esse rapazinho entra para o seminário .
Pergunto-lhe se acredita no céu e no inferno, tais
como lh’o ensinam; responde, sorrindo, que não é isso exatamente. Comprimo o
ponto da memória sonambúlica, no meio da fronte, para que se recorde de suas anteriores
existências; sorri de novo, fazendo, com a cabeça, um sinal de aprovação."
E na sessão imediata (13 de setembro),
vem a ampliação dessa personalidade:
"Continuo - diz o experimentador
- a marcha para o futuro, pelo processo ordinário. Enfermidade em Nice; tosse dilacerante, morte.
Alegria, por se ter libertado da vida. Pagou a dívida resultante de suas
faltas; resta-lhe progredir intelectualmente. Reencarna-se em uma família
abastada e chama-se Emilio Chaumette. Sua mãe morre, ao dá-lo à luz. Seu pai é
proprietário de uma importante fábrica de telhas e reside, no campo, em uma
linda casa. Ele, Emílio, nutre desde a infância o desejo de se fazer padre .
Entra para o grande seminário, e pouco depois de sua saída: em 1904, é nomeado
vigário no Havre . Não acredita rigorosamente em tudo o que ensina; isso,
porém, é suficiente ao maior número. Continua-se ainda sob a República, mas as relações
entre a Igreja e o Estado se têm várias vezes modificado desde o começo do
século. Peço-lhe que escreva seu nome; encara-me com um ar inquieto: "Para
quê?" - É que eu me dedico a estudar as relações que podem existir entre a
escrita e o caráter.
"Resolve-se então, mas tem
muita dificuldade em escrever: "- É,
engraçado; não me lembro mais como se fazem as letras maiúsculas." Por
fim, depois de dois ensaios que inutiliza, me dá a assinatura (1).
(1) Reproduzida em fac-símile na mencionada
obra, págs. 228.
"Conversando com a
personalidade Chaumette, tomo amistosamente Julieta pela cintura, como o faço muitas
vezes quando estou satisfeito com as suas respostas, demonstração afetuosa que ela
acolhe sempre com prazer. Agora o caso é diferente: levanta-se bruscamente, com
um ar severo: "Que modos singulares! Ao demais,
preciso sair; tenho que dizer a missa."
“Detenho-a mediante passes
longitudinais e a reconduzo ao estado normal. "
Qualquer que seja o grau de crédito
que se deva prestar a tais revelações, ou por incerta que se possa considerar a
sua realização, julgamos dever aqui reproduzir, a título de curiosidade, esse fenômeno
de precognição, cujas particularidades o futuro se encarregara de confirmar ou
destruir, antes de prosseguirmos na enumeração de mais dois últimos casos,
dentre os de regressão da memória observados pelo coronel de Rochas e com os
quais nos temos proposto ilustrar a tese relativa à pluralidade de existências.
Escolheremos assim os que se referem
às Sras Caro e Trinchani (nº 15 e 16), como dos mais interessantes.
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