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sexta-feira, 20 de julho de 2012

41. 'Doutrina e Prática do Espiritismo'




                                                                            41  ***


            Julieta Durand, que faz objeto do caso nº 11, é uma mocinha de 16 anos (1905) que, para ganhar a vida, tem servido como modelo de pintores e escultores: destituída de instrução, sabe apenas ler e escrever e nunca ouviu falar de magnetismo nem de Espiritismo.

            Submetida às experiências do Sr. de Rochas, a primeira em 31 de julho de 1905 e as subsequentes em agosto e setembro, apresentou não somente o fenômeno de regressão da memória, como o da antevisão do futuro, ou precognição, de que em seguida nos ocuparemos.

            Eis o que, na 1ª sessão, a 11 de agosto, obteve o experimentador:

            "Adormeço Julieta mediante passes longitudinais e a conduzo rapidamente e a ocasião de seu nascimento, sem sugestão, limitando-me a perguntar-lhe de quando em quando que idade tem nesse momento.

            "Continuando os passes longitudinais, observo que ela muda de personalidade. Já não está no corpo carnal ; vive numa semiobscuridade e não sofre. Vê espíritos luminosos, mas não tem permissão de lhes falar Fora um homem, que se chamava Francisque Bonnabry, morto há muito tempo, e se conserva quase indiferente à sorte dos que deixara na terra:  “Seus sofrimentos - diz - são necessários e de tão pouca duração relativamente à eternidade!"

            Na sessão imediata o Sr. de Rochas trata de obter maiores informações dessa personalidade:

            "Esse Bonnabry - diz ele - é belga. Tinha 32 anos, em 1818, estava casado e trabalhava em Angoulême como tipógrafo. Assina o nome sem hesitação (1). Três anos depois, em 1821, separa-se de sua mulher, porque esta procedia mal, com o que ele se mostra extremante triste. Morre aos 45 anos (em 1831), de uma moléstia do coração. Separou-se do corpo físico sem muita dificuldade; a saída do corpo astral se efetuou pela cabeça. Acompanhou seu próprio enterro e reconheceu as pessoas que a ele assistiam. As orações do padre lhe fizeram bem; a água benta enxotou os maus espíritos; não notou, entretanto, o muro fluídico que produz o padre andando em torno do esquife, na igreja."

            (1) Na ob. cit. vem a págs. 220 o fac-símile dessa assinatura.

            E o Sr. de Rochas observa, em nota:

            "Esse muro fluídico é visto por outros sensitivos, e eu esperava uma resposta afirmativa de Julieta, quando a interroguei a tal respeito. Daí se pode concluir que ela não leu meu pensamento; ao demais, muitas vezes me advertia com vivacidade, quando, por minhas interrogações, eu mostrava ter esquecido ou mal compreendido, uma particularidade relativa a qualquer de suas personalidades sucessivas."

            Na sessão matinal de 3 de setembro (foram efetuadas duas, uma pela manhã e outra à tarde), são obtidos novos pormenores.

            "Bonnabry - diz o Sr. de Rochas - não é belga, como eu o supunha, é apenas de origem belga; sua mãe  é que é dessa nacionalidade . Quanto a ele, não sabe em que lugar nasceu, dada a existência nômade de sua mãe, que era cantora. Aos 18 anos, estava com ela em Angoulême, para a temporada teatral. Um dia o conduziu ela à estação, com um senhor; no momento de partir, o enviaram a dar um recado. Quando voltou, já não achou ninguém, e não tornou depois a ter notícias de sua mãe. Abandonado e só, tratou ele se sair da dificuldade e entrou como aprendiz numa tipografia."

            Prosseguindo o recuo para o passado, o sensitivo é transportado aos 10 anos e, depois de um pormenor sem importância, acrescenta o narrador:

            "Continuo os passes adormecedores. Francisque está no seio de sua mãe: o corpo, mas não a alma.

            "Continuação dos mesmos passes; aparição de uma nova personalidade: a de uma criança morta em tenra idade . Está na obscuridade, porque, antes de ter sido essa criança, tivera como mulher uma longa existência, em que procedera mal e havia abandonado os filhos e o marido (1). 'Repele com desgosto essas recordações que a fazem sofrer."

            (1) Por indemonstrada que se queira considerar, no ponto de vista rigorosamente científico, essa pequena série de existências, à mingua de uma comprovação, que não foi satisfatoriamente obtida, de tais personalidades, se se aproximar contudo a vida dessa mulher e, sobretudo, o abandono do marido e dos filhos da existência de Bonnabry, a seu turno pela própria mãe abandonado em Angoulâme, não se terá aí um exemplo de expiação, em que o espírito culpado sofre, em subsequente encarnação, o mesmo que fizera sofrer aos outros?

            E se atendermos a que o sensitivo, ignorante do Espiritismo, desconhecer a lei que preside a tais expiações, não será forçoso reconhecermos que a espontaneidade do seu testemunho adquire, por isso, um singular valor?

            Relativamente ao passado são essas as indicações fornecidas pelo sensitivo. Quanto ao futuro, não é menos interessante o seu depoimento, de que, todavia, mencionaremos apenas as circunstâncias de maior relevo.

            Assim, por exemplo, na 6ª sessão, efetuada a 25 de agosto, o Sr. de Rochas, depois da antevisão de alguns sucessos nos primeiros anos mais próximos (em grande parte - é certo - não realizados), consegue levar o sensitivo ao limite extremo desta vida.

            "A continuação dos passes transversais - descreve ele - a conduz aos 22 anos: está em Nice; apanhou um golpe de ar, posando; tosse muito e já não pode mais posar.

            "Sob a influência dos mesmos passes, envelhece ainda; sua fisionomia exprime sofrimento; sacodem-na violentos acessos de tosse; tão triste e tão resignada é a sua atitude que a todos nos comove. Por fim, morre: a cabeça lhe pende sobre o ombro; descaem-lhe inertes os membros.

            Mais alguns passes e me pode então responder – Morreu aos anos (1914); o corpo astral se desprendeu do corpo físico rapidamente e sem sofrimento . Recorda-se de haver sido Julieta, que se conservou sempre virtuosa. Antes fora um homem, morto ainda moço, Um rapaz também honrado, que sofreu bastante durante a vida, porque tinha sido precedentemente uma mulher má."

            Na sessão de 3 de setembro, à tarde, a visão daquele desenlace é confirmada, com uma circunstância, que seria perturbadora para qualquer outro que não encarasse, como o Sr. de Rochas, com inteira serenidade esse fenômeno da morte, quando nos diz respeito.

            Eis como o descreve ele:

            "Alguns passes transversais ainda, e Julieta morre. A cabeça lhe descai sobre o ombro e os membros ficam inertes. A sensibilidade já não existe em volta do corpo e se acha localizada acima da cabeça.

            "Continuação dos mesmos passes e depois novo interrogatório.

            "Ela se sente feliz por estar morta; não sofre e não está na obscuridade. Recorda-se dos que foram bons para ela, especialmente do coronel de Rochas, que morrera dois anos depois dela (em 1916), de uma moléstia de que sofria há muito tempo, (1)."

            (1) O Sr. de Rochas, como já tivemos ocasião de assinalar, desencarnou, com efeito, mas em setembro de 1914, com uma antecipação, portanto, de dois anos. Essa divergência de data não destrói, contudo, o fato. Quanto ao sensitivo, ignoramos se teria desencarnado antes. De todo modo, a antevisão é curiosa.

            Mais interessante, porém, que essa visão a curto  prazo é a de uma futura encarnação em que o Sr. de Rochas a faz penetrar, assim descrita:

            "Continuo os passes transversais e verifico que a sensibilidade se restabelece em torno do corpo . No momento em que me detenho para a interrogar, ela está reencarnada no corpo de um rapazinho muito piedoso. Depois esse rapazinho entra para o seminário .

             Pergunto-lhe se acredita no céu e no inferno, tais como lh’o ensinam; responde, sorrindo, que não é isso exatamente. Comprimo o ponto da memória sonambúlica, no meio da fronte, para que se recorde de suas anteriores existências; sorri de novo, fazendo, com a cabeça, um sinal de aprovação."  

            E na sessão imediata (13 de setembro), vem a ampliação dessa personalidade:

            "Continuo - diz o experimentador - a marcha para o futuro, pelo processo ordinário.  Enfermidade em Nice; tosse dilacerante, morte. Alegria, por se ter libertado da vida. Pagou a dívida resultante de suas faltas; resta-lhe progredir intelectualmente. Reencarna-se em uma família abastada e chama-se Emilio Chaumette. Sua mãe morre, ao dá-lo à luz. Seu pai é proprietário de uma importante fábrica de telhas e reside, no campo, em uma linda casa. Ele, Emílio, nutre desde a infância o desejo de se fazer padre . Entra para o grande seminário, e pouco depois de sua saída: em 1904, é nomeado vigário no Havre . Não acredita rigorosamente em tudo o que ensina; isso, porém, é suficiente ao maior número. Continua-se ainda sob a República, mas as relações entre a Igreja e o Estado se têm várias vezes modificado desde o começo do século. Peço-lhe que escreva seu nome; encara-me com um ar inquieto: "Para quê?" - É que eu me dedico a estudar as relações que podem existir entre a escrita e o caráter.

            "Resolve-se então, mas tem muita dificuldade em escrever:  "- É, engraçado; não me lembro mais como se fazem as letras maiúsculas." Por fim, depois de dois ensaios que inutiliza, me dá a assinatura (1).

            (1) Reproduzida em fac-símile na mencionada obra, págs. 228.

            "Conversando com a personalidade Chaumette, tomo amistosamente Julieta pela cintura, como o faço muitas vezes quando estou satisfeito com as suas respostas, demonstração afetuosa que ela acolhe sempre com prazer. Agora o caso é diferente: levanta-se bruscamente, com um ar severo: "Que modos singulares! Ao demais, preciso sair; tenho que dizer a missa."      
            “Detenho-a mediante passes longitudinais e a reconduzo ao estado normal. "     

            Qualquer que seja o grau de crédito que se deva prestar a tais revelações, ou por incerta que se possa considerar a sua realização, julgamos dever aqui reproduzir, a título de curiosidade, esse fenômeno de precognição, cujas particularidades o futuro se encarregara de confirmar ou destruir, antes de prosseguirmos na enumeração de mais dois últimos casos, dentre os de regressão da memória observados pelo coronel de Rochas e com os quais nos temos proposto ilustrar a tese relativa à pluralidade de existências.

            Escolheremos assim os que se referem às Sras Caro e Trinchani (nº 15 e 16), como dos mais interessantes.




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