Ideal Espírita
Fazer
de cada mulher uma sacerdotisa, de cada lar um templo, de cada coração um altar em
que arda sempre impetuoso o desejo de servir com abnegação e amor a todas as
criaturas de
Deus, sejam elas más ou boas, tal é a missão do Espiritismo para edificar o
Reino de Deus sobre
a Terra.
Tarefa fundamentalmente educativa
que deve ser imposta em toda parte; na oficina, na escola, na repartição, na
administração, na política, no lar; mas sem o esforço combativo que desagrega
os homens e forma os partidos, igrejas, seitas, classes, nações, em ações e
reações eternas que geram ódios e perpetuam o mal, as rivalidades e represálias
de grupos humanos, contra outros grupos humanos.
Se os espiritistas tivessem a desventura
de se organizarem em uma grande igreja, provocariam as reações e represálias
que perpetuariam as outras igrejas a eles opostas, numa luta
contínua e apaixonada como têm vivido as diversas igrejas do passado.
Pretendessem organizar-se em partido político para realizar suas nobres
aspirações, e não seriam compreendidos; teriam sempre que fechar suas próprias
fronteiras contra os ataques de outros partidos; já não poderiam agir na
sociedade, mas somente em suas sedes e mesmo aí sob as limitações da perseguição
externa e talvez da perfídia interna de adversários mascarados de espíritas.
Teriam todas as desvantagens de uma seita, contra a qual todas as outras se
acham fechadas.
Sempre que se pensa em organizar o
Espiritismo, devem-se levar em conta as dificuldades que outras organizações;
com seu espírito combativo, oporiam à nossa tarefa, quando a nossa organização,
suficientemente forte, lhes parecesse uma ameaça.
Nossa força está em nossa aparente
fraqueza. Somos milhares de pequenos núcleos espalhados por toda parte, sem uma
autoridade central que os reúna e oriente no plano humano da vida. Mesmo as
sociedades adesas ou coligadas à Federação ou à Liga, são livres, não têm que
prestar contas ou obedecer a autoridades centrais. A adesão é apenas a
princípios gerais da doutrina, à aceitação das obras de Allan Kardec, com plena
liberdade de interpretação, sem um sínodo ou outro corpo de intérpretes a ser
obedecido. A qualquer momento a sociedade adesa pode, por sua livre vontade, desistir
da adesão e seguir outros rumos, se assim lhe aprouver e voltar aos mesmos princípios
e solicitar de novo a adesão, quando quiser.
Igualmente os indivíduos conservam
absoluta liberdade de ação ou inação. Podem trabalhar quando e como e onde
quiserem, em associação ou insuladamente, ou cessarem suas atividades quando
isso lhes agradar, sem que alguma autoridade exista que lhes possa impor alguma
limitação ou privá-los de algum direito. Essa liberdade dos indivíduos e de
seus grupos é característica do Espiritismo e dá-lhe uma força diferente, mais
espiritual e menos humana. Do ponto de vista humano, isso é fraqueza e desorganização;
mas do ponto de vista espiritual é fôrça.
Nossos pregadores independem de
"ordens", diplomas, uniformes, ou qualquer outra autorização. Podem
exercer seu sacerdócio quando e onde quiserem; diante de um só ouvinte ou de grandes
assembleias; numa missiva pessoal, num artigo de jornal, num livro, ao
microfone ou por outra qualquer forma.
Quem assiste a um fenômeno espírita
e o relata aos seus amigos, já está fazendo a pregação. Quem lê um romance
espírita e o conta a um amigo, está praticando uma doutrinação. Assim, por toda
parte, desde- as rodas mais ilustres até os meios mais obscuros, está-se
fazendo a pregação do Espiritismo, interessando alguém para que o estude. Tal
multíplicídade de pregadores tem a imensa vantagem de não encontrar fronteiras
de seita; não ficar limitada aos templos, sinagogas, mesquitas ou sedes de grupos
espíritas. Tem a vantagem, ainda maior, de não ser seita e, por isso mesmo,
influenciar indistintamente qualquer membro da sociedade humana.
O ideal espírita é universal, deve
influenciar todos os indivíduos, toda a Humanidade, e a
maior barreira à realização desse ideal seria fecharmo-nos em uma seita com
nossos livros sagrados,
.nosso profeta único, nossos pregadores autorizados e uniformizados. Contra esse perigo,
por mercê de Deus, contamos com a liberdade dos Espíritos, que não levam em conta
nossas divisões e limitações, nem as nossas convicções sectárias; inspiram e
guiam até os mais
descrentes, desde que encontrem neles aptidão para determinado trabalho que se
tenha de
realizar no mundo.
Pela orientação que os Grandes
Espíritos vão dando à mediunidade, vemos que o romance educativo, em forma de
livro, de filme cinematográfico, de novela radiofônica, tem grande missão a
cumprir na preparação do futuro; principalmente porque o romance fala mais
diretamente ao coração da mulher e pode exercer a máxima influência na formação
de nova mentalidade e novos sentimentos. O mundo feliz do futuro terá que ser
obra principalmente do coração feminino, das mães, como sacerdotisas de seus lares.
Em vez de formar uma Igreja
"triunfante" contra as outras, temos que fazer uma ideia triunfante
nos corações, sem nos importarmos com os rótulos. Em lugar de um partido vitorioso,
temos que vencer em todos os partidos, em todas as escolas e igrejas.
Como trabalhar para esse ideal?
Pelo livro, pelo jornal, pelo rádio,
pelo cinema, e, acima de tudo, pelo exemplo.
Em lugar de uma organização
político-religiosa à imagem e semelhança das que já existem, fundemos novas
editoras, novas estações de rádio, grupos de propagandistas, asilos, abrigos,
escolas, ou ajudemos aos que já existem.
Traduzamos todos os bons livros que
existem em outras línguas para a nossa e os nossos para outras línguas.
Publiquemos toda essa imensa literatura em Esperanto e espalhemo-la pelo mundo
inteiro.
Há um trabalho imenso esperando por
nós. Deixemos a outros a triste tarefa de demolir ou
discutir questiúnculas teológicas. Temos muito que construir. A Humanidade
sofredora e descrente
merece todos os nossos esforços, toda a nossa dedicação. Não nos percamos nas fátuas
discussões acadêmicas, nas polêmicas estéreis, nas lutas negativas; tentemos
construir algo de positivo nos corações e nas inteligências. A nossa oportunidade
é única: a Humanidade está saindo andrajosa e ensanguentada de uma de suas maiores
experiências combativas, de uma de suas manifestações de força organizada.
Bastam essas experiências! '
Nossa obra é diferente; não nos
deixemos tragar pelas tradições do passado, porque o passado
já nos deu o que podia: lutas e ódios; ódios e novas lutas; divisões e
perseguições, perseguições
e divisões; milênios perdidos em discussões teológicas, discussões teológicas
que se renovam em outros milênios!
Repitamos que o ideal da Terceira
Revelação não é formar uma grande Igreja, mas, ao contrário
disso, tornar desnecessárias as grandes Igrejas e erguer em cada coração um
altar, em que arda sempre a pira sagrada do amor fraterno, destruindo o
egoísmo, o orgulho, a vaidade, as rivalidades; os preconceitos.
por Cristiano
Agarido
(Ismael Gomes Braga)
in Reformador (FEB) Junho
1945
Nenhum comentário:
Postar um comentário