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Se essa doutrina da pluralidade de existências,
profundamente racional e perfeitamente consentânea aos caracteres de toda lei
natural, que determina a indefinida repetição de um mesmo fenômeno, dado o
concurso de circunstâncias favoráveis e a conjunção dos mesmos elementos, não
tivesse para apoia-la mais que o testemunho da razão e a uniformidade dos
ensinos de todas as grandes religiões que se têm sucedido em nosso mundo, seria
mesmo assim digna do apreço dos pensadores emancipados de todo preconceito.
Mais que isso, porém, - já o dissemos - ela é brilhantemente documentada pelos
fatos. E foi sobretudo esse
pesquisador infatigável, escrupuloso e independente, que se chamou Albert de
Rochas, há pouco restituído às claridades da verdadeira vida (2), que,
encaminhando as suas observações em um rumo de sistematização científica,
forneceu para o estudo positivo dessa questão os mais valiosos subsídios.
(2)
O coronel de engenharia Albert de Rochas (conde de) desencarnou em 2 de
setembro de 1914.
Digno de nota é que não penetrou ele
nesse domínio com uma ideia preconcebida; foi o próprio fenômeno da regressão
da memoria, provocado em um dos sensitivos sobre que operava, que, determinando
neste, espontaneamente, a revelação de anteriores personalidades, o induziu a
repetir com outros a mesma experiência, chegando sempre a idênticos resultados.
É o que ele próprio descreve nesse
opulento volume a que mais de uma vez nos temos referido (1) e a que vamos
pedir a copiosa documentação que exige a importância do assunto.
(1) LES VIES SUCCESSIVEIS, Documents pour l'étude de cette question, 1 vol . de 502 págs.,
passim.
O sensitivo, Josephina - diz ele - é
uma rapariga de 18 anos (2); empregada no serviço doméstico de um alfaiate de
Voiron, o Sr. C., que em companhia da mulher cultiva o Espiritismo, de que são
os únicos adeptos naquela cidade. Dotada de inteligência vulgaríssima, é
extremamente sensível à magnetização. Tendo um dia caído da altura de 2 metros
e meio, contundiu seriamente o quadril de encontro a uma máquina de costura,
vindo, em consequência,
a coxear. O Sr. de Rochas a adormeceu magneticamente, determinando a exteriorização
do seu duplo astral; e como ela aí visse exatamente a sede do mal, fê-lo
colocar a mão nesse lugar durante dois minutos, ficando em seguida
completamente curada .
(2) As experiências se verificavam em 1904.
As experiências que se seguiram são
assim descritas pelo autor:
Adormeço Josephina com a aplicação
de passes longitudinais, para averiguar que fenômenos apresentaria, e fico
surpreendido ao observar que, sem nenhuma sugestão, a faço retrotrair o curso
de sua vida, como a Lourenço (3), que eu não tornara a observar depois de 1893.
- Aqui a temos aos 7 anos de idade. Pergunto-lhe
o que faz. - "Vou à escola." - Sabe escrever? - "Sim, estou começando." Coloco-lhe
na mão uma pena; ela escreve muito bem papá
e mamá. Continuo os passos magnéticos e a conduzo aos
5 anos. - Mostre-me como escreve bem. - Ela escreve, sílaba a sílaba, pá, pá.
Entrego-lhe um lenço, dizendo que é uma boneca; ela parece muito contente e se
põe a amima-la; tem todas as aparências de uma criança dessa idade. Novos passes;
ela está provavelmente no berço e não pode mais falar. Introduzo-lhe a
extremidade do dedo na boca; põe-se a mamar.
(3) Lourenço é um outro sensitivo,
cujo caso ocupa o nº 1 da série das observações relatadas pelo Sr. de Rochas.
"Depois de algumas sessões
destinadas a flexibiliza-la e a diminuir
o tempo necessário para a conduzir a esse estado de primeira infância, tive a ideia
de continuar os passes longitudinais.
Interrogada, Josephina respondeu por
sinais às minhas perguntas, e foi assim que pouco a pouco me informou, em
diferentes sessões, que ainda não tinha nascido e que o corpo em que se devia encarnar
estava no ventre de sua mãe, em torno de quem se enrolava, mas cujas sensações
muito pouco a afetavam.
"Torno mais profundo o sono, o
que dá lugar à manifestação de um personagem, cuja natureza tive ao começo
alguma dificuldade em determinar. Não me queria dizer quem era nem onde estava.
'Respondia-me, de um modo ríspido e com voz de homem, que estava ali, pois que
me falava; ao demais não via coisa alguma; "estava no escuro."
E o Sr. de Rochas observa, em nota
que julgamos aqui dever intercalar, antes de prosseguir na descrição da curiosa
experiência:
"Via-me assim conduzido a uma
ordem de investigação que estava longe de suspeitar e para bem me orientar na
qual me foram precisas muitas sessões, durante as quais, ora atraindo para o
presente, ora envelhecendo ou, alternadamente, remoçando o sensitivo em suas
anteriores existências, mediante apropriados passes, eu coordenava e completava
informações, que eram muitas vezes obscuras para mim, porque ao começo não atinava
absolutamente onde pretendia ele me conduzir e com dificuldade compreendia os
nomes próprios referentes a lugares e pessoas desconhecidas. Só a poder de
pesquisas em mapas e dicionários foi que cheguei a determinar exatamente os
nomes e pude, nos próprios lugares, colher esclarecimentos de que adiante
falarei.
"Convém aqui observar que no
maior número dos sensitivos o sono magnético provoca uma série alternativa de fases
de letargia, durante as quais não pode ele traduzir suas impressões em consequência
de uma paralisia momentânea dos nervos motores, e fases de sonambulismo, em que
o sensitivo pode falar, mas
apresenta o fenômeno de insensibilidade cutânea ; patenteia então novas
faculdades, tanto mais desenvolvidas quão mais profundo é o sono. Durante as fases
de letargia o sensitivo continua a se manter em relação com uma parte do mundo
exterior; porque, se após o despertar lhe comprimimos na fronte o ponto da memória
sonambúlica, despertamos a lembrança do que se passou enquanto ele dormia,
assim durante essas fases como no correr das outras."
Registradas essas particularidades, em que
ressaltam a boa fé e imparcialidade do investigador, prossigamos na descrição
do personagem retrospectivo que se acabava de manifestar
em Josephina.
"Aprofundado ainda mais o sono
- diz o Sr. de Rochas foi um velho, deitado no leito e doente havia muito
tempo, que entrou a responder a minhas perguntas, depois de muitas tergiversações,
na sua qualidade de campônio matreiro, que receia se comprometer e quer saber
porque o Interrogam.
"Terminei
por saber que ele se chamava João Claudio Bourdon e que a aldeia onde se achava
era Champvent, na comuna de Polliat, não sabendo, porém, dizer a que
departamento pertencia.
"Pouco a pouco logrei captar a
sua confiança e eis aqui o que soube acerca de sua vida, cujos diversos períodos
lhe fiz muitas vezes reviver" (1).
(1) O processo adoptado para determinar a regressão
da memória, fazendo o sensitivo retrogradar pelo passado a dentro, consiste na
prolongada aplicação de passes longitudinais. Mediante passes transversais é o
contrário que se produz isto é, o sensitivo é atraído novamente para o
presente, percorrendo uma a uma as fases em sentido inverso percorridas.
Experiências posteriores, entretanto,
demonstraram que a orientação dos passes num ou noutro sentido não exerce ação
decisiva, podendo em alguns casos ser substituída por uma ordem verbal. _De
todo modo, os passes magnéticos, pela acumulação ou liberação de fluidos,
facilitam o desprendimento do sensitivo, ou a sua volta ao corpo.
“Nascera ele em Champvent, em 1812.
Frequentou a escola até aos 18 anos, porque não aprendia grande coisa e só
podia lá ir durante o inverno, gazeando muitas vezes. Fez o serviço militar no 7º
de artilharia, em Besançon (onde realmente - observa em nota o Sr. de Rochas -
esteve esse batalhão aquartelado, de 1832 a 1837, sendo difícil de compreender
como poderia Josephina conhecer esse fato), e devia permanecer durante 7 anos
no regimento, mas foi isentado ao fim de quatro, em consequência da morte de
seu pai. Não se recorda do nome de nenhum dos seus oficiais; sabe em
compensação que se divertia muito com os camaradas e as raparigas e refere as
suas proezas, cofiando o bigode.
"Regressando à aldeia, torna a
encontrar sua boa amiga Joaninha, com quem se devia casar e de quem, antes da
partida, não me falava - é sempre o Sr. de Rochas quem o refere - senão
corando. Agora sabe que não há necessidade de se casar com as mulheres para
desfrutar os seus favores; não trata mais de casamento e faz-se amante de Joaninha.
Observo-lhe que ele pode tornar mãe essa pobre rapariga. - "E depois? Que
é que tem? Ela não será a primeira nem a última."
"Fica velho, isolado,
preparando ele mesmo os seus alimentos, reduzidos a sopa e salsichas. Tem um
irmão casado, com filhos, nesse mesmo lugar; queixa-se do modo por que o tratam
e não os visita. Morre aos setenta anos, depois de prolongada moléstia. Durante
o período correspondente a essa doença, pergunto-lhe se não
pensa em mandar chamar o cura. Ah! sim, tu te ... (2) de mim! Acredita em todas as bobagens que ele te conta? Passa fora!
Quando a gente morre, é prá sempre!"
(2) O verbo é aqui indicado apenas
pela inicial ‘f’, parecendo que se trata de uma obscenidade ou, pelo menos, de inconveniência.
"Morre. Sente-se sair do corpo,
mas conserva-se a ele preso durante muito tempo. Pode acompanhar o enterro do
seu corpo, flutuando sobre o ataúde. Compreendeu vagamente que diziam:
"que alívio!" Na igreja o cura andou em volta do esquife e produziu
assim uma espécie de muralha luminosa que o abrigava contra maus
espíritos que sobre ele se queriam precipitar, As orações do cura também o sossegaram,
mas tudo isso durou pouco.
A água benta afasta Igualmente os
maus espíritos, porque os dispersa onde os atinge . No cemitério perto do corpo
e o sentiu se decompor, com o que sofria muito.
"Seu corpo fluídico, que depois
da morte se havia difundido, readquiriu mais compacta forma . Vive ele, João
Claudio, na obscuridade, que muito o incomoda; mas não sofre, porque não matara
nem roubara. O que, às vezes, tem é sede, porque era sofrivelmente beberrão.
Reconhece que a morte não é o que ele pensava. Não
compreende bem o que lhe sucedeu; mas, se soubesse o que sabe agora, não teria
zombado do cura: Proponho-lhe faze-lo reviver. "Ah I É agora que te fico a
querer bem!"
"As trevas em que estava
mergulhado vieram a ser. por fim sulcadas de alguns clarões e ele teve a
inspiração de se reencarnar num corpo de mulher, porque as mulheres sofrem mais
que os homens e por sua parte ele tinha que expiar as faltas que cometera
desencaminhando as raparigas. Aproximou-se da que devia ser sua mãe e a
envolveu até o momento em que a criança veio ao mundo; penetrou então pouco a
pouco no corpo dessa criança. Até os 7 anos havia em torno desse corpo uma espécie
de névoa flutuante, mediante a qual via ele muitas coisas que não tornou a ver
depois."
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