domingo, 8 de julho de 2012

35. 'Doutrina e Prática do Espiritismo'



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            Se essa doutrina da pluralidade de existências, profundamente racional e perfeitamente consentânea aos caracteres de toda lei natural, que determina a indefinida repetição de um mesmo fenômeno, dado o concurso de circunstâncias favoráveis e a conjunção dos mesmos elementos, não tivesse para apoia-la mais que o testemunho da razão e a uniformidade dos ensinos de todas as grandes religiões que se têm sucedido em nosso mundo, seria mesmo assim digna do apreço dos pensadores emancipados de todo preconceito. Mais que isso, porém, - já o dissemos - ela é brilhantemente documentada pelos fatos. E foi sobretudo esse pesquisador infatigável, escrupuloso e independente, que se chamou Albert de Rochas, há pouco restituído às claridades da verdadeira vida (2), que, encaminhando as suas observações em um rumo de sistematização científica, forneceu para o estudo positivo dessa questão os mais valiosos subsídios.            

             (2) O coronel de engenharia Albert de Rochas (conde de) desencarnou em 2 de setembro de 1914.

            Digno de nota é que não penetrou ele nesse domínio com uma ideia preconcebida; foi o próprio fenômeno da regressão da memoria, provocado em um dos sensitivos sobre que operava, que, determinando neste, espontaneamente, a revelação de anteriores personalidades, o induziu a repetir com outros a mesma experiência, chegando sempre a idênticos resultados.

            É o que ele próprio descreve nesse opulento volume a que mais de uma vez nos temos referido (1) e a que vamos pedir a copiosa documentação que exige a importância do assunto.

            (1) LES VIES SUCCESSIVEIS, Documents pour l'étude de cette question, 1 vol . de 502 págs., passim.    

            O sensitivo, Josephina - diz ele - é uma rapariga de 18 anos (2); empregada no serviço doméstico de um alfaiate de Voiron, o Sr. C., que em companhia da mulher cultiva o Espiritismo, de que são os únicos adeptos naquela cidade. Dotada de inteligência vulgaríssima, é extremamente sensível à magnetização. Tendo um dia caído da altura de 2 metros e meio, contundiu seriamente o quadril de encontro a uma máquina de costura, vindo, em consequência, a coxear. O Sr. de Rochas a adormeceu magneticamente, determinando a exteriorização do seu duplo astral; e como ela aí visse exatamente a sede do mal, fê-lo colocar a mão nesse lugar durante dois minutos, ficando em seguida completamente curada .

            (2) As experiências se verificavam em 1904.

            As experiências que se seguiram são assim descritas pelo autor:

            Adormeço Josephina com a aplicação de passes longitudinais, para averiguar que fenômenos apresentaria, e fico surpreendido ao observar que, sem nenhuma sugestão, a faço retrotrair o curso de sua vida, como a Lourenço (3), que eu não tornara a observar depois de 1893. - Aqui a temos aos 7 anos de idade. Pergunto-lhe o que faz. - "Vou à escola." - Sabe escrever?  - "Sim, estou começando." Coloco-lhe na mão uma pena; ela escreve muito bem papá e mamá.  Continuo os passos magnéticos e a conduzo aos 5 anos. - Mostre-me como escreve bem. - Ela escreve, sílaba a sílaba, , . Entrego-lhe um lenço, dizendo que é uma boneca; ela parece muito contente e se põe a amima-la; tem todas as aparências de uma criança dessa idade. Novos passes; ela está provavelmente no berço e não pode mais falar. Introduzo-lhe a extremidade do dedo na boca; põe-se a mamar.

            (3) Lourenço é um outro sensitivo, cujo caso ocupa o nº 1 da série das observações relatadas pelo Sr. de Rochas.

            "Depois de algumas sessões destinadas a flexibiliza-la  e a diminuir o tempo necessário para a conduzir a esse estado de primeira infância, tive a ideia de continuar os passes longitudinais.

            Interrogada, Josephina respondeu por sinais às minhas perguntas, e foi assim que pouco a pouco me informou, em diferentes sessões, que ainda não tinha nascido e que o corpo em que se devia encarnar estava no ventre de sua mãe, em torno de quem se enrolava, mas cujas sensações muito pouco a afetavam.

            "Torno mais profundo o sono, o que dá lugar à manifestação de um personagem, cuja natureza tive ao começo alguma dificuldade em determinar. Não me queria dizer quem era nem onde estava. 'Respondia-me, de um modo ríspido e com voz de homem, que estava ali, pois que me falava; ao demais não via coisa alguma; "estava no escuro."

            E o Sr. de Rochas observa, em nota que julgamos aqui dever intercalar, antes de prosseguir na descrição da curiosa experiência:

            "Via-me assim conduzido a uma ordem de investigação que estava longe de suspeitar e para bem me orientar na qual me foram precisas muitas sessões, durante as quais, ora atraindo para o presente, ora envelhecendo ou, alternadamente, remoçando o sensitivo em suas anteriores existências, mediante apropriados passes, eu coordenava e completava informações, que eram muitas vezes obscuras para mim, porque ao começo não atinava absolutamente onde pretendia ele me conduzir e com dificuldade compreendia os nomes próprios referentes a lugares e pessoas desconhecidas. Só a poder de pesquisas em mapas e dicionários foi que cheguei a determinar exatamente os nomes e pude, nos próprios lugares, colher esclarecimentos de que adiante falarei.

            "Convém aqui observar que no maior número dos sensitivos o sono magnético provoca uma série alternativa de fases de letargia, durante as quais não pode ele traduzir suas impressões em consequência de uma paralisia momentânea dos nervos motores, e fases de sonambulismo, em que o sensitivo pode falar, mas apresenta o fenômeno de insensibilidade cutânea ; patenteia então novas faculdades, tanto mais desenvolvidas quão mais profundo é o sono. Durante as fases de letargia o sensitivo continua a se manter em relação com uma parte do mundo exterior; porque, se após o despertar lhe comprimimos na fronte o ponto da memória sonambúlica, despertamos a lembrança do que se passou enquanto ele dormia, assim durante essas fases como no correr das outras."

            Registradas essas particularidades, em que ressaltam a boa fé e imparcialidade do investigador, prossigamos na descrição do personagem retrospectivo que se acabava de manifestar em Josephina.

            "Aprofundado ainda mais o sono - diz o Sr. de Rochas foi um velho, deitado no leito e doente havia muito tempo, que entrou a responder a minhas perguntas, depois de muitas tergiversações, na sua qualidade de campônio matreiro, que receia se comprometer e quer saber porque o Interrogam.

            "Terminei por saber que ele se chamava João Claudio Bourdon e que a aldeia onde se achava era Champvent, na comuna de Polliat, não sabendo, porém, dizer a que departamento pertencia.

            "Pouco a pouco logrei captar a sua confiança e eis aqui o que soube acerca de sua vida, cujos diversos períodos lhe fiz muitas vezes reviver" (1).

             (1) O processo adoptado para determinar a regressão da memória, fazendo o sensitivo retrogradar pelo passado a dentro, consiste na prolongada aplicação de passes longitudinais. Mediante passes transversais é o contrário que se produz isto é, o sensitivo é atraído novamente para o presente, percorrendo uma a uma as fases em sentido inverso percorridas.

             Experiências posteriores, entretanto, demonstraram que a orientação dos passes num ou noutro sentido não exerce ação decisiva, podendo em alguns casos ser substituída por uma ordem verbal. _De todo modo, os passes magnéticos, pela acumulação ou liberação de fluidos, facilitam o desprendimento do sensitivo, ou a sua volta ao corpo.

            “Nascera ele em Champvent, em 1812. Frequentou a escola até aos 18 anos, porque não aprendia grande coisa e só podia lá ir durante o inverno, gazeando muitas vezes. Fez o serviço militar no 7º de artilharia, em Besançon (onde realmente - observa em nota o Sr. de Rochas - esteve esse batalhão aquartelado, de 1832 a 1837, sendo difícil de compreender como poderia Josephina conhecer esse fato), e devia permanecer durante 7 anos no regimento, mas foi isentado ao fim de quatro, em consequência da morte de seu pai. Não se recorda do nome de nenhum dos seus oficiais; sabe em compensação que se divertia muito com os camaradas e as raparigas e refere as suas proezas, cofiando o bigode. 

            "Regressando à aldeia, torna a encontrar sua boa amiga Joaninha, com quem se devia casar e de quem, antes da partida, não me falava - é sempre o Sr. de Rochas quem o refere - senão corando. Agora sabe que não há necessidade de se casar com as mulheres para desfrutar os seus favores; não trata mais de casamento e faz-se amante de Joaninha. Observo-lhe que ele pode tornar mãe essa pobre rapariga. - "E depois? Que é que tem? Ela não será a primeira nem a última."

            "Fica velho, isolado, preparando ele mesmo os seus alimentos, reduzidos a sopa e salsichas. Tem um irmão casado, com filhos, nesse mesmo lugar; queixa-se do modo por que o tratam e não os visita. Morre aos setenta anos, depois de prolongada moléstia. Durante o período correspondente a essa doença, pergunto-lhe se não pensa em mandar chamar o cura. Ah! sim, tu te ... (2) de mim! Acredita  em todas as bobagens que ele te conta? Passa fora! Quando a gente morre, é prá sempre!"

            (2) O verbo é aqui indicado apenas pela inicial ‘f’, parecendo que se trata de uma obscenidade ou, pelo menos, de inconveniência.

            "Morre. Sente-se sair do corpo, mas conserva-se a ele preso durante muito tempo. Pode acompanhar o enterro do seu corpo, flutuando sobre o ataúde. Compreendeu vagamente que diziam: "que alívio!" Na igreja o cura andou em volta do esquife e produziu assim uma espécie de muralha luminosa que o abrigava contra maus espíritos que sobre ele se queriam precipitar, As orações do cura também o sossegaram, mas tudo isso durou pouco.

            A água benta afasta Igualmente os maus espíritos, porque os dispersa onde os atinge . No cemitério perto do corpo e o sentiu se decompor, com o que sofria muito.

            "Seu corpo fluídico, que depois da morte se havia difundido, readquiriu mais compacta forma . Vive ele, João Claudio, na obscuridade, que muito o incomoda; mas não sofre, porque não matara nem roubara. O que, às vezes, tem é sede, porque era sofrivelmente beberrão. Reconhece que a morte não é o que ele pensava. Não compreende bem o que lhe sucedeu; mas, se soubesse o que sabe agora, não teria zombado do cura: Proponho-lhe faze-lo reviver. "Ah I É agora que te fico a querer bem!"

            "As trevas em que estava mergulhado vieram a ser. por fim sulcadas de alguns clarões e ele teve a inspiração de se reencarnar num corpo de mulher, porque as mulheres sofrem mais que os homens e por sua parte ele tinha que expiar as faltas que cometera desencaminhando as raparigas. Aproximou-se da que devia ser sua mãe e a envolveu até o momento em que a criança veio ao mundo; penetrou então pouco a pouco no corpo dessa criança. Até os 7 anos havia em torno desse corpo uma espécie de névoa flutuante, mediante a qual via ele muitas coisas que não tornou a ver depois."





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