36
* * *
Em seguida o coronel de Rochas
desenvolve, por dezesseis alentadas páginas desse magnífico volume, a descrição,
resumida embora, das experiências com o sensitivo Josephina,
revestidas sempre do mesmo atraente cunho de originalidade. Obrigado contudo,
por nossa parte, a condensar o mais possível a presente documentação, a fim de
a não alongar em demasia, pois que abrange vários outros casos, vamos
reproduzir apenas os trechos que maior interesse possam despertar.
"Quando acabei de obter de
Bourdon - prossegue ele - os esclarecimentos que acreditava uteis (1), tratei
de levar a pesquisa ainda mais longe. Uma prolongada magnetização durante cerca
de três quartos de hora, 'Sem me deter em fase alguma, conduziu-me a João
Claudio pequenino.
(1) Em nota, observa o Sr. de Rochas
que o cura de Polliat, a quem escrevera para saber se em sua paroquia haveria
algum vestígio de João Claudio Bourdon, lhe respondeu que em Polliat não se
sabia de nenhum Bourdon, mas que esse nome é muito comum numa zona próxima, em
Gríêge por Pont-de-Veylé.
"Surge depois uma nova personalidade.
Agora é uma velha, que fora muito má; era uma língua maldizente e se comprazia
em fazer mal a todos. Sofre muito por isso; tem contrações na fisionomia e às
vezes se estorce na cadeira com uma horrível expressão de dor. Acha-se em
espessas trevas, cercada de maus espíritos
que tomam formas apavorantes para a atormentar e, quando o podem, atormentar
também os vivos, no que têm o máximo prazer. Algumas vezes foi ela a seu turno
arrastada a mudar de forma e os acompanhar para fazer mal aos homens. Fala numa
voz fraca voz ,fraca, mas responde sempre com precisão às perguntas que lhe
faço, em vez de discutir a cada passo, como o fazia João Claudio. Chama-se
Philomena Carteron.
"Aprofundando ainda mais o
sono, provoco as manifestações de Philomena viva. Já não sofre, parece muito
calma e responde sempre com clareza e em tom seco. Sabe que não é estimada no lugar,
mas ninguém perde com isso, e ela saberá vingar-se quando for ocasião. Nasceu
em 1702; chamava-se Philomena Charpigny, quando
solteira; seu avô materna se chamava Pedro Machon e morava em Ozan. Casou-se em
1732, em Chevroux, com um certo Carteron, de quem teve dois filhos, que
morreram (1).
(1) O Sr. de Rochas assinala, em
nota, além da circunstância de não possuir essa personalidade nenhum sentimento religioso, nem frequentar as
igrejas, certa de tudo acabar nesta vida, que as famílias Charpigny e Carteron
existiram efetivamente em Ozan e em Chevroux, mas nenhum vestígio positivo encontrou
de Philomena.
A que se deve atribuir esse lapso,
idêntico ao de Bourdon em Polliat?
"Antes de sua encarnação, Philomena
havia sido uma criança, morta, em tenra idade. Antes fora um homem que tinha matado e roubado, um verdadeiro bandido; foi por isso que muito sofreu na
escuridão, mesmo depois da sua vida de criança, em que não tivera tempo de
fazer mal, a fim de expiar seus crimes.
"Não pude levar mais longe a experiência
das vidas sucessivas, porque ao fim da magnetização extremamente prolongada (quase
duas horas) que era necessária para o conduzir ao estado de bandido, o sensitivo
parecia esgotado; fazia pena vê-lo em suas crises. Mas um dia, em que eu o
havia conduzido a esse estado, comprimi-lhe um ponto situado no meio da fronte
e que tem a propriedade de despertar a memória sonambúlica. ordenando-lhe que
recuasse inda mais longe. Disse-me então, hesitante e voltando a cabeça, como
envergonhado, que tinha sido um macaco, um grande macaco, quase semelhante ao
homem.
"Confesso que estava longe de
esperar semelhante confidência e ao pensamento me veio imediatamente um espirituoso repente atribuído
a Alexandre Dumas pai. Conservei-me, entretanto,
sério e me
limitei a manifestar a estranheza de que uma alma de animal se tornasse em alma
humana. Respondeu--me que nos animais, como nos homens, há naturezas boas e más
e que, quando se chega à condição de homem, conservam-se os instintos do que se
havia sido como animal (2).
(2) Reproduzimos textualmente, por
dever de fidelidade, a narrativa do Sr. de Rochas, sem prestar contudo inteiro
crédito a essa parte do depoimento de Josephina. Que o princípio inteligente,
antes de se tornar propriamente espírito, se ensaie, por assim dizer, se
elabore e individualize nas séries inferiores da natureza, nada tem que repugne
à razão, antes está de acordo com o princípio do evolucionismo, cientificamente
demonstrado, e será mesmo de nossa parte objeto de estudo em capítulo adiante. O que nos parece, pelo menos, discutível, no ponto de vista filosófico, que
oportunamente abordaremos, é essa passagem direta e imediata da animalidade
para a espécie humana, a título de curiosidade unicamente podendo ser
registrada essa informação puramente pessoal.
Há sobretudo uma circunstância que
torna suspeita essa parte do depoimento: é a incapacidade intelectual do
sensitivo, assim no estado normal como em qualquer de suas medíocres encarnações
anteriores, para de si mesmo formular os argumentos com que pretendeu justificar
a identificação ou, se o preferirem. a aproximação entre os instintos humanos e
os dos animais. Ter-lhe-iam sido mentalmente sugeridos por algum ser desencarnado
que, invisível, presenciasse as experiências e assim quisesse gerar intencionalmente
uma certa confusão? - A hipótese não se nos afigura desarrazoada ou inadmissível, tanto mais se atendermos a que,
na primeira vez em que fez semelhante revelação, o sensitivo passou sem transição
e retrospectivamente da existência de bandido para a de pretendido macaco. Da
outra vez, a que em seguida se refere o Sr. de Rochas, é que acrescentou ter
tido, entre uma e outra, diferentes encarnações.
As experiências foram interrompidas
durante alguns meses, com a viagem feita pelo Sr. de Rochas a Paris, onde teve ele
ocasião de observar, num outro sensitivo com quem experimentou (a Sra.
Lambert), o curiosíssimo perturbador fenômeno da precognição, isto é, do antecipado
conhecimento do futuro, o que o induziu, de regresso a Voiron, a tentar com Josephina
as mesmas observações.
O resumo dessa nova série de experiências,
em número de oito, é o seguinte:
PRIMEIRA SESSÃO. - "Adormeço
Josephina mediante passes longitudinais, de modo a conduzi-la aos seus
primeiros anos juvenis e logo procuro despertá-la por meio de passes transversais. Quando volta ao estado normal e readquire a
sensibilidade, continuo os mesmos passes transversais a pretexto de descarregar mais
completamente.
"Ao fim de um ou dois minutos
me observa ela que eu a adormeço em vez de a despertar. - Fase de letargia
bastante longa, e logo readquire a lucidez numa fase de sonambulismo.
Pergunto-lhe se ainda está em casa do Sr. C.
– Responde-me que não; a três anos o deixou, regressando a sua terra, em
Manziat. Está em
casa de seus pais e tem 25 anos (1).
(1) Lembraremos que na época das
experiências (1904) ela tinha 18 anos, o que quer dizer que descrevia o futuro
a sete anos de distância, isto é, em 1911.
"Novos passes transversais,
nova fase de letargia, em que ela se mostra ao princípio muito calma: ao fim, porém,
de alguns instantes apresenta sinais de um grande sofrimento e se estorce na
cadeira; volta em seguida a cabeça e oculta o rosto nas mãos; chora tanto e
parece tamanha a sua aflição que a Sra. C. comovida,
se retira da sala.
"Quando entra na seguinte fase
de sonambulismo, parece ainda muito triste e eu lhe pergunto o que tem. Não me
quer responder e volta novamente a cabeça, como se tivesse vergonha de alguma
coisa. Suspeito qual seja a causa de seus sofrimentos e lhe pergunto se está
casada. - "Não, ele não quer. Bem me havia, entretanto, prometido." -
Diga-me o seu nome; eu tratarei de o convencer. - "O Sr. não arranjará
nada; eu fiz tudo o que me era possível ."
"Termino por saber que ela está
sempre em Manziat, tem 32 anos e essa desventura lhe sucedeu há uns dois anos. Impossível
obter o nome do sedutor.
"Exorto-a a deixar correrem as
coisas, sem se incomodar.
"Em presença de sua dor, que a
todos nos comove, tão vivamente é traduzida, procuro restitui-la a seu estado
normal, mediante passes longitudinais, passando ela pelas mesmas fases de
letargia e de sonambulismo, com as mesmas expressões de dor."
SEGUNDA SESSÃO. - Idêntico processo
experimental: ao começo regressão da memória, com os passes longitudinais, em
seguida rumo ao futuro, mediante passes transversais. Depois do estado normal,
letargia calma; lucidez aos 25 anos em sua terra; segunda letargia acompanhada
de demonstrações de dor e de vergonha; segunda lucidez aos 32 anos. Recordo-lhe
nossas antigas relações, em Voiron e acabo por convencê-la de confiar
inteiramente em mim. Murmura, cheia de confusão, o nome de seu sedutor: é um
moço agricultor, Eugenio F., de quem tivera um filho (1).
(1) Observa, em nota, o Sr. de
Rochas: "Tomei informações no lugar. Eugenio aí vive atualmente: pertence a
uma família de abastados agricultores e nasceu em 1885. Ele e Josephina moravam
em duas casas próximas ; tem a mesma idade e fizeram juntos a primeira comunhão."
"Continuação dos passes
transversais; 3ª letargia, 3º despertar. Tem ela então 40 anos; conserva-se
sempre em Manziat e está muito triste; seu filho morrera pouco antes e Eugenio
F. casou-se com outra.
"Continuação dos passes
transversais: 4ª letargia, 4ª fase de lucidez. Ela tem 45 anos e ganha a vida
cosendo calças para um alfaiate. Está muito triste e não tem noticias de seus
antigos patrões. Luiza, sua melhor amiga em Voiron, Ihe escrevera três cartas:
depois cessou a correspondência.
"Continuo os passes transversais
e, também por minha parte fatigado, a interrogo ao fim de alguns minutos de
aparente letargia, sem haver observado se não teria ela avançado várias fases. Agora
está muito velha; vive com dificuldade, graças a sua costura, mas acabara por
esquecer um pouco as suas desventuras. Falo-lhe
então da morte e pergunto se não deseja saber o que lhe sucederá quando houver
deixado esta vida. Respondeu-me que sim. - "Para isso é necessário que a
faça envelhecer ainda mais." Hesita bastante, mas termina por aceitar,
depois de lhe haver eu assegurado que a reconduziria ao seu estado atual.
"Novos passes transversais; ao
fim de 2 ou 3 minutos se estorce na cadeira, com uma expressão de sofrimento
atroz, e em seguida resvala até o chão. É a agonia da morte. Continuo vivamente
os passes, afim de abreviar o desagradável incidente, e a interrogo. Está
morta; não sofre, mas não vê nenhum espirito. Pode acompanhar seu enterro e
ouvir o que dela diziam: "é uma felicidade para a pobre criatura; não
tinha mais de que viver." As orações do padre não lhe fizeram grande
coisa, mas o giro deste em torno do esquife afastou os maus espíritos. As ideias
espíritas que adquirira em casa de seu antigo patrão lhe foram muito úteis,
porque lhe permitiram
conhecer o seu estado.
"Não julguei prudente levar,
por essa vez, mais longe a experiência. Restitui o sensitivo ao seu estado
normal por meio de passes longitudinais, que provocaram, em ordem inversa, os
mesmos gestos característicos da agonia e da sedução, nas fases de letargia
correspondentes."
A terceira, quarta e quinta sessões
não oferecem particularidades dignas de registro, consistindo na reprodução,
com ligeiras variantes, das fases e fenômenos descritos nas precedentes. Apenas
na 4ª, em que o Sr. de Rochas tratou de provocar principalmente a revelação de
fatos bastante próximos para poderem ser verificados, houve a circunstância de,
conduzida Josephina à encarnação em que fora João Claudio e 'procurando o Sr.
de Rochas saber exatamente em que época fora aquele soldado em Besançon,
"não me pode ela - observa - dizer a data, mas a uma pergunta que lhe fiz,
respondeu que.. a grande festa dos soldados não era em 14 de julho, mas a 1º de
maio. Com efeito - acrescenta ele - era em 1º de maio
que se festejava S. Felipe, de 1830 a 1848, e me parece muito difícil explicar
naturalmente essa recordação (1)."
(1) O grifo é nosso.
SEXTA
SESSÃO. - "Adormeço Josephina, segurando-lhe nas mãos, e lhe pergunto o
que é preciso para que ela a se encaminhe para o passado e para o futuro.
Responde-me que basta desprender o seu
corpo fluídico, pois que ela irá na direção que eu quiser. Os passes
transversais, entretanto, favorecem a orientação para o futuro.
"Continuo a aprofundar o sono, tomando-lhe
simplesmente as mãos, projetando fluido sob a ação da minha vontade e
dizendo-lhe que veja o que se tornará.
"Transpõe a fase do parto quando
a interrogo, ela tem 40 anos; refere-me que sua mãe falecera há 15 anos.
"Insisto na magnetização . Ela
morre. A sensibilidade não lhe está então exteriorizada em torno como dantes,
mas na cabeça, onde a verifico. Não sofre e se encontra numa semiobscuridade.
Recorda-se vagamente de suas anteriores existências, lembrança que adquire pela
pressão no meio da fronte. Tem a consciência de que a sedução de que foi vítima
é a punição do que fizera na existência de João Claudio. Está convencida de
que, mesmo se o Sr. de Rochas a tivesse prevenido do que devia suceder, isso em
nada modificaria o curso de sua vida.
"Reencarna-se numa criança
chamada Elisa, que morre, aos 3 anos, de uma angina. Nesse momento leva as mãos
à garganta e dá mostras de grande sofrimento. Morre; a sensibilidade, que se
lhe restabelecera em torno do corpo, desaparece novamente.
"Morta, lembra-se de sua mamã e
desejaria bem tornar a ve-la. Não sofre e se encontra numa atmosfera bastante
luminosa.
"'Reencarna-se ainda em uma criança,
Maria, cujo pai. Edmundo Baudin, é negociante de calçado em
Saint-Germain-du-Mont d'Or; Rosália ,é o nome de sua mãe. Interrogo-a aos 2
anos, aos 6 e aos 12: nesta idade lhe pergunto em que ano estamos; não me pode
responder e inventa pretextos: não tem calendários, seu pai não
quer, etc. Aos 16 anos me responde que
se está em 1907 e escreve seu nome. É uma sexta-feira, mas não sabe de que mês.
Continuamos na República.
"Faço-a retroceder, por sugestão,
segurando-lhe nas mãos, fazendo esforços, porém, para retirar o fluido. Ela
passa pelas mesmas fases, na mesma ordem, mas em sentido inverso: erraticidade,
com insensibilidade periférica, morte, com os sintomas de angina, erraticidade,
parto acompanhado de apropriadas contorções."
Passemos em silêncio a 7ª sessão
que, reproduzindo pequenos incidentes de outras anteriores, nenhum interesse
particular oferece, para nos determos na 8ª e última, com que fecha a série e
que é assim descrita:
"Não tendo Josephina obtido o lugar
que esperava nas Galerias Modernas, deliberou regressar para casa de sua mãe,
em Manziat. Adormeço-a uma última vez, antes de sua partida, a fim de a premunir
contra a sedução que previra.
Oriento-a para o futuro; já me não
fala de sua colocação na loja de Grenoble (1), mas o resto de suas previsões concorda
exatamente com o que antes me dissera. Passa pelas mesmas dores na ocasião do
parto, a mesma vergonha, as mesmas angústias quando perde o filhinho, sem ter sido
reconhecido pelo pai.
(1) Referência feita na 4ª sessão,
que omitimos.
"Quando ela despertou, lhe recordei
todos esses acontecimentos, todas essas emoções, pela pressão no meio da
fronte. Fiz-lhe notar que não tinha sido admitida como vendedora nas Galerias
Modernas, conforme o havia predito, e portanto que tudo o que ela anunciava, adormecida,
poderia não ser mais que um sonho, mas o que era de fato uma realidade seriam
as consequências de sua falta, se porventura a cometesse.
"Incuti-lhe a sugestão de se recordar
de todas as torturas por que passara durante o sono, quando fosse tentada a se
abandonar.
"No dia seguinte, tendo tido ocasião
de voltar a esse assunto, ela me disse a rir quer uma pessoa prevenida vale por
duas. Depois da sua partida para o departamento do Ain, não tornei mais a ter
noticias suas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário