Missiva
do Outro Mundo
Se bem seja uma
carta particular, o documento que segue encerra ensinos, esclarece pontos
teóricos de Espiritismo e não me pareceria honesto conservá-lo só para mim.
Salvo poucas linhas que por serem demasiado intimas não interessam senão a mim
mesmo, julgo meu dever passar a mensagem às mãos de outros estudiosos.
Substituirei com reticências esses tópicos que me parecem destinados só a mim.
Abel Gomes, irmão
de minha querida mãe, foi meu íntimo amigo e constante colaborador em trabalhos
de Espiritismo e Esperanto, Mantínhamos correspondência quase diária e sempre sobre
temas idealísticos - nunca nossas cartas tratavam só de assunto pessoalmente
nosso - e ele prometia-me que depois de morto encontraria os meios de continuar
a correspondência e a colaboração; mas assim não foi e longos anos tive que
suportar o mais tremendo silêncio de sua parte. Agora me explica ele as
dificuldades que encontrou para cumprir ostensivamente a promessa.
Do mesmo modo que
Abel Gomes, outro Espírito que muito colaborava comigo em vida e prometia
manifestar-se logo depois da partida, mas ainda não pôde cumprir a promessa,
foi Estevina de Magalhães, a quem o missivista vai referir-se no fim desta
mensagem. No entanto, ambos estão continuando a trabalhar comigo, segundo
informações que tenho recebido, mas de modo indireto e oculto para mim que não
lhes percebo claramente o auxilio.
Eis a mensagem:
“Meu querido Ismael,
Deus nos abençoe.
Somente agora, quando me disponho a
falar-te mais intensamente, percebo a infinita dificuldade para uma conversação
entre dois mundos! Oh! meu caro, é difícil, muito difícil. É preciso
conhecer como conheci a paralisia dolorosa para compreender esta angústia de
converter a inércia em movimento, porque, em verdade, levado a efeito o
trabalho Comparativo, a palavra humana simboliza a morte diante do verbo de nosso
intercâmbio na vida espiritual.
De qualquer modo, porém, é preciso vencer as
resistências, atenuar os obstáculos, estabelecendo acordos entre as
manifestações desarmônicas. É pálida qualquer exteriorização de nossas
realidades que me proponha a oferecer-te[1].
Conforta-me, porém, a certeza de teu
carinho, a elevação de tua confiança e entendimento.
Mundos imensos de considerações afloram-me
no cérebro para que eu te transmita o noticiário daqui, com todas as
minudências que nossos corações desejariam. No entanto, as limitações são tremendas,
meu amigo, e contento-me com o simples relatório afetivo de meu infinito amor e
de minha ternura fiel pelo teu campo de realizações.
Com o Auxílio Divino, venho dilatando meus conhecimentos
e aprimorando sentimentos, preparando-me para o futuro de nossa união.
Minha maior alegria, lsmael, quando voltei, verificou-se
com a reintegração de minha saúde. Oh! quando pude mover-me, quando me desprendi
da cruz que me retivera por longos anos, então senti, de muito perto, a bendita
influência d' Aquele que deu vista aos cegos e curou os paralíticos[2].
Profundo júbilo assenhoreou-se--me do coração e o beijo da liberdade, que a morte
me trouxera, recordava a grandeza da Bondade Divina. E quis voar para junto de
todos os que amo e quis aproximar-me principalmente de teu coração, para
comunicar-te as alegrias de minha ressurreição; todavia, reconheci que pesada
fronteira nos separava então, e fui obrigado a caminhar em outro rumo...
Quantas interrogações te sugerem estas minhas palavras! Eu sei que entre nós os
laços de amizade sempre foram sagrados como os que existem entre um filho e seu
pai. E, por isto, Ismael, desejaria atender-te a todas as observações. Mas as
limitações continuam aqui, entre nós, bem fixas no papel frágil e no lápis
incapaz que não suporta as definições atuais de nossas realidades mais belas.
Minha mãe esperava-me. E que poderia eu desejar
senão seu regaço amoroso e acolhedor? Ah! em vão me esforçaria por dizer-te
tudo!... Outros amigos estenderam-me, mais tarde, a sua colaboração e,
retemperando energias, no ambiente novo guardei um pensamento exclusivo - o de
fortalecer-me para fortalecer-te[3].
Não penses que meu espírito vivesse infenso ao teu carinho! Tuas cartas
alimentavam-me o coração, teu afeto orvalhava-me o íntimo, fazendo desabrochar
as flores da esperança no terreno árido de minhas ilusões fenecidas. Novos
horizontes se abriram para mim, entretanto, o nosso antigo afeto persistia
dentro de meu ser. A beleza da esfera diferente, os céus maravilhosos, a campina
multicor sob a atmosfera radiante, onde me haviam preparado o repouso, não me
faziam esquecer-te. Contudo, meu filho, não obstante as maravilhas exteriores, mais que nunca encontrei a mim
mesmo. A morte do corpo libertara-me a alma oprimida na provação expiatória,
mas não realizara
o milagre que eu esperava. - Meu nível mental não demonstrava alterações, meus sentimentos
eram os mesmos. Terminara a curva no caminho redentor, de que tivera
necessidade para apagar certas nódoas de meu pretérito obscuro mas ao retomar a
estrada real da evolução, verifiquei que precisava desdobrar-me em serviços
novos para melhorar a posição que me era própria. Daí, meu caro, as minhas considerações
iniciais. Não constituindo a morte o banho miraculoso de sabedoria e
iluminação, era obrigado a descobrir os meus próprios recursos a fim de aprimorar os escassos valores que havia adquirido.
Então, compreendi a sublimidade do Espiritismo que nos traça um roteiro de atividades
progressivas no caminho das lutas humanas e percebi o valor do indivíduo na
obra de Deus. Somos, nós mesmos, os arquitetos de nossos destinos, os
construtores de nossa felicidade ou de nosso infortúnio, os senhores do “mundo
de nosso ser”, e sem que nos transformemos para a esfera superior, sem o esforço
da conversão para o Cristo - que tem sido para nós um mito distante e não um
Mestre próximo - não poderemos alcançar o cume de nossos idealismos edificantes.
Semelhante revelação enche-me de
coragem e, como o lavrador corajoso, ataquei o serviço de minha semeadura nova
. Não se passou muito tempo e o Senhor permitiu que me reaproximasse de teu
trabalho[4].
(Conclusão
do número anterior)
E
aqui estou, lsmael, para reafirmar-te a beleza de nossa ligação espiritual[5] .
Minhas palavras não chegam
a formar um atestado insofismável de sobrevivência, mas há o coração que fala e o
coração que ouve. Sabes que estamos juntos, não só em virtude dos traços
escuros que cobrem o papel, mas também pela espiritualidade que transborda na
alegria recôndita de nosso reencontro mais direto.
Volto,
meu filho, para rogar-te a continuidade do esforço, do trabalho, da coragem. Sigo-te,
de perto, o isolamento interior e as grandes horas do desalento angustioso. Não
te aflijas. Outra rota não existe para todo aquele que se coloque a caminho do
Calvário da libertação. É muito fácil "devorar" as planícies, mas sempre
difícil escalar os montes. E a procura da fé, a integração perfeita com os
planos mais altos representam uma subida efetivamente
dolorosa. Tem paciência e prossegue. Haverá dias de luta, noites de tempestade. Pedras e espinhos
atapetam a senda, mas a Força Divina ampara o procurador fiel da verdade,
porque essa fidelidade traduz amor sincero e ardente do bem.
Meus votos de prosperidade à tua
missão no Esperanto que polariza, no momento, as nossas energias e ideais[6]. A
tarefa, com o teu devotamento, está sendo coroada de êxito amplo. Por agora, é
preciso suportar o riso dos ironistas, a aspereza dos ingratos, a indiferença
dos endurecidos. Os fariseus do Templo
não são personalidades circunscritas aos círculos religiosos. Movimentam-se em
todos os lugares, dentro da pauta dos preconceitos e convenções[7]. É
necessário ajudá-los com o nosso entendimento construtivo, como quem conhece as
infantilidades dos mais jovens e a sagacidade lamentável dos que se prendem ao cárcere da razão
sem luz. Os livros que a Casa de lsmael vem lançando, sob os auspícios do Alto,
são bases do edifício futuro. Não importa que as sementes ofereçam apenas mais
tarde a beleza da floração e as magnificências da colheita. Fixando a figura do
Cristo, Trabalhador Divino do mundo desde muitos milênios consecutivos,
encontraremos serenidade para todas as edificações elevadas e redentoras.
Os nossos amigos Magalhães são teus
colaboradores assíduos.[8]. A
Estevina continua na posição de
companheira abnegada de teus serviços neste mundo, embora sua atuação se verifique
em plano quase oculto, atendendo a circunstâncias especiais.
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São
inúmeros os assuntos que ficam aguardando oportunidade. Não posso ser mais extenso.
Cultiva, Ismael, acima de tudo, o coração. Lembra-te que o valor positivo da fé
não procede tão somente das equações intelectuais. Prepara-te, edificando, cada
vez mais, os teus sentimentos.
Distribui minhas lembranças com a
Filhinha e o Louro, Aldana e tua mãe, estendendo-as a todos os que permanecem
conosco no sagrado caminho da redenção. E, pedindo a Jesus pela tua elevação
constante, abraça-te, com toda a alma o teu da Eternidade.
Abel."
(Comunicação
recebida em 29-03-1945 pelo médium Francisco Cândido Xavier).
por Ismael Gomes Braga
in Reformador
(FEB) Jun-Jul 1945
[1] Ernesto
Bozzano, após longas observações, concluiu que a comunicação de um Espírito com
o nosso mundo é trabalho realmente dificílimo e que raramente se consegue realizar com perfeição
relativa.
[2] Abel
Gomes foi paralítico por mais de trinta anos e morreu quase cego.
[3] Já em vida tinha ele essa generosa preocupação
com a minha fraqueza, procurava fortalecer-me sempre em minhas tarefas.
[4] Dessa
nova colaboração tive intuição pelo aumento considerável no rendimento do meu
trabalho e mais tarde tive um aviso de Emmanuel no mesmo sentido.
Caracterizou-se o auxilio pela improvisação de vários livros que publiquei em
poucos anos e nos quaís nunca havia pensado antes. Até aos 46 anos de idade eu
não havia publicado um só livro e dos 47 aos 51 publiquei uma dezena.
[5] Alusão à
identidade de ideais e de tarefas dos nossos espíritos, há muitos séculos
ligados um ao outro pela afinidade e laços de família.
[6] "No
momento" o Esperanto polariza nossas energias e ideais. Abel Gomes e
outros Espíritos estão ditando poemas doutrinários em Esperanto. Muitos Espíritos, dirigidos pelo Dr. L. L.
Zamenhof, trabalhavam ardorosamente para o êxito do X Congresso Brasileiro de Esperanto,
no momento em que foi recebida esta mensagem, certamente do qual eu era o
Secretário Geral; mas tudo isso "no
momento", porque depois de entrar o Esperanto para o uso geral, esse ideal
estará alcançado e poderemos tratar de outros trabalhos. O trabalho pelo Esperanto
é limitado no tempo, enquanto que o do Espiritismo perder-se-á pela eternidade
em fora.
[7] São os
espíritos rotineiros, reacionários, que querem impedir o progresso, e prender a
Humanidade ao passado, às tradições que julgam eternas, a livros e autores que
reputam sagrados e imutáveis; reagem
contra a evolução e do alto de suas orgulhosas cátedras, ostentando comendas e
títulos mundanos, clamam quixotescamente contra. os progressistas: “Basta!”. É
necessário muita paciência para passar avante, sem ser crucificado por eles.
Graças a Deus, eles também terão que progredir em futuras encarnações.
[8] Estêvão,
Joaquína e Estevina Magalhães que foram meus companheiros de trabalhos ídealístícos
na Terra e, segundo outras comunicações de Espíritos, formam uma família
espiritual da qual temos feito
parte muitas vezes em anteriores encarnações. A propósito dessa colaboração já
tivemos outras informações, uma delas publicada em mensagem de Quininha (D. Joaquina
Magalhães). Os outros dois nunca se comunicaram comigo, porém, eu lhes sinto a
presença e o auxílio intelectual
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