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quinta-feira, 19 de julho de 2012

O Moleiro, o Filho e o Asno



‘O Moleiro, o Filho 
e o Asno’


            De uma carta de distinta escritora paraense, extraímos o seguinte tópico:

            "Um entendido de tudo o que é dos outros - quando eu, no ardor duma expansão exclamava:

            - "Sou propagandista da Doutrina, desde muito nova, e, por isso, agi sempre deste modo - cheio de ênfase, olhos mirabolantes, dedo espetado na fronte, reduziu-me ao silêncio com isto: - "Sou contra a propaganda. O Espiritismo é de si mesmo irradiador; não precisa que o homem se meta a instrumento veiculador. Ele tende a evoluir e o fará, sem intervenção da criatura." Cortei no meio a palavra, apertei os lábios e, após uns minutos, meti um assunto disparatado, fútil, digno do sentencioso interlocutor - modas de vestidos... E fui saindo.

            As decepções dentro do meio espírita chegam para apagar uma fogueira, quanto mais uma esfumarenta lamparina de folha de flandres.

            Guardo ainda a lembrança do Viana de Carvalho, com quem trocava assídua correspondência epistolar:

            - "Minha irmã, me escreveu o talentoso soldado espírita, aconselharam-me que tome cuidado com a vaidade!" E, continuando, me pedia: "Continua a trabalhar, minha irmãzinha, com vaidade ou sem ela, não te anules, condenando-te ao silêncio, para satisfação dos invejosos... É o que procuro fazer, em luta com a maldade humana, instrumento do espaço, para esconder a candeia sob o alqueire... "
            Meu Alma e Coração dorme, talvez, para sempre. Os diários, atualmente, só cuidam do fermento para o levedo das massas... Quem me quereria publicar, ler, ou escutar fora do ambiente asfixiante que alimenta o mundo atual? 
            Frequento uma seara, duas vezes por semana, e ali, no meio de assistentes de todas as condições sociais, leio e comento o Evangelho e o Livro dos Espíritos. Dou passes, receitas e água fluida. Mordem-me. Julgam-me. Sentenciam... Continuo no trabalho, enquanto tiver coragem. Sou só no mundo.  Sem parentes; sem esses profundos afetos da família que fazem, por vezes, o porquê duma existência. Faço amigos novos, a cada devotamento; minha família são os que me querem bem.
            São muitos? São poucos? Não sei. É tudo o que Deus me dá ao coração cansado de viver e padecer sempre."

            Há este equívoco, de fato. Muitos supõem que devemos ficar de braços cruzados, à espera que os guias façam tudo. Não poderá existir maior engano doutrinário.

            O Espiritismo é disciplina de atividade. Tudo depende dos homens. Os espíritos superiores nos orientam; a ação nos cabe. Nosso próprio destino depende de nós; somos feitura de nós mesmos. Assim como fizermos assim acharemos. Preparamos o futuro com a nossa vida presente, assim como o presente é a consequência de nossa vida passada. E nos incumbe uma cota parte no progresso geral da humanidade. Esse progresso é feito à custa de nosso sofrimento, de nossas lágrimas, de nosso esforço indefesso.

            É bem de ver, se tudo ficasse às costas dos guias e devesse correr por conta da Providência, estaríamos num mundo de provas e de imperfeições. Já seria tudo pronto, tudo muito certo. Não se acreditará que a Providência, podendo fazer obra perfeita, e incumbindo-lhe a ela essa obra, deixasse o orbe assolado pelos cataclismos, povoado de feras de todas as espécies, até mesmo as de forma humana, nos mantivesse em cativeiro material e espiritual, consentisse nas desigualdades sociais, fechasse os olhos às injustiças, à opressão, à miséria, ao crime, à guerra; desse de ombros a todos os nossos desvarios, ficando, ao que parece, indiferente, senão inteiramente cega, diante de tudo que se planeja, diante do tudo que acontece no barro em que vivemos.

            Não se pode compreender uma Providência nestas condições, como não nos apraz o Deus do Gênese, que se arrependeu do mal acabado trabalho que teve a infeliz ideia de criar.

            Não é bem isto. O mundo é um dos primeiros degraus na escala evolutiva dos seres. E destarte, será um mundo de sofrimentos e de trabalhos, tudo prévia e sabiamente estabelecido para esse fim. Seus habitantes é que o têm de refazer e melhorar, e quanto mais contribuírem para o progresso da terra em que vivem, daquelas sociedades que o povoam, das criaturas que a habitam, tanto mais se elevará ele aos olhos do Senhor.

            Temos, pois, que agir. Nossa vida terá que ser um esforço contínuo pelo Bem, uma propaganda ininterrupta em prol da espiritualidade, a bem da fraternidade. O próprio Evangelho nos manda colocar a candeia, bem alto, acima dos telhados.     

            Logo, será um erro, e erro grave, achar que devemos ficar quietinhos, deixando que a vida corra como quiser e que cada um se arranje como puder.

            Tais ideias são reminiscências de tempos monacais, em que o indivíduo fugia dos seus concidadãos, isto é, fugia da luta, e se quedava, indiferente a tudo, orando apenas pela salvação da alma. Não é esta postura egoística que o Espiritismo aconselha, senão que venhamos para as pelejas árduas da Reforma, sob a bandeira do Cristo.     

*

            Trabalho inútil, porém, será o querer acomodar-nos com a opinião de todos. Jamais o conseguiríamos, e, a nos mantermos nesse propósito, acabaríamos como o moleiro da fábula, que vinha com o filho e um burro para a cidade. Como estivesse montado, e o filho a pé, toda a gente se ria, notando o velhote no bem bom e o rapaz marchando nos calcanhares. Desmontou o ancião e pôs o moço no animal. Novas risadas, porque o velho é que ia gramando a pé, enquanto o jovem cavalgava. Resolveram montar os dois. - Matam o pobre do burro! - gritavam os assistentes. Entraram, afinal, na cidade, com o burro às costas, e o povo já não cabia de riso, por não saber qual dos três era o mais burro.

            É esta a sorte que cabe a quem quer ouvir a toda a gente, e talvez ninguém tenha maiores provas desta verdade do que o autor destas linhas.

            O curial será meditar muito sobre qualquer assunto, estudar tudo, e aceitar resolutamente o que a consciência nos ditar. Não nos zangarmos com os que opinarem diversamente, porque têm tanto direito como nós de pensar o que quiserem e de achar aquilo que o coração ou a cabeça lhes mostrarem e aconselharem.

            Não nos aziumarmos, ainda, com o que dizem de nós. Só haverá um motivo de zanga: - é quando o maldizente tem razão. A zanga, porém, não deve ser com aquele que diz mal, porém conosco mesmo, por dar ensejo a que o outro mal dissesse.

            No mais, não creia a cara irmã que possamos estar recebendo o aplauso universal. Antes, quanto mais se distingue o trabalhador, mais as pedras lhe cairão em cima. É a experiência, é a prova!            

            E depois, cabe dizer como o Gustavo: - Nós não somos libras esterlinas.

            Só a libra esterlina agrada a todo o mundo




por  Carlos Imbassahy (Pai)

in Reformador (FEB) Julho 1945
                                  



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