O Senhor e o Servo
"Respondeu-lhes Jesus:
em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é servo do
pecado." S. João, 8:34.
A noção de "pecado",
filiada ao conceito da transgressão à lei Divina, simplifica-se no quadro da
exegese espírita, sendo conduzida então para um tal critério, que não resta aos
espíritos mais simples qualquer dúvida a respeito de sua expressão ou de sua
influência entre os homens. O pecado, antes de manifestar-se pelo ato ou pela
palavra, já explodiu no pensamento e aí mesmo atou as suas raízes compressoras
para o futuro. Estultice seria considerar que Deus houvesse criado leis
rígidas, dominantes no plano físico, não as tendo também estabelecido para o
plano espiritual, identificado este com a sua própria essência criadora.
Realmente, o Espírito através de sua
expressão mental, purificada ou poluída, constrói o seu próprio destino, de vez
que forja um teor vibratório que o arrasta para circunstâncias idênticas às que
sulcaram sua mente, nos longos hábitos de transgressão. Assim, o tirano
conhecerá o martírio; o ingrato receberá a ingratidão; o perjuro provará a
perfídia; o egoísta presenciará a necessidade; o perdulário sofrerá a carência;
o avarento receberá o despojo; o orgulhoso contemplará a humilhação de si
mesmo, e assim tantos outros estados mentais violadores da Lei Divina, que
aprisionam os seus fautores, tornando-os calcetas dos próprios erros.
O servo do pecado, na expressão do
Cristo, é aquele que contraiu uma dívida para com a obra do Criador, cuja Lei
violada lhe exige o resgate que, em hipótese alguma, poderá ser liberado
de seu destino. Isso então determina, na maioria dos casos, o que vulgarmente
se denomina "expiação". As "provações terrenas", que são
reparações mais brandas, também podem constituir um capítulo da escravização do
"pecado", lançando as almas para os movimentos de fluxo e refluxo, a
que são submetidas pela constante implacável do Destino. Nem um só pensamento
instantâneo se perde para o registro da evolução de cada criatura. Todos nós
temos no astral um livro onde se arquivam os nossos mais escusos sentimentos.
Para os atuais Espíritos encarnados,
que integram a comunidade terrena, a palavra de advertência
é a de aceitação da "expiação" ou "prova", imposta pela
Justiça Divina, pois que só
a Dor em sua função retificadora, pode desagrilhoar as tenazes do pecado, de
que o Espírito se fez voluntariamente servo. Ao mesmo tempo, cumpre-lhe
vigilância no plano da mente, para que não aceite doravante qualquer sugestão inferior,
capaz de, pela sua sequência, lançar-lhe novas amarras para um ciclo talvez ainda
mais doloroso.
Na Índia, uma palavra sânscrita que
se intitula "Karma" e significa - Ação - define, com alta sabedoria, a Lei que rege os destinos
espirituais do Homem. O princípio subjacente contido nela é um trinômio
espiralado:
"Semeia
um pensamento e colherás um hábito.
Semeia
um hábito e colherás um caráter.
Semeia
um caráter e colherás um destino."
Eis, em síntese, a legislação que
condiciona a submissão do servo ao pecado que o escravizou.
Toda alma ressuscitada no Cristo,
aquela que recebeu a graça da 3ª Revelação, não tem mais
o direito de incidir nas mesmas fraquezas do passado por isso que, as futuras
transgressões serão punidas cada vez com maior rigor, em virtude de a gravidade
das faltas ser proporcional ao grau de consciência ou da iluminação interior da
criatura. Ao Espírito, quanto mais esclarecido, mais rigor e maior exigência
para seu esforço de evolução. Isto é da Lei e, portanto, certo e inevitável.
A Misericórdia Divina não poderia
dispor de outra forma o regulamento pelo qual se condiciona a atividade humana,
no palco da vida.
O homem terreno pode, pois, dilatar
as suas esperanças, desde que saiba cumprir, na transitória passagem pela
carne, com seus deveres de consciência, no campo da luta que Deus lhe outorgou.
A vida no Além prossegue, com características semelhantes às da Terra. Os
desencarnados se organizam também em sociedade, tanto mais alegres e felizes,
quanto mais alto for, em virtude e sabedoria, o grau de evolução de seus integrantes.
Essas comunidades do Além se superpõem em planos que se eterizam à medida de
sua ascendência. E se os seus pináculos nos são ainda inabordáveis - embora
presumidos pela intuição divina imanente em cada ser - contudo as bases
calcadas sobre a crosta nos são diariamente testemunhadas pela palavra dos Espíritos
que convivem conosco e nos lançam mensagens de advertência.
E aqui, bem próximo a nós, em zonas
sombrias de desequilíbrio, onde há choro e ranger de
dentes, sofrem legiões de condenados. Para eles não há por enquanto nem luz nem
paz. O remorso,
como um caçador de feras, lhes chibata a consciência.
Eles são os servos voluntários do
senhor tirânico aclamado por eles próprios e cujo centro é o coração de cada
um. Constituíram-se nos servos do pecado, de que nos fala a palavra piedosa do
Nazareno.
Luiz de Almeida
in ‘Reformador’ (FEB) Jul 1945
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