A
política, sob a capa da razão, cava num palmo de terra, existente entre dois
irmãos, a sepultura de ambos. Não sei onde li essa opinião. Creio que em
Camilo. Li-a na minha mocidade.
Agora, já na velhice, quando me
sinto aproximar do dia em que deverei entregar os ossos à sepultura, nesse
hábito que os velhos temos de recapitular as lições recebidas na longa
peregrinação terrena que palmilhamos, é realmente doloroso observarmos, assim,
quando já se tem o pé na cova, que os homens são sempre os mesmos, as eternas
crianças que só veem pelo prisma acanhado do direito individual, sem qualquer
respeito pelo direito do próximo ou da coletividade e sem sequer vislumbrarem
as consequências futuras do ato irrefletido do presente.
A ideia que tiveram os nossos irmãos
católicos - que se deixaram levar pelo clero sempre ambicioso das posições do
mundo - de se organizarem em Ligas e de apresentarem exigências aos candidatos,
refletirá mais tarde, com todas as consequências, não só por dividirem elas os
próprios meios católicos, como por estimularem a criação de partidos políticos
dentro de todos os meios religiosos e anti religiosos do País.
A política religiosa da Idade Média
renasceu no Brasil. Assistimos ao mais vergonhoso de todos os absurdos:
púlpitos transformados em tribunas de meetingueiros, templos a servirem à deusa
Política, pastores a dispersarem ovelhas. E tudo isso na presença silenciosa
dos "santos" que ornavam os altares!
Os políticos, porém, acharam
belíssima a ideia do nosso clero. É' possível, mesmo, que os vencedores ofereçam
aos padres o prêmio a que fizeram jus. Prêmio que eles esperavam obter na
certa, porque aderiram, de uma só vez, aos dois candidatos em evidência, aos
que poderiam ser eleitos com ou sem auxílio de partidos religiosos, mas o que
se observa é que o meio católico se dividiu, que a religião foi prejudicada na
sua parte espiritual e que o exemplo estimulante aí ficou para as futuras
lutas.
O clero jogou na certa, como sempre.
Não lhe comove a luta entre os seus adeptos. Só lhe interessa a consecução dos
seus planos: O poderio material, esse mesmo poderio que sempre o preocupou
desde a aliança com Constantino, no século III, esse mesmo poderio de que tanto
abusaram na Rússia dos czares, ao ponto de o próprio povo se levantar contra os
opressores de todos os matizes.
Lutas religiosas; lutas que
dividirão os filhos da mesma Pátria! Os quadros da História se nos apresentam
apavorantes. Só os cegos, condutores de cegos, não têm olhos para ver! Que
importa, porém, ao clero estrangeiro que nos domina, o sofrimento dos nossos
filhos? Que importa, mesmo, que um ou outro sacerdote seja sacrificado? Se não
podem dominar com o Cristo, porque este já os abandonou há séculos, dominarão
com César...
A Igreja já não tem mais autoridade
espiritual sobre os seus adeptos. Os intelectuais já a
têm como organização política, com finalidades puramente humanas.
Os seus dirigentes paganizaram o
Cristianismo, corromperam os ensinamentos do Nazareno, menosprezaram-lhe os exemplos,
renegaram-lhe o Evangelho, abandonaram a cruz e transferiram-se para os salões
dos Césares de todas as nações.
Os cristãos, porém, aqueles que creem
nas palavras do Messias, aqueles a quem os senhores de tonsura chamam
feiticeiros, loucos, demoníacos e exploradores da credulidade pública, esses
continuam ouvindo e honrando as recomendações do Mestre: "O meu reino não
é deste mundo".
assina G.
Mirim
(Antônio Wantuil de Freitas)
in ‘Reformador’ (FEB)
em Dezembro 1945
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