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Que significa esta expressão:
renascer da agua e do espírito? Será como o pretendem os vulgarizadores da
letra do Evangelho, submeter-se à cerimonia do batismo e, filiando-se a uma das
numerosas seitas em que, depois da Reforma, se subdividiu a igreja, cingir-se às
suas práticas? Ou haverá naquela exortação um simbolismo e uma significação espiritual
que importa aprofundar?
Sem a menor dúvida. Pretender que a
simples aspersão da água, no batismo, ou mesmo a imersão, completa ou parcial,
segundo é diversamente praticada por algumas seitas dissidentes, constitui um
"renascimento", é forçar evidentemente a interpretação. Batizar em água
não pode ser confundido na identidade da mesma significação de renascer da água.
Servindo-se desta expressão, ao
mesmo tempo que firmava categoricamente e de modo inconfundível o grande
principio, "necessário vos é renascer de novo ", o Cristo adaptava a
sua linguagem ao simbolismo que era familiar aos seus contemporâneos.
A água representava para os hebreus
o princípio de que todas as coisas são formadas. É assim que no capítulo I do GÊNESE
se lê a cada passo: "o Espírito de Deus era levado sobre as águas"
(vers. 2°) ; "disse também Deus: Faça-se o firmamento no meio das águas e
separe umas águas das outras águas" (vers. 6); "e fez Deus o
firmamento e dividiu as águas que estavam por baixo do firmamento das que
estavam por cima do firmamento " (vers. 7); "disse
também Deus: As águas que estão debaixo do céu ajuntem-se num mesmo lugar, e o
elemento árido apareça; e assim se fez" (vens. 9); "disse também
Deus: Produzam as águas répteis de alma vivente e aves que voem sobre a terra,
debaixo do firmamento do céu " (vers. 20), etc.
É evidente, pois, que essa palavra
designava a matéria ou fluido cósmico, universal e primitivo, por cujas transformações
e sucessivas condensações, diversificadas, se veio a produzir a criação
terrestre. Renascer da água não significava assim, no pensamento de Jesus,
senão renascer da matéria, de que é formado o corpo humano.
Esse renascimento, entretanto, não
basta, só por si, para facultar o acesso ao reino de Deus, que é a perfeição
interior, lentos como são, de vida em vida, os progressos realizados pelo
espírito. Nos múltiplos exemplos mesmo, que ficaram páginas atrás, pode
reconhecer-se quão demorada é para as criaturas vulgares, indiferentes aos estímulos
da verdadeira fé religiosa, a evolução espiritual. Não, não basta ir renascendo
a esmo, peregrinando através os tempos e os lugares, sob a injunção da grande
lei; é necessário sobretudo "renascer do espírito". E esse
renascimento, cedo ou tarde, ao fim de poucas ou de muitas existências,
conforme a diligência no esforço e o aproveitamento realizado, há de se operar
inelutavelmente para cada um dos forasteiros deste mundo.
Como e quando? - Quando, suficientemente
esclarecido pelas experiências do passado, se resolve a empreender o individuo a definitiva
jornada de espiritualização de sua natureza, fazendo morrer o que em linguagem evangélica se chama o homem velho, para em seu
lugar surgir o homem novo, transfigurado pela conversão às verdades divinas do
Evangelho.
A isso, a esse despertar da consciência
profunda, do ego interior e individual, para conhecimento de sua verdadeira
natureza, acompanhado de constantes esforços no sentido de sua perfeita e
completa santificação, pelo desenvolvimento das virtudes e o desprezo de todas
as mundanas solicitações, é que se chama o renascimento do espírito, e é claro
que tarefa de tal magnitude não pode ser consumada em uma única existência. Tal
seja contudo a
firmeza da resolução, tal continuidade do esforço nessa obra de regeneração,
quem sabe a que culminâncias não poderá ser conduzida? "Aquele que
perseverar até ao fim - disse Jesus - será salvo", e as suas palavras não
passarão, "ainda que passem céus e terra."
O ponto é que, à semelhança da Fênix
mitológica, de si mesmo renascido não mais abandone o espírito o roteiro
ascensional que conduz à sua própria integração divina. Se o não conseguir
numa, será em algumas breves, meritórias e brilhantes existências: brilhantes
sobretudo pela humildade, pelo amor e pela fé.
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