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‘Rimas do
Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
Guerra Junqueiro
Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929
Casa Editora Guajarina
Na
Pedra Sepulcral
Um dia, na terra
fria, a negra ossada
do poeta sorriu,
despida e abandonada,
- não do ribombar
medonho do trovão,
mas das falas ocas
de um senil papão
que surgiu, por
acaso, ao pé da sua cova,
talvez para
levar-lhe alguma ideia nova.
Cingia-lhe a cabeça
(e de avultada soma)
alta mitra
brilhante. Era vindo de Roma.
Rugiu, então,
fitando a lousa furibundo:
Porque, Junqueiro
infame, enxovalhaste o mundo?
Teu nome vem
escrito em livro excomungado,
de versos em estilo
vil, acanalhado!
Que imundície! que
horror! que lodaçal!
Foi teu ideal o crime; praticaste o
Mal!
Jamais tu foste à
igreja esmolas oferecer!
Morreste; estás no
Inferno, eternamente a arder!
Se um corvo ali
passasse, estava fulminado
pelas chispas que o bonzo (sacerdote) desvairado
desprendia dos
olhos, tendo um gesto audaz,
Mais vermelhas do
que as do olhar de Satanás.
Depois, com vesgo
olhar de raio que flameja:
Desafio-te, agora:
vem, insulta a Igreja !..
Então, a negra
ossada ergueu-se bruscamente,
Vibrante, soberana,
e, sarcasticamente,
bradou, com essa
voz do bravo que tem glória,
calmo na luta, sempre
certo da vitória:
o vate lusitano
ergueu-se em terra fria
p'ra combater o
Mal, horrível monstro, a harpia!
Atrás, usurpador de
títulos de santo!
Respeita a lousa em
que verteu a Glória pranto
Repousa aqui um
bravo e impávido ancião
que desdenhou do
papa e riu da excomunhão.
Se fui um celerado,
a culpa tive-a eu:
amei o olhar do
Cristo e a voz de Prometeu.
que, gemendo, no
jugo, mesmo acorrentado,
espera ver o sonho
um dia realizado
- a bandeira da Paz
e a Liberdade plena
concedida aos mortais,
numa expansão serena!
Ó bonzo, vai chamar
depressa o rei Plutão
e diz-lhe que aqui
venha e tire ao pó do chão
a carcaça senil,
terrosa de Junqueiro,
p'ra assa-la
meigamente, ao lume de braseiro,
talvez em companhia
de almas condenadas
que se somem no abismo
aonde, as chicotadas,
vão arder hereges
em suplício eterno,
nos fornos de um
palácio que se chama Inferno.
E tem o tal palácio
muitas diversões:
entes vivos queimar
à luz dos caldeirões.
Nos dias de fartura
e grande movimento,
para a este labor
dar pleno vencimento,
tem; à porta de
bronze, elegante rapaz,
lacaio do monarca-
altivo, Satanás,
com chifres pontiagudos
e a cauda reluzente
de fogo rutilante,
alegre, sorridente,
espécie de burguês,
espécie de macaco,
tendo, lépido, ao
ombro um tridente e um saco,
farejando, atento,
mais uns condenados
que cheguem mais ou
menos atrasados...
E a múmia, heril,
na igual soberania,
dou ao bonzo, que,
vencido e mudo, ouvia:
basta de mentira,
espertos intrujões!
Porque extorquis
ouro em troca de orações?
Abaixo a estupidez!
Abaixo a Hipocrisia!
O Deus, puro e
bondoso, pune a idolatria,
Tremei,
profanadores do Mestre, Jesus,
que na Terra há de
raiar, em viva luz,
a aurora do porvir
de Amor e de Verdade;
trazendo ao mundo
paz, consolo à Humanidade.
E vós, Ó homens,
fortes, unidos, possantes,
queimai o diadema
de ouro com brilhantes,
fazendo das igrejas
templos de Humildade,
onde o crente
pratique o Bem e a Caridade!
Haveis de ver,
entoando um hino triunfal,
a sombra de
Junqueiro à pedra sepulcral!..
E a múmia ao
terminar, num gesto de bravura,
deitou-se,
calmamente, a rir, na sepultura.
Quanto ao bonzo, de
cólera bramindo,
Voltou p'ras bandas donde tinha vindo.
27 de Setembro de 1927
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