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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Allan Kardec- desencarne e funerais



Reformador Março 1978
A Desencarnação
 de Allan Kardec – Seus Funerais

            "Continuai a derramar sobre os vossos discípulos o vosso concurso benigno e poderoso; a obra se cumprirá!.. e vosso nome, gravado no panteão da História, entre aqueles dos benfeitores da Humanidade, se transmitirá de Idade em Idade como os dos profetas antigos." - Levent, 1870.

            No dia em que Allan Kardec desencarnava, constituindo este fato dolorosa surpresa para todos os seus amigos e para os espíritas em, geral, nesse mesmo dia o Sr. E. Muller, grande amigo do Codificador e de sua digna esposa, assim se expressava por carta ao Sr. Finet:

            “Paris, 31 de março de 1869.

          "Amigo:
          "Agora, que já estou um pouco mais calmo, eu vos escrevo. Enviando-vos meu aviso, como o fiz, talvez tenha agido um tanto brutalmente, mas me parecia que devíeis receber a comunicação imediata desse falecimento.
          "Eis alguns pormenores:
          "Ele morreu esta manhã, entre onze e doze horas, subitamente, ao entregar um número da Revue a um caixeiro de livraria que acabava de comprá-lo; ele se curvou sobre si mesmo, sem proferir uma única palavra: estava morto.
          "Sozinho em sua casa (Rua de Sant'Ana), Kardec punha em ordem seus livros e papéis para a mudança que se vinha processando e que deveria terminar amanhã. Seu empregado, aos gritos da criada e do caixeiro, acorreu ao local, ergueu-o... nada, nada mais. Delanne acudiu com toda a presteza, friccionou-o, magnetizou-o, mas em vão. Tudo estava acabado.
          "Venho de vê-lo. Penetrando a casa, com móveis e utensílios diversos atravancando a entrada, pude ver, pela porta aberta da grande sala de sessões, a desordem que acompanha os preparativos para uma mudança de domicílio; introduzido numa pequena sala de visitas, que conheceis bem, com seu tapete encarnado e seus móveis antigos, encontrei a Sra. Kardec assentada no canapé, de face para a lareira; ao seu lado, o Sr. Delanne; diante deles, sobre dois colchões colocados no chão, junto à porta da pequena sala de jantar, jazia o corpo, restos inanimados daquele que todos amamos. Sua cabeça, envolta em parte por um lenço branco atado sob o queixo, deixava ver toda a face, que parecia repousar docemente e experimentar a suave e serena satisfação do dever cumprido.
          "Nada de tétrico marcara a passagem de sua morte; se não fosse a parada da respiração, dir-se-ía que ele estava dormindo.
          "Cobria-lhe o corpo uma coberta de lã branca, que, junto aos ombros dele, deixava perceber a gola do robe de chambre, a roupa que ele vestia quando fora fulminado; a seus pés, como que abandonadas, suas chinelas e meias pareciam possuir ainda o calor do corpo dele.
          "Tudo isto era triste, e, entretanto, um sentimento de doce quietude penetrava-nos a alma; tudo na casa era desordem, caos, morte, mas tudo aí parecia calmo, risonho e doce, e, diante daqueles restos, forçosamente meditamos no futuro.
          "Eu vos disse que na sexta-feira é que o enterraríamos, mas ainda não sabemos a que horas; esta noite seu corpo está sendo velado por Desliens e Tailleur; amanhã o será por Delanne e Morin.
          "Procuram-se, entre os seus papéis, suas últimas vontades, se é que ele as escreveu; de qualquer forma, o enterro será puramente civil.
          "Escrever-vos-ei, dando-vos os pormenores da cerimônia.
          "Amanhã, creio eu, cuidaremos em nomear uma comissão de espíritas mais ligados à Causa, aqueles que melhor conhecem as necessidades dela, a fim de aguardar e de saber o que se irá fazer...
          "De todo o coração, vosso amigo, 
(a) Muller."



            "Eis aqui, na medida em que minhas recordações o permitem, os pormenores da cerimônia (fúnebre):
            Exatamente ao meio dia (de 2 de abril de 1869) se pôs em marcha o cortejo, encabeçado por um único carro mortuário, modesto, seguido lentamente por respeitosa multidão formada por, quantos conseguiram comparecer a esse último encontro. O Sr. Levent, Vice-Presidente da Sociedade (Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas), presidia a comitiva, tendo à sua esquerda o Sr. Tailleur e à sua direita o Sr. Morin, seguindo-se lhes os médiuns, o Comité -- a Sociedade toda e uma multidão de amigos e simpatizantes. Fechavam o séquito voluntários e inativos. Ao todo, de mil a mil e duzentas pessoas.
            Andando pela Rua de Grammont, o cortejo atravessou os grandes bulevares, as Ruas Laffitte, Notre-dame de Lorrette, Fontaine e os bulevares exteriores (Clichy), ingressando no cemitério de Montmartre, por entre os populares que se acotovelavam (...)”
            Falaram, junto à sepultura e rodeados pelos que  disputavam os lugares donde melhor pudessem ouvir os discursos ("pobre gente!" - exclamou o Sr. Muller), Levent, Camille Flammarion, Alexandre Delanne e Muller.

            A descrição dos funerais é de E. Muller, em carta aos seus amigos de Lyon, datada
de Paris, 4-4-1869. Os destaques, entre parênteses, são do compilador.

.....

Detalhe entrada - Père Lachaise



O Caráter de Kardec

            Em 31 de março de 1870, ali pelas duas horas da tarde, grande número de espíritas encheu o famoso cemitério de Père-Lachaise, colocando-se em torno do monumento dolmético erigido para honrar a memória imperecível do sábio codificador da Doutrina Espírita - Allan Kardec.

            Inaugurava-se a nova morada dos despojos do saudoso extinto, e vários discursos foram pronunciados, exprimindo todos os oradores, "com a eloquência do coração, os sentimentos de reconhecimento e os testemunhos de gratidão dos espíritas presentes e ausentes".
.....

            Alguns companheiros de Kardec, não podendo comparecer a essas manifestações de carinho, remeteram belíssimas cartas. Transcreveremos, em tradução, a de Alexandre Delanne, amigo dedicado de Kardec e pai de Gabriel Delanne.

Carta de Delanne

                 Rouvray, 30 de Março de 1870

        Faz um mês que estou no campo, buscando restabelecer minha saúde fortemente abalada por seis meses de doença. Tive ciência, através de uma carta de Madame Delanne, que, amanhã, ireis inaugurar o monumento do nosso venerado mestre Allan Kardec. Seria grande felicidade para mim estar entre vós, a fim de assistir a essa tocante cerimônia e prestar homenagem, de viva voz, uma vez mais, a este Espírito de elite que, ao me infundir a fé esclarecida, deu-me ao mesmo tempo a serenidade e a resignação tão necessária nesta terra de provações.
       
        Mas, se a distância e o esgotamento de minhas forças não me permitem acompanhar-vos pessoalmente, crede que meu coração não permanece insensível, e que meu pensamento livre, malgrado a impotência do meu corpo, irá unir-se ao vosso.

        Ninguém saberia, melhor que eu, reconhecer as raras qualidades de Allan Kardec e render-lhe a devida justiça. Vi, muitas vezes, em minhas longas viagens, o quanto era ele amado, estimado e compreendido por todos os adeptos. Todos desejavam conhecê-lo pessoalmente a fim de lhe agradecerem o lhes ter dado a luz por intermédio de suas obras, a fim de lhe testemunharem sua gratidão e seu completo devotamento. Eles o amam, até hoje, como a um verdadeiro pai. Todos proclamam seu gênio e o reconhecem o mais profundo dos filósofos modernos. Mas, estarão eles em condições de apreciá-lo em sua vida privada, isto é, por seus atos? Puderam eles avaliar a bondade do seu coração, avaliar seu caráter tão firme quão justo, a benevolência de que usava em suas relações, sua prudência e sua extrema delicadeza? Não.

        Pois bem, senhores, é a esse respeito que hoje vos quero falar do autor de “O Livro dos Espíritos”, visto que por muitas vezes tive a honra de ser recebido em sua intimidade. Fui testemunha de algumas de suas boas ações, e, a este propósito, algumas citações talvez não sejam inconvenientes aqui.

        Como um dos meus amigos, o Senhor P ... , de Joinville, me veio ver, fomos juntos à Villa de Ségur fazer uma visita ao mestre. Durante a palestra, o Sr. P...  teve a ocasião de narrar a vida de privações por que passava um de seus compatriotas, ancião a quem tudo faltava, que não tinha mesmo vestes próprias para proteger-se do inverno, sendo forçado a abrigar seus pés em tamancos grosseiramente trabalhados. Este bom homem, entretanto, longe estava de se lamentar e, sobretudo, de solicitar auxílios: era um pobre envergonhado. (Uma brochura espírita, que lhe caíra sob os olhos, permitira-lhe beber na Doutrina a resignação para as suas provas e a esperança de melhor futuro.) Vi, então, rolar dos olhos de Allan Kardec uma lágrima de compaixão, e, confiando ao meu amigo algumas moedas de ouro, disse-lhe: “Levai, para que possais prover as necessidades mais prementes do vosso protegido, e, já que ele é espírita, e as economias dele lhe não permitem instruir-se quanto ele desejaria, voltai amanhã; entregar-vos-ei, juntamente com as minhas obras, todas aquelas que eu puder dispor em proveito dele.” Allan Kardec cumpriu sua promessa, e o velho abençoa hoje o nome do benfeitor que, não satisfeito em lhe socorrer a miséria, lhe dava ainda o pão da vida, a riqueza da inteligência e da moral.

        Há alguns anos me foi recomendada uma pessoa reduzida à extrema miséria, expropriada violentamente de sua casa e lançada à rua, sem recursos, com mulher e filhos. Eu me fiz, junto ao mestre, o intérprete desses infelizes, e, no mesmo instante, sem pedir para conhecê-los, sem inquirir de suas crenças ( eles não eram espíritas) , ele me forneceu os recursos para tirá-los da miséria, o que lhes evitou o suicídio, pois que eles haviam resolvido evadir-se ao fardo da vida (que para a alma desencorajada deles se tornara muito pesado), se tivessem que renunciar à assistência dos homens.

        Finalmente, permiti-me contar-vos ainda o fato a seguir, em que a generosidade de Kardec rivaliza com a sua delicadeza.

        Certo espírita, que habitava uma aldeia situada a vinte léguas de Paris, tinha rogado a Allan Kardec lhe desse a honra de uma visita, a fim de este assistir às manifestações espíritas que com ele se processavam.

        Sempre pronto quando se tratasse de prestar algum serviço e tendo por princípio que o Espiritismo e os espíritas tudo devem aos humildes e aos pequenos, sem demora ele partiu, acompanhado de alguns amigos e da Senhora Allan Kardec, sua querida companheira.

        Não foi perdida a sua ida, porque as manifestações que testemunhou foram verdadeiramente notáveis; mas, durante sua curta permanência ali, seu hospedeiro foi cruelmente afligido pela perda súbita de uma parte de seus recursos. Todos, consternados, dissimulavam sua desolação, tanto quanto possível. Entretanto, a nova do desastre chegou aos ouvidos de Allan Kardec, que, no momento de sua partida, informando-se da cifra aproximada das perdas sofridas pelo amigo, remeteu ao “maire” uma quantia mais que suficiente para restabelecer o equilíbrio da situação do seu hospedeiro. Este, só foi notificado da intervenção do seu benfeitor após a partida dele.      

        Não mais pararia eu de falar, se tivesse necessidade de vos lembrar os milhares de fatos deste gênero, conhecidos tão-somente por aqueles que por Kardec foram socorridos; não amparava apenas a miséria, levantava, também, com palavras confortadoras, o moral abatido. Jamais, porém, sua mão esquerda soube o que dava a direita. Antes de terminar, não posso resistir ao desejo de dar-vos a conhecer esta última passagem:

        Uma tarde, uma pessoa de minhas relações, que passava por cruel provação, guardando aos olhos de todos suas privações, recebeu uma carta fechada que continha recursos suficientes para auxiliá-lo a sair de sua crítica posição, acompanhados aqueles destas simples palavras: “Da parte dos bons Espíritos.” Do mesmo modo que a bondade do mestre lhe descobrira o infortúnio, meu amigo, guiado por alguns indícios e pela voz do coração, cedo reconheceu seu anônimo benfeitor.

        Eis, portanto, o coração desse filósofo desconhecido durante a sua vida! E, na verdade, quem mais do que ele, tão bom, tão nobre, tão grande em suas palavras quanto em suas ações, foi alvo da injúria e da calúnia?

        Entretanto, não tinha inimigos, senão os que totalmente o desconheciam; porque, apreciando-o bem, mesmo aqueles que não partilhavam de suas opiniões filosóficas eram forçados a render homenagem à sua boa-fé e ao seu completo desinteresse.

        Seus críticos, que dele não conheceram senão a sua bandeira, procuraram perdê-lo na opinião pública, sem ao menos investigarem se os boatos que espalhavam tinham algum fundamento; porém, ele susteve a sua bandeira tão alto e tão firme, que nenhum descrédito pôde atingi-lo, e a lama com que o queriam cobrir, não enlameou senão as mãos dos panfletários.
       
        Caro mestre, nobre e grande Espírito, paira, na tua majestade, sobre aqueles que te amam e respeitam! Não os deixes sem a tua intervenção caridosa e protetora! Comunica à alma deles o fogo sagrado que te anima, e assim, profundamente convencidos dos imortais princípios que professaste, marchem eles nas tuas pegadas, imitando-te as virtudes! Faze reinar entre nós a concórdia, o amor e a paz, a fim de que a ti nos possamos reunir quando a hora da libertação soar igualmente para nós!

        Recebei, etc.

            Al. Delanne

(Traduzida da obra, editada em 1870 - Paris, Librairie Spirite, Rue de Lille, 7
-, "Discours prononcés pour I'anniversaire de Ia mort de Allan Kardec
 - Inauguration du Monument", pp. 17/24.)


…..

Traços físicos e morais de Allan Kardec

            Ana Blackwell, que conheceu de perto Allan Kardec, cujas obras fundamentais traduziu para a língua inglesa, deixou para a posteridade essa página referente ao Codificador:

            Allan Kardec era de estatura meã. Robusto, cabeça ampla, redonda, firme, com feições bem pronunciadas e olhos pardo-claros, mais parecia alemão que francês. Era ativo e tenaz, mas de temperamento calmo, precavido e realista até quase à frieza, cético por natureza e por educação, argumentador lógico e preciso, e eminentemente prático em suas ideias e ações; distanciado assim do misticismo que do entusiasmo... Ponderado, lento no falar, sem afetação, com inegável dignidade, resultante da seriedade e da honestidade, traços distintivos de seu caráter. Sem procurar discussões nem a elas fugir, mas nunca provocando qualquer comentário a respeito do assunto a que consagrara sua vida, recebia amavelmente os numerosos visitantes que acorriam de todas as partes do mundo para conversar com ele a respeito das ideias de que era o mais autorizado expoente, respondendo às consultas e às objeções, resolvendo dificuldades, e dando informações a todos os investigadores sérios, com os quais falava franca e animadamente. Em algumas ocasiões apresentava fisionomia radiante, com um sorriso agradável e prazenteiro, se bem que, por causa da sobriedade do seu todo, jamais o viram rir.

          Entre os milhares de visitantes, encontravam-se pessoas de alto nível no mundo social, literário, artístico e científico. O imperador Napoleão IlI, cujo interesse pelos fenômenos espíritas não era nenhum segredo, mandou chama-lo várias vezes, e com ele manteve longas palestras, nas Tulherias, acerca das doutrinas expostas em «O Livro dos Espíritos".


            (Traduzido das págs. 169-70 de The History of Spiritism vol, II, da autoria de Arthur Conan Doyle.)


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