"A igreja ensina, caríssimo Dr. .... , que toda a geração humana,
aqui e além - durante a vida e depois da morte, sofre a pena do pecado
original, de que nasce contaminada.
Se ela é
infalível, este ensino é pura verdade.
Mas, diga-nos,
bom amigo, se este ensino é pura verdade, o que ficam valendo as palavras do
Senhor, repetidas por Jesus: nem o pai paga pelo filho, nem o filho pelo pai,
mas cada um paga por suas próprias obras? (2)
Confesse que este
dente é difícil de arrancar!
A simples razão,
não obsecrada pelo fanatismo, julga impossível que a justiça indefectível
responsabiliza o filho pela culpa do pai. É coisa que não exalta a Suprema
Perfeição - e que, portanto, não confere com o critério absoluto da verdade.
Mas, enfim, a
simples razão não faz prova contra esses decretos da igreja infalível, embora
antinômico do infalível critério.
O conceito,
porém, tão claro, positivo e categórico, que acima deixamos grifado, corta toda
a dúvida entre a razão e a decretaI romana.
Ou existe a culpa
original - e Deus não disse a verdade pela boca do profeta e de Jesus, ou é
verdade o que disseram estes - o pecado original é um desses ensinos humanos,
de envolta com as verdades divinas, necessárias no tempo em que a humanidade
não podia suportar a luz da verdade pura.
Se quiserdes,
consideramos autênticas uma e outra versão, certos, porém, de que, visto se
contradizem, uma é de origem divina e a outra de origem humana.
Como, então,
reconheceremos o caráter de cada uma? Submetendo-as ao critério para vermos
qual exalta e qual deprime as infinitas perfeições.
Ora, dizei-vos,
com a razão desprevenida e com a mão na consciência: o que exalta a suma
perfeição: responsabilizar cada um por suas obras, ou responsabilizar o filho
pelas obras do pai?
Aí tem bem
discernidas, caro amigo, as origens divinas e humanas, das duas versões.
Além disto que é ‘tranchant’(absoluto, categórico)
temos ainda melhor prova da falsidade do
dogma romano.
O pecado é do espírito e não do corpo - e o espírito é criado por Deus
e só o corpo é criado pelo pai terrestre.
Assim,
pois, se os espíritos, que são quem delinque e sofre a pena do delito, não são
criados pelo pai terreno, como passará o deste ao de seu filho a sua mácula?
Compreende-se
a transmissão dos vícios orgânicos, pois que o organismo do pai é que gera o do
filho; a transmissão do pecado do espírito, ninguém poderá compreender, pois
que o espírito do pai não gera o do filho.
Bom
amigo. Encare esta questão pela face que bem lhe parecer - e será sempre levado fatalmente a esta conclusão? A igreja sustenta
uma doutrina falsa, porque deprecia a justiça indefectível, ao passo que a sua
oposta exalta essa justiça.
E,
se a igreja sustenta e propaga doutrinas falsas, uma que seja, a igreja não
pode ser infalível.
Se
o pecado original fosse uma verdade, todos os homens, antes de pecarem na vida;
isto é, antes de terem a consciência de seus atos, na primeira infância, teriam
igual responsabilidade pela culpa do primeiro par humano.
Se
não for assim, onde a justiça igual de Deus?
Mas,
se for assim, na hipótese da transmissão da culpa original, onde a justiça igual de Deus à vista da infinita desigualdade de condições
físicas - morais e intelectuais, com que vimos à vida?
Pois,
se somos todos criados por Deus para esta vida - e somos todos igualmente contaminados da culpa original, como e porque não nascemos
em identidade de condições, se Deus é justo?
A
igreja estaca diante desta esfinge, cuja palavra não pode traduzir, sem ferir a
justiça soberana.
Porque?
Porque a igreja não conhece ainda a sublime lei que o Espiritismo veio revelar
ao mundo: a lei das múltiplas existências corporais.
Submeta
o fato à esta lei - e reconhecerá, pela glória que daí resulta para a Infinita
Perfeição, que ela confere com o infalível critério da verdade, embora derribe o dogma tacanho e impossível da
vida única.
A
desigualdade que se observa na primeira infância dos seres humanos, e portanto,
no tempo em que eles não podem ajuntar pecado seu ao pecado original; essa
desigualdade procede da desigualdade de provas', que fizeram estes seres em
vidas anteriores, na idade em que exercitam a liberdade, nessas tais vidas.
Uns vêm assim
adiantados moralmente - outros intelectualmente - no geral, perfeitos
fisicamente.
Vice-versa, vêm
uns atrasados moral e intelectualmente e alguns imperfeitos fisicamente: cegos,
surdos, mudos, aleijados e idiotas".
A escala é
infinita, porque infinito foi o modo porque exerceram o livre arbítrio.
Não entra isto
pela razão? Não resulta disto a justiça igual, que pune cada um segundo suas
obras? Não é impossível conciliar esta variedade com a justiça igual, mesmo
admitindo o pecado original, permanecendo o princípio da vida única?
Deixemos
entretanto o tradicionalismo e reconheçamos que a fé raciocinada sobrepuja a fé passiva, que sopita a razão, lume que Deus nos
deu.
Crer, porque nos mandam crer é tão indigno da
criatura e do Criador como exalta-os: crer porque nossa razão se conforma com
tal crença.
Crer em Deus pelo impulso de nossa alma, baseado no testemunho de
nossa razão, é o verdadeiro ato de fé, que nunca será: crer em Deus, porque
ensinam que Ele existe e mandam que creiam n'Ele.
Ora,
se a igreja romana conserva no arquivo de suas verdades todos estes absurdos
impossíveis infalibilidade, vida única, morte eterna, e
fé passiva, como submeter o Espiritismo a suas decretais, quando ele é o
enviado de Jesus, embora desconhecido do mundo, como foi o próprio Jesus?
Bom amigo,
repetimos: nossa autoridade é igual, assim foram nossos merecimentos iguais aos
seus." MAX
Artigo de autoria de MAX ,
nome fantasia adotado por Adolpho Bezerra de
Menezes
Livro: ‘Jesus não é Deus’
série
de artigos publicados no ‘Jornal do Brasil’ em 1895.
Coordenação e Notas: Jorge Damas Martins
AEFA
– Associação Espírita Francisco de Assis
Rio
de Janeiro – RJ
1995
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