1º
Centenário de
‘O Livro dos Médiuns’
por Ismael
Gomes Braga
Reformador
Jan 1961
Em
Abril de 1957 festejamos respeitosamente o primeiro centenário do aparecimento
de "O Livro dos Espíritos", que foi o início da Codificação do
Espiritismo, por Allan Kardec; mas a Codificação não ficou completa com aquele
primeiro livro que tratou da parte filosófica da Doutrina, porque o mestre, em
prosseguimento, demonstrou que o Espiritismo tem de ser encarado sob três
aspectos: científico, filosófico e religioso, e sobre cada um desses aspectos
publicou ele um livro básico, além de muitos outros trabalhos complementares em
forma de livros e de artigos em "Revue Spirite".
Na
primeira quinzena de Janeiro de 1861, mais provavelmente entre os dias 5 e 10,
apareceu em Paris, impresso pelos livreiros-editores Srs. Didier & Cia.,
"O Livro dos Médiuns", cujo primeiro centenário estamos hoje
comemorando. No frontispício da obra, Allan Kardec declarou "... pour
faire suite au Livre des Esprits", e no parágrafo 35 nº 4 repetiu que o
livro é complemento de "O Livro dos Espíritos".
Veio
ele substituir um outro bem menos extenso, também de Allan Kardec, publicado em
1858 sob o título de "Instruction pratique sur les manifestations
spirites", trabalho este então esgotado e que, segundo palavras do próprio
Autor, não mais seria reimpresso.
Apresentando
"O Livro. dos Médiuns" ao público, o mestre lionês assim se referiu,
na "Revue Spirite" de 1861, págs. 6 e 7, a
esta nova obra da Codificação:
"Procuramos, neste trabalho, fruto de longa
experiência e de laboriosos estudos, esclarecer todas as questões que se
relacionam com a prática das manifestações; ele contém, de acordo com os
Espíritos, a explicação teórica dos diversos fenômenos e das condições em que
eles se podem produzir; mas a parte concernente ao desenvolvimento e ao
exercício da mediunidade foi, sobretudo, de nossa parte, objeto de atenção toda
especial.
"O Espiritismo
experimental está cercado de muito mais dificuldades do que se acredita geralmente, e os escolhos aí encontrados são numerosos, traduzindo-se em
decepções inúmeras para os que dele se ocupam sem possuir a experiência e os
conhecimentos necessários. O nosso objetivo foi acautelar contra tais escolhos,
nem sempre isentos de consequências desfavoráveis para quem quer que se
aventure, com imprudência, por esse novo terreno. Não podíamos descurar um
ponto tão capital, e o tratamos com um cuidado igual à sua importância."
Tal
como acontecera com "O Livro dos Espíritos", importantes alterações
para melhor foram introduzidas na segunda edição de "O Livro dos
Médiuns", muito mais completa do que a primeira, e dada a lume em Outubro
de 1861. É o próprio Codificador que na "Introdução" esclarece o assunto,
com riqueza de detalhes, ressaltando a significativa participação dos Espíritos
no trabalho de ampliação e revisão geral da obra. Também na Revue Spirite de
1861, págs. 361-2, esclarecimentos semelhantes saíram estampados.
Segundo
declarou Kardec, a segunda edição de "O Livro dos Médiuns" foi a
definitiva, como definitiva se tornou a segunda edição de "O Livro dos
Espíritos", após ser inteiramente refundido e consideravelmente aumentado.
Quanto
à parte religiosa ou moral, preparou Kardec a "Imitação do Evangelho
segundo o Espiritismo", que foi publicada em Abril de 1864. Revista, ampliada e modificada na segunda
edição, inclusive no título.. é este até hoje o livro espírita mais estudado no
Brasil.
A
filosofia é durável, pouco se altera com o decorrer do tempo; a religião do
Espiritismo é a moral ideal do Evangelho, universal e eterna; mas a ciência em
geral é muito mutável, porque os conhecimentos se dilatam sempre, corrigindo
coisas que pareciam certas em outro tempo e descobrindo novas leis na Natureza.
Seria
muito natural que, depois de um século de sua publicação, "O Livro dos
Médiuns" fosse uma peça para o Museu Histórico de velharias
imprestáveis como tantas outras coisas.
Assim
pensando, relemos agora, com a máxima atenção, a 11ª edição francesa (1869),
procurando o que pudesse ser tido como revogado pelas descobertas destes cem
anos mais recentes; mas não encontramos realmente coisa alguma que se possa
qualificar de obsoleta. Ajustamentos complementares poderiam ser feitos em determinadas
questões, o que é perfeitamente natural e compreensível. Notamos apenas que
algumas palavras propostas como termos técnicos não entraram para o uso geral.
São elas "Médiumat" (missão
providencial dos médiuns); "Pneumatographie"
( escrita direta); "Pneumatophonie" (voz direta); "Sématologie” (comunicação dos Espíritos pelo movimento de corpos
inertes); "Stéréotite"
(qualidade das aparições tangíveis).
No
número 223 § 15, há um ponto que mereceria ampliado: - diz que os Espíritos se comunicam uns com os outros pela linguagem do
pensamento, sem palavras. Isso é verdade entre os Espíritos superiores, já
completamente libertos das encarnações planetárias, mas nas esferas próximas da
Terra os Espíritos sofrem as limitações da palavra e até das barreiras
linguísticas que tanto prejudicam os povos. O ensino não está errado, mas
incompleto, e foi completado pelos fenômenos de xenoglossia e por numerosas
comunicações recentes.
É
pasmoso que os fenômenos observados durante um século nada tenham invalidado em
"O Livro dos Médiuns".
No
nº 301, as perguntas 8 e 9 tratam da reencarnação e as respostas são
perfeitamente atuais. Só agora as muralhas de preconceitos
anglo-saxônicos contra a reencarnação começaram a desmoronar-se e esse
desmoronamento coincide com o fim do regime colonial que dominava os povos de Ásia
e África, considerados inferiores pelos europeus. O racismo entrou em declínio
em 1939 e com ele vão caindo muitos preconceitos infelizes. O mundo está-se
transformando. Começa a surgir maior respeito pela criatura humana, sem
distinção de raças e cores.
Para
nós espíritas nada existe a alterar-se em "O Livro dos Médiuns"; está
perfeitamente em dia. O máximo que eu faria, se tivesse que traduzi-lo hoje,
seria acrescentar um pé-de-página de duas linhas, dizendo que a transmissão
direta do pensamento ainda não é conquista da nossa esfera espiritual, quer
estejamos encarnados ou desencarnados; só existe em esferas mais altas do que a
nossa. Cá por baixo ainda precisamos da linguagem articulada.
Para
a Ciência oficial materialista, porém, tudo é diferente!
A
princípio negou ela todos os fenômenos espíritas como inexistentes. Só a pouco
e pouco foi reconhecendo a existência de alguns fenômenos e tentando
explicá-los sem a intervenção dos Espíritos. Fundaram a Metapsíquica, que tomou também o nome de Parapsicologia, e vão timidamente caminhando para descobrir o que
para nós já é velho e muito sabido.
O
nosso estudioso confrade Sr. Hermínio de Miranda tem-se dado ao trabalho muito
louvável de lhes acompanhar os passos lentos e nos informar pelas colunas de
"Reformador" sobre a caminhada penosa que eles vêm fazendo nestes cem
anos decorridos. Observando-se as "descobertas" que vão realizando os
Srs. parapsicologistas, não podemos ter dúvidas de que estão no rumo certo para
descobrirem, dentro de mais um ou dois séculos, "O Livro dos
Médiuns".
Um
ensinamento muito precioso de Allan Kardec se acha no nº 19. Diz que os
fenômenos espíritas não são os que convencem o materialista; que tais fenômenos
só convencem o espiritualista. Ao materialista cumpre demonstrar primeiramente
que há nele alguma coisa que escapa às leis da matéria, há uma alma. Só depois
de compreender que tem uma alma, tornando-se, portanto, espiritualista, é que
poderá o materialista aceitar os fenômenos espíritas e tornar-se um espírita.
Nessa
mesma ordem de ideias temos feito uma observação que nos parece curiosa como
estudo de psicologia humana. Temos notado que certas pessoas têm mais
facilidade em aceitar a reencarnação do que as provas espíritas da
sobrevivência. Conhecem pouco os fenômenos mediúnicos claros, indiscutíveis.
Tudo que já viram lhes parece duvidoso, sujeito à imitação; mas as provas da
reencarnação lhes parecem decisivas. A diversidade de pendores inatos, de
talentos, de caráter na criança, a ciência infusa, as simpatias e antipatias
inexplicáveis, as grandes vocações, as crianças-prodígio, suas próprias
capacidades e gostos, esse infinito de observações lhes criaram uma
predisposição para aceitarem a reencarnação como lei natural necessária, e,
quando encontram as provas, não hesitam: aceitam como demonstrada a
reencarnação. Parece-nos que já possuíam a intuição das vidas anteriores.
Nos
estudos da Parapsicologia os nossos cientistas ocidentais ainda abrem mão de
tudo que já conhecem há milênios os povos orientais,
inclusive a reencarnação e a telepatia. Lutam para descobrir de novo verdades milenárias, das
quais Allan Kardec, superiormente guiado pelos Espíritos, pode apropriar-se rapidamente
em nosso benefício.
Os
livros de Allan Kardec estão alguns séculos adiantados em relação aos estudos
dos parapsicólogos, e estabelecem preciosa ligação entre o pensamento ocidental
e o oriental, rumo a uma unidade geral que se está processando em nosso tempo.
Tudo
caminha para a unidade em nossos dias e a Religião não poderá ficar encarcerada entre muralhas sectaristas de um passado
obscurantista e desumano, com privilégios odiosos e dogmas exclusivistas.
O
simples fato de nada termos a alterar em "O Livro dos Médiuns",
depois de decorrido um século que transformou tudo no mundo, demonstra que o
Espiritismo é uma Revelação Divina, capaz de vencer os milênios, e não uma
criação humana sujeita a frequentes reformas no tempo.
Podemos,
ainda hoje, repetir as palavras que Henri Sausse, o grande biógrafo de Allan Kardec, proferiu, há cerca de meio século, sobre
esse vade-mécum do Espiritismo experimental:
"Nada apareceu de melhor depois, e os autores
que esfloraram o mesmo assunto não fizeram senão seguir as grandes linhas dessa
magistral obra."
O
Espiritismo permanece firme como uma rocha, perfeitamente integrado nos tempos
modernos; mas temos muito que reformar em nós mesmos para nos ajustarmos à sua
severa moral de fraternidade universal e de ventura para todos, para encarnados
e desencarnados. Tem sido esta a campanha de nossos Guias, de nossos livros e
jornais, de nossas sociedades, de nossos pregadores, durante o século
decorrido. O Espiritismo está certo, mas nós, os homens, ainda não.
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