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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Discursos pronunciados junto ao Túmulo


Fonte: ‘Revista Espirita’- Setembro,  Ano: 1869
Ed. FEB 2004
Entendemos ter sido Leymarie quem juntou os discursos e notas da imprensa, como abaixo.


Discursos Pronunciados Junto ao Túmulo

Em nome da Sociedade Espírita de Paris
Pelo Vice-Presidente, Sr. Levent

            Senhores,

            Em nome da Sociedade Espírita de Paris, da qual tenho a honra de ser Vice-Presidente, venho exprimir seu pesar pela perda cruel que acaba de sofrer, na pessoa de seu venerado mestre, Sr. Allan Kardec, morto subitamente anteontem, quarta-feira, nos escritórios da Revista.

            A vós, senhores, que todas as sextas-feiras vos reuníeis na seda da Sociedade, não preciso lembrar essa fisionomia ao mesmo tempo benevolente e austera, esse tato perfeito, essa justeza de apreciação, essa lógica superior e incomparável que nos parecia inspirada.

            A vós, que todos os dias da semana partilháveis dos trabalhos do mestre, não retraçarei seus labores contínuos, sua correspondência com as quatro partes do mundo, que lhe enviavam documentos sérios, logo classificados em sua memória e
preciosamente recolhidos para serem submetidos ao cadinho de sua alta razão, e formar, depois de um trabalho escrupuloso de elaboração, os elementos dessas obras preciosas que todos conheceis.

            Ah! se, como a nós, vos fosse dado ver esta massa de materiais acumulados no gabinete de trabalho desse infatigável pensador; se, conosco, tivésseis penetrado no santuário de suas meditações, veríeis esses manuscritos, uns quase terminados, outros
em curso de execução, outros, enfim, apenas esboçados, espalhados aqui e ali, e que parecem dizer: Onde está, pois, o nosso mestre, tão madrugador no trabalho?

            Ah! mais do que nunca, também exclamaríeis, com inflexões tão pesarosas de amargura que seriam quase ímpias: Precisaria Deus ter chamado o homem, que ainda podia fazer tanto bem? a inteligência tão cheia de seiva, o farol, enfim, que nos tirou das trevas e nos fez entrever esse novo mundo, mais vasto e admirável do que o que imortalizou o gênio de Cristóvão Colombo? Ele apenas começara a fazer a descrição desse mundo, cujas leis fluídicas e espirituais já pressentíamos.

            Mas, tranquilizai-vos, senhores, por este pensamento tantas vezes demonstrado e lembrado pelo nosso presidente: "Nada é inútil em a Natureza, tudo tem sua razão de ser, e o que Deus faz é sempre bem-feito."

            Não nos assemelhemos a esses meninos indóceis que, não compreendendo as decisões dos pais, se permitem criticá-los e por vezes mesmo censurá-los.

            Sim, senhores, disto tenho a mais profunda convicção e vo-lo exprimo abertamente: a partida do nosso caro e venerado mestre era necessária!

            Aliás, não seríamos ingratos e egoístas se, não pensando senão no bem que ele nos fazia, esquecêssemos o direito que ele adquirira, de ir repousar um pouco na pátria celestial, onde tantos amigos, tantas almas de escol o esperavam e vieram recebê-lo, após uma ausência, que também para eles parecia bem longa?

            Oh! sim, há alegria, há grande festa no Alto, e essa festa, essa alegria, só se iguala à tristeza e ao luto causados por sua partida entre nós, pobres exilados, cujo tempo ainda não chegou! Sim, o mestre havia realizado a sua missão! Cabe a nós continuar a sua obra, com o auxílio dos documentos que ele nos deixou, e daqueles, ainda mais preciosos, que o futuro nos reserva. A tarefa será fácil, ficai certos, se cada um de nós ousar afirmar-se corajosamente; se cada um de nós tiver compreendido que a luz que recebeu deve ser propagada e comunicada aos seus irmãos; se cada um de nós, enfim, tiver a memória do coração para o nosso lamentado presidente e souber compreender o plano de organização que levou o último selo de sua obra.

            Continuaremos, pois, o teu trabalho, caro mestre, sob teu eflúvio benfazejo e inspirador. Recebe aqui a nossa promessa formal. É o melhor sinal de afeição que podemos te dar.

            Em nome da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, não te dizemos adeus, mas até logo, até breve!



 O Espiritismo e a Ciência
Pelo Sr. C. Flammarion

            Depois que o Sr. Vice-Presidente da Sociedade, junto à tumba do mestre, proferiu a prece pelos mortos e, em nome da Sociedade, testemunhou os sentimentos de pesar que acompanham o Sr. Allan Kardec à sua partida desta vida, o Sr. Camille Flammarion pronunciou o discurso que vamos reproduzir em parte. De pé, numa elevação de onde dominava a assembleia, o Sr. Flammarion pôde ser ouvido por todos, afirmando publicamente realidade dos fatos espíritas, seu interesse geral na Ciência e sua importância futura. Esse discurso não é apenas um esboço do caráter do Sr. Allan Kardec e do papel de seus trabalhos no movimento contemporâneo, mas, ainda e sobretudo, uma exposição da situação atual das ciências físicas, do ponto de vista do mundo invisível, das forças naturais desconhecidas, da existência da alma e de sua indestrutibilidade.

            Falta-nos espaço para dar in extenso o discurso do Sr. Flammarion. Eis o que se liga diretamente ao Sr. Allan Kardec e ao Espiritismo, considerado em si mesmo. (O discurso inteiro será publicado em brochura).

            “Senhores,

            ''Aceitando com deferência o convite simpático dos amigos do pensador laborioso cujo corpo terreno jaz agora aos nossos pés, vem-me à mente um dia sombrio do mês de dezembro de 1865, em que pronunciei palavras de supremo adeus junto à tumba do fundador da Livraria Acadêmica, do honrado Didier, que, como editor, foi colaborador convicto de Allan Kardec, na publicação das obras fundamentais de uma doutrina que lhe era cara. Também ele morreu subitamente, como se o céu houvesse querido poupar a esses dois Espíritos íntegros o embaraço fisiológico de sair desta vida por via diferente da comumente seguida. A mesma reflexão se aplica à morte do nosso ex-colega Jobard, de Bruxelas.

            "Hoje, maior ainda é a minha tarefa, porquanto eu desejara figurar à mente dos que me ouvem e à dos milhões de criaturas que na Europa inteira e no Novo Mundo se têm ocupado com o problema ainda misterioso dos fenômenos chamados espíritas; - eu quisera, digo, poder figurar-lhes o interesse científico e o porvir filosófico do estudo desses fenômenos, ao qual se hão consagrado, como ninguém ignora, homens eminentes dentre os nossos contemporâneos. Estimaria fazer-lhes entrever os horizontes desconhecidos que a mente humana verá rasgar-se diante de si, à medida que ela ampliar o conhecimento positivo das forças naturais que em torno de nós atuam; mostrar-lhes que essas comprovações constituem o mais eficaz antídoto para a lepra do ateísmo, de que parece atacada, principalmente, a nossa época de transição; dar, enfim, aqui, testemunho público do eminente serviço que o autor de O livro dos Espíritos prestou à filosofia, chamando a atenção e provocando discussões sobre fatos que até então pertenciam ao domínio mórbido e funesto das superstições religiosas.

            "Seria, com efeito, um ato importante firmar aqui, junto deste túmulo eloquente, que o metódico exame dos fenômenos erroneamente qualificados de sobrenaturais, longe de renovar o espírito de superstição e de enfraquecer a energia da razão, ao contrário, afasta os erros e as ilusões da ignorância e serve melhor ao progresso, do que as negações ilegítimas dos que não querem dar-se ao trabalho de ver.

            "Mas, este não é lugar apropriado a estabelecer uma arena às discussões desrespeitosas. Deixemos apenas que das nossas mentes desçam, sobre a face impassível do homem ora estendido diante de nós, testemunhos de afeição e sentimentos de pesar, que lhe permaneçam ao derredor em seu túmulo, qual embalsamamento do coração! E, pois que sabemos que sua alma eterna sobrevive a estes despojos mortais, do mesmo modo que a eles preexistiu; pois que sabemos que laços indestrutíveis unem o nosso mundo visível ao mundo invisível; pois que esta alma existe hoje tão bem como há três dias e que não é impossível se ache atualmente na minha presença. Digamos-lhe que não quisemos se desvanecesse a sua imagem terrena encerrada no sepulcro, sem unanimemente rendermos homenagem a seus trabalhos e à sua memória, sem pagar um tributo de reconhecimento à sua encarnação ter rena, tão útil e tão dignamente preenchida.

            "Traçarei, primeiro, num esboço rápido, as linhas principais da sua carreira literária.

            "Morto na idade de 65 anos, Allan Kardec consagrara a primeira parte de sua vida a escrever obras clássicas, elementares, destinadas, sobretudo, ao uso dos educadores da mocidade. Quando, pelo ano de 1850, as manifestações, novas na aparência, das mesas girantes, das pancadas sem causa ostensiva, dos movimentos insólitos de objetos e móveis começaram a prender a atenção pública, determinando mesmo, nos de imaginação aventureira, uma espécie de febre, devida à novidade de tais experiências, Al1an Kardec, estudando ao mesmo tempo o magnetismo e seus singulares efeitos, acompanhou com a maior paciência e clarividência judiciosa as experimentações e as tentativas numerosas que então se faziam em Paris.

            "Recolheu e pôs em ordem os resultados conseguidos dessa longa observação e com eles compôs o corpo de doutrina que publicou em 1857, na primeira edição de O Livro dos Espíritos. Todos sabeis que êxito alcançou essa obra, na França e no estrangeiro. Havendo atingido a 16ª edição, tem espalhado em todas as classes esse corpo de doutrina elementar que, na sua essência, não é absolutamente novo, porquanto a escola de Pitágoras, na Grécia, e a dos druidas, em nossa própria Gália, ensinavam os seus princípios fundamentais, mas que agora reveste uma forma de verdadeira atualidade, por corresponder aos fenômenos.

            "Depois dessa primeira obra apareceram, sucessivamente, O Livro dos Médiuns, ou Espiritismo experimental, - O que é o Espiritismo, ou resumo sob a forma de perguntas e respostas; - O Evangelho segundo o Espiritismo; - O Céu e o Inferno, - A Gênese. A morte o surpreendeu no momento em que, com a sua infatigável atividade, trabalhava noutra sobre as relações entre o Magnetismo e o Espiritismo.

            "Pela Revista Espírita e pela Sociedade de Paris, cujo presidente ele era, se constituíra, de certo modo, o centro a que tudo ia ter, o traço de união de todos os experimentadores. Faz alguns meses, sentindo próximo o seu fim, preparou as condições de vitalidade de tais estudos para depois de sua morte e instituiu a Comissão Central que lhe sucede.

            "Suscitou rivalidades; fez escola de feição um pouco pessoal, havendo ainda alguns dissídios entre os "espiritualistas" e os "espíritas". Doravante, senhores (tal, pelo menos, o voto que formulam os amigos da verdade), devemos unir-nos todos por uma solidariedade fraterna, pelos mesmos esforços em prol da elucidação do problema, pelo desejo geral e impessoal do verdadeiro e do bem.

            "Quantos corações foram consolados, de início, por esta crença religiosa! Quantas lágrimas foram enxutas! Quantas consciências abertas aos raios da beleza espiritual! Nem todos são felizes aqui na Terra. Muitas afeições foram destruídas! Muitas almas foram adormecidas no ceticismo. Não será nada ter trazido ao espiritualismo tantos seres que vacilavam na dúvida e que não mais amavam a vida física, nem a intelectual?

            ''Allan Kardec era o que eu denominarei simplesmente "o bom-senso encarnado." Razão reta e judiciosa, aplicava sem cessar à sua obra permanente as indicações íntimas do senso comum. Não era essa uma qualidade somenos, na ordem de coisas com que nos ocupamos. Era, ao contrário, pode-se afirmá-lo, a primeira de todas e a mais preciosa, sem a qual a obra não teria podido tornar-se popular, nem lançar pelo mundo suas raízes imensas. A maioria dos que se têm dado a estes estudos lembram-se de que na mocidade, ou em certas circunstâncias, foram testemunhas de manifestações inexplicadas. Poucas são as famílias que não contem na sua história provas desta natureza. O ponto de partida era aplicar-lhes a razão firme do simples bom-senso e examiná-las segundo os princípios do método positivo.

            "Conforme o próprio organizador deste estudo demorado e difícil previra, esta doutrina, até então filosófica, tem que entrar agora num período científico. Os fenômenos físicos, sobre os quais a princípio não se insistia, hão de tornar-se objeto da crítica experimental, sem a qual nenhuma constatação séria é possível. Esse método experimental, a que devemos a glória dos progressos modernos e as maravilhas da eletricidade e do vapor, deve colher os fenômenos de ordem ainda misteriosa a que
assistimos para os dissecar, medir e definir.

            "Porque, meus Senhores, o Espiritismo não é uma religião, mas uma ciência, da qual apenas conhecemos o abecê. Passou o tempo dos dogmas. A Natureza abrange o Universo, e o próprio Deus, feito outrora à imagem do homem, a moderna Metafísica não o pode considerar senão como um espírito na Natureza. O sobrenatural não existe. As manifestações obtidas com o auxilio dos médiuns, como as do magnetismo e do sonambulismo, são de ordem natural e devem ser severamente submetidas à verificação da experiência. Não há mais milagres. Assistimos ao alvorecer de uma ciência desconhecida, Quem poderá prever a que consequências conduzirá, no mundo do pensamento, o estudo positivo desta nova psicologia?

            "Doravante, o mundo é regido pela ciência e, Senhores, não virá fora de propósito, neste discurso fúnebre, assinalar lhe a obra atual e as induções novas que ela nos patenteia, precisamente do ponto de vista das nossas pesquisas."

            Aqui o Sr. Flammarion entra na parte científica de seu discurso. Expõe o estado atual da Astronomia e da Física, desenvolvendo particularmente as descobertas relativas à análise recente do espectro solar. Resulta dessas descobertas que não vemos quase nada do que se passa à nossa volta na Natureza. Os raios caloríficos, que evaporam a água, formam as nuvens, causam os ventos, as correntes, organizam a vida do globo, são invisíveis para a nossa retina. Os raios químicos que regem os movimentos das plantas e as transformações químicas do mundo inorgânico são igualmente invisíveis. A ciência contemporânea autoriza, pois, os pontos de vista revelados pelo Espiritismo e, por sua vez, nos abre um mundo invisível real, cujo conhecimento só pode esclarecer-nos quanto ao modo de produção dos fenômenos espíritas.

            Em seguida o jovem astrônomo apresentou o quadro das metamorfoses, do qual resulta que a existência e a imortalidade da alma se revelam pelas mesmas leis da vida. Não podemos aqui entrar nessa exposição, mas aconselhamos vivamente os nossos irmãos em doutrina a ler e estudar na íntegra o discurso do Sr. Flammarion.

            Após sua exposição científica, assim termina o autor:

            "Que os que têm a vista restringida pelo orgulho ou pelo preconceito não compreendam absolutamente os anseios de nossas mentes ávidas de conhecer e lancem sobre este gênero de estudos seus sarcasmos ou anátemas! Colocamos mais alto as nossas contemplações!.. Foste o primeiro, oh! mestre e amigo! foste o primeiro a dar, desde o princípio da minha carreira astronômica, testemunho de viva simpatia às minhas deduções relativas à existência das humanidades celestes, pois, tomando do livro sobre a Pluralidade dos mundos habitados, o puseste imediatamente na base do edifício doutrinário com que sonhavas. Muito amiúde conversávamos sobre essa vida celeste tão misteriosa; agora, oh! alma, sabes, por visão direta, em que consiste a vida espiritual a que voltaremos e que esquecemos durante a existência na Terra.

            "Voltaste a esse mundo donde viemos e colhes o fruto de teus estudos terrestres. Aos nossos pés dorme o teu envoltório, extinguiu-se o teu cérebro, fecharam-se te os olhos para não mais se abrirem, não mais ouvida será a tua palavra... Sabemos que todos havemos de mergulhar nesse mesmo último sono, de volver a essa mesma inércia, a esse mesmo pó. Mas não é nesse envoltório que pomos a nossa glória e a nossa esperança. Tomba o corpo, a alma permanece e retorna ao Espaço. Encontrar-nos-emos num mundo melhor e no céu imenso onde usaremos das nossas mais preciosas faculdades, onde continuaremos os estudos para cujo desenvolvimento a Terra é teatro por demais acanhado.

            "É-nos mais grato saber esta verdade, do que acreditar que jazes todo inteiro nesse cadáver e que tua alma se haja aniquilado com a cessação do funcionamento de um órgão. A imortalidade é a luz da vida, como este refulgente Sol é a luz da Natureza.

            ''Até à vista, meu caro Allan Kardec, até à vista!"




Em nome dos Espíritas dos Centros distantes

Pelo Sr. Alexandre Delanne


            Mui caro Mestre,

            Tantas vezes tive ocasião, nas minhas numerosas viagens, de ser junto a vós o intérprete dos sentimentos fraternos e reconhecidos de nossos irmãos da França e do estrangeiro, que julgaria faltar a um dever sagrado se, em nome deles, eu não viesse neste momento vos testemunhar o seu pesar.

            Eu não serei, ai! senão um eco bem fraco para vos descrever a felicidade daquelas almas tocadas pela fé espírita, que se abrigaram sob a bandeira de consolação e de esperança que tão corajosamente implantastes entre nós.

            Muitos dentre eles certamente desempenhariam, melhor que eu, essa tarefa do coração.

            Como a distância e o tempo não lhes permitem estar aqui, ouso fazê-lo, conhecedor que sou da vossa benevolência habitual a meu respeito e a de nossos bons irmãos que represento.

            Recebei, pois, caro mestre, em nome de todos, a expressão dos pesares sinceros e profundos que a vossa partida precipitada da Terra vai fazer nascer por todos os lados.

            Conheceis, melhor que ninguém, a natureza humana; sabeis que ela precisa de amparo. Ide, pois, até eles, derramar ainda esperança em seus corações.

            Provai-lhes, por vossos sábios conselhos e vossa lógica poderosa, que não os abandonais e que a obra a que vos dedicastes tão generosamente não perecerá, e nem poderia perecer, porque está assentada nas bases inabaláveis da fé raciocinada.

            Pioneiro emérito, soubestes coordenar a pura Filosofia dos Espíritos e pô-la ao alcance de todas as inteligências, desde as mais humildes, que elevastes, até as mais eruditas, que vieram até vós e que hoje se contam modestamente em nossas fileiras.

            Obrigado, nobre coração, pelo zelo e pela perseverança que pusestes em nos instruir.

            Obrigado por vossas vigílias e vossos labores, pela fé vigorosa que em nós inculcastes.

            Obrigado pela felicidade presente que desfrutamos, e pela felicidade futura, cuja certeza nos destes, quando nós, como vós, tivermos entrado na grande pátria dos Espíritos.

            Obrigado ainda pelas lágrimas que enxugastes, pelos desesperos que acalmastes e pela esperança que fizestes brotar nas almas abatidas e desalentadas.

            Obrigado! mil vezes obrigado, em nome de todos os nossos confrades da França e do estrangeiro! Até breve.




Em nome da família e dos amigos

Pelo Sr. E. Muller

            Caros aflitos,

            Falo por último junto a esta fossa aberta, que contém os despojos mortais daquele que, entre nós se chamava Allan Kardec.

            Falo em nome de sua viúva, daquela que foi sua companheira fiel e ditosa, durante trinta e sete anos de uma felicidade sem nuvens e sem mesclas, daquela que compartilhou de suas crenças e de seus trabalhos, bem como de suas vicissitudes e alegrias; que, hoje só, se orgulha da pureza dos costumes, da honestidade absoluta e do sublime desinteresse de seu esposo. É ela que nos dá a todos o exemplo de coragem, de tolerância, de perdão das injúrias e do dever cumprido escrupulosamente.

            Falo também em nome de todos os amigos, presentes ou ausentes, que seguiram passo a passo a carreira laboriosa que Allan Kardec sempre percorreu honradamente; daqueles que querem honrar sua memória, lembrando alguns traços de sua vida.

            Primeiramente quero dizer-vos por que seu envoltório mortal foi para aqui conduzido diretamente, sem pompa e sem outras preces senão as vossas! Precisaria de preces aquele cuja vida inteira não foi senão um longo ato de piedade, de amor a Deus e à Humanidade? Não bastaria que todos pudessem unir-se a nós nesta ação comum, que afirma a nossa estima e a nossa afeição?

            A tolerância absoluta era a regra de Allan Kardec. Seus amigos, seus discípulos pertenciam a todas as religiões: israelitas, maometanos, católicos e protestantes de todas as seitas; de todas as classes: ricos, pobres, sábios, livres-pensadores, artistas e operários, etc... Todos puderam vir aqui, graças a esta medida que não compromete nenhuma consciência e que será um bom exemplo.

            Mas, ao lado desta tolerância que nos reúne, devo citar uma intolerância, que admiro? Fá-lo-ei, porque, aos olhos de todos, ela deve legitimar esse título de mestre, que muitos dentre nós lhe atribuímos. Essa intolerância é um dos caracteres mais salientes de sua nobre existência. Ele tinha horror à preguiça e à ociosidade; e este grande trabalhador morreu de pé, após um labor imenso, que acabou ultrapassando as forças de seus órgãos, mas não as do seu espírito e do seu coração.

            Educado na Suíça, naquela escola patriótica em que se respira um ar livre e vivificante, ocupava seus lazeres, desde a idade de quatorze anos, a dar aulas aos seus camaradas que sabiam menos que ele.

            Vindo para Paris, e sabendo falar alemão tão bem quanto francês, traduziu para a Alemanha os livros da França que mais lhe tocavam o coração. Escolheu Fénelon para o tornar conhecido, e essa escolha denota a natureza benévola e elevada do tradutor. Depois, entregou-se à educação. Sua vocação era instruir. Seus sucessos foram grandes e as obras que publicou, gramática, aritmética e outras, tornaram popular o seu verdadeiro nome, o de Rivail.

            Não satisfeito em utilizar suas notáveis faculdades numa profissão que lhe assegurava uma tranquila comodidade, quis que aproveitassem os seus conhecimentos aqueles que não podiam pagar, e foi um dos primeiros a organizar, nesta época de sua vida, cursos gratuitos, ministrados na rua de Sèvres, nº 35, nos quais ensinava Química, Física, Anatomia comparada, Astronomia, etc.

            É que havia tocado em todas as ciências e, tendo-as bem aprofundado, sabia transmitir aos outros o que ele mesmo conhecia, talento raro e sempre apreciado.

            Para este sábio dedicado, o trabalho parecia o elemento mesmo da vida. Por isso, mais que ninguém, não podia suportar a ideia da morte tal qual então a apresentavam, tendo como resultado um eterno sofrimento ou uma felicidade egoísta e eterna, mas sem
utilidade, nem para os outros nem para si mesmo.

            Era como predestinado, bem o vedes, para espalhar e vulgarizar esta admirável filosofia que nos faz esperar o trabalho no além-túmulo e o progresso indefinido de nossa individualidade, que se conserva melhorando-se.

            Soube tirar dos fatos, considerados ridículos e vulgares, admiráveis consequências filosóficas e toda uma doutrina de esperança, de trabalho e de solidariedade, semelhante ao verso de um poeta que ele amava:

            Transformar o chumbo vil em ouro puro.

            Sob o esforço de seu pensamento tudo se transformava e engrandecia, aos raios de seu coração ardente; sob sua pena tudo se precisava e se cristalizava, a bem dizer, em frases de deslumbrante clareza.

            Tomava para seus livros esta admirável epígrafe: Fora da caridade não há salvação, cuja aparente intolerância ressalta a tolerância absoluta.

            Transformava as velhas fórmulas e, sem negar a feliz influência da fé, da esperança e da caridade, arvorava uma nova bandeira, ante a qual todos os pensadores podem e devem inclinar-se, porque esse estandarte do futuro leva escritas estas três palavras:

            Razão, Trabalho e Solidariedade.

            É em nome desta mesma razão que ele colocou tão alto, em nome de sua viúva, em nome de seus amigos que eu vos digo a todos que não mais olheis esta fossa aberta. É para mais alto que devemos erguer os olhos, para encontrar aquele que acaba de nos deixar! Para conter esse coração tão devotado e tão bom, essa inteligência de escol, esse espírito tão fecundo, essa individualidade tão poderosa, bem o vedes vós mesmos, medindo-a com os olhos, esta fossa seria demasiado pequena, e nenhuma seria bastante grande.


            Coragem, pois! e saibamos honrar o filósofo e o amigo, praticando suas máximas e trabalhando, cada um no limite de suas forças, para propagar aquelas que nos encantaram e convenceram.

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