Lincoln e o Espiritismo
Zêus
Wantuil
Reformador
(FEB) Abril 1959
Neste
ano (1),
comemora-se nos Estados Unidos da América do Norte o sesquicentenário de
nascimento do seu 16º presidente, daquele que o grande romancista russo Tolstoy
descreveu como “o único gigante” entre os estadistas – Abraham Lincoln.
(1)
1959 + 54 = 2013 ou seja ultrapassamos de pouco as comemorações do bicentenário
de nascimento.
Filho
de lenhadores, nascido a 12 de Fevereiro de 1809, em humilde cabana de madeira
no interior do Estado de Kentucky, recebeu na meninice fraquíssima educação
escolar; mas graças à sua inteligência nata, à sua perseverança e porque lia muito,
pouco a pouco adquiriu largo cabedal de conhecimentos e funda experiência da
vida, fatores estes que, juntamente com seu caráter honesto, dedicação ao
trabalho e amor ao próximo, foram razões de sobra para que o povo o elevasse
como seu representante junto aos poderes legislativos.
Iniciou
assim a carreira política e, de vencida em vencida, assentou-se no Congresso
federal em 1846 e finalmente assomava à presidência dos Estados Unidos, após as
eleições de 1860.
O
país atravessava então um dos períodos mais difíceis de sua História, em vista
da ameaça de secessão por parte dos Estados do Sul. Este movimento separatista
concretizou-se, e menos de um mês depois Lincoln, ao ser empossado na
presidência da República, negou-se a reconhecer a secessão, declarando-a “legalmente
nula”, ao mesmo tempo que apelava para a restauração dos antigos laços de
fraternidade e união.
O
Sul fechou ouvidos a este apelo e iniciou contra o Norte, em 1861, a sangrenta “Guerra
da Secessão”. Dedicando-se de corpo e alma às tarefas que lhe competiam,
Lincoln foi, durante este transe doloroso, um exemplo vivo de trabalho, nobreza
e sobretudo de fé. Certa noite, conforme nos conta Emil Ludwig em sua obra “Lincoln”,
chegou ele extenuado em casa, indo diretamente para seu quarto, onde se sentou
numa poltrona que ficava defronte a um espelho. Em dado momento, dirigindo o
olhar para o espelho, viu aí a si mesmo refletido em todo o comprimento, tendo
observado que o rosto apresentava duas imagens distintas, em que a ponta do nariz
de uma delas permanecia umas três polegadas acima do da outra. Além disso, um
dos rostos era bem mais pálido que o outro. Este fato muito o impressionou e
até assustou, e se repetiu ainda por três vezes, em outros dias. “Nunca mais -
continuou Lincoln - consegui evocar o fantasma, embora noutra ocasião tentasse
por todos os meios mostrá-lo a Mary (1). Ela o considerava um sinal de que eu seria reeleito, e a lividez da face
significava, na sua opinião, que eu não chegaria vivo ao fim do segundo
quadriênio.”
(1) Trata-se de sua esposa, que certamente interpretou o fenômeno sob
inspiração mediúnica. - (Nota de Z.)
Este
foi o prólogo de outros curiosos avisos espirituais que posteriormente se
verificaram, como veremos mais adiante.
Os
nortenhos sofreram, a princípio, graves derrotas, mas em Setembro de 1862 as
forças sulistas encontraram séria resistência em Autetam. Foi este um momento
de grande significado para a História democrática e liberal dos Estados Unidos.
Lincoln lança uma proclamação preliminar (22-9-1862), anunciando sua intenção
de, a 1-1-1863, emancipar os escravos em seu território pátrio. Tal ato trouxe
felizes consequências políticas.
É
sabido que desde 1849 Lincoln se batia pelo abolicionismo, mas a quase
totalidade dos seus biógrafos ignoram o fato que talvez tenha determinado a
atitude inquebrantável que ele tomou no momento supremo da guerra civil.
Passamos
a palavra a Sir Arthur Conan Doyle, o célebre escritor de novelas policiais,
que assim nos conta o que na mencionada ocasião se verificou (“The History of
Spiritualism”, by Arthur Conan Doyle, M.D., LL.D. - Volume I, 1926):
Os
fatos - principia ele - estão acima de qualquer discussão e constam com
evidência insuperável no livro que a Sra. Maynard publicou sobre Abraão Lincoln.
(2)
(2)
Este livro intitula-se: "Was Abraham Lincoln a Spiritualist?". Em
suas páginas, a autora relaciona vários pormenores interessantes aqui
não publicados, bem como outras sessões mediúnicas na Casa Branca, com a
presença de Lincoln. - (Nota de Z.)
O
nome de solteira da Sra. Maynard era Nettie Colburn e ela mesma foi a heroína
da história.
Jovem
àquele tempo, Nettie era poderosa médium em seus momentos de transe. Durante o
inverno de 1862 foi ela a Washington com o fim de visitar o seu irmão que se
achava enfermo no hospital do Exército Federal.
A
Sra. Lincoln, esposa do presidente e que estava interessada pelo Espiritismo,
conseguiu uma sessão com a então Srta. Colburn, tendo ficado profundamente
impressionada com o resultado. No dia seguinte, mandou sua carruagem à médium,
pedindo-lhe viesse demonstrar suas faculdades ante o presidente.
A
médium descreve a maneira carinhosa por que foi recebida pelo grande homem na
sala de visitas da Casa Branca, e cita os nomes das pessoas que estiveram
presentes à sessão. Depois de sentar-se, caiu em transe e logo ficou
inconsciente. É ela mesma quem nos narra a continuação:
“Durante
mais de uma hora me fizeram falar com Lincoln, e, segundo me disseram depois os amigos, estive conversando a respeito
de questões que ele parecia compreender perfeitamente, mas que para eles mal
tinham sentido, até chegar à que se prendia com a Proclamação da Emancipação. O
presidente recebera por meu intermédio uma mensagem em que se lhe fazia a
recomendação solene de não renunciar aos seus propósitos relativos àquela
proclamação, e de não adiar a sua aplicação, com força de lei, além do Ano
Novo, porque isso seria a obra culminante de seu mandato presidencial e de toda
a sua vida. E, contrariamente aos conselhos de alguns fortes partidos para que
ele retardasse a aplicação daquela lei, na esperança de a substituírem por
outras medidas, recomendou ainda que o presidente resistisse a tais sugestões
e, mantendo-se firme em suas convicções, cumprisse destemidamente a missão que
a Providência lhe havia confiado. Os que estavam presentes à sessão declararam que quase perderam a noção
de presença da tímida jovem, devido a majestade de suas declarações, o vigor e a
força de sua linguagem, e a importância da mensagem que transmitia, parecendo a eles
que no lugar dela tomava assento poderosa força espiritual masculina da qual
emanavam aquelas ordens quase divinas.
“Nunca
esquecerei a cena que se desenrolava ao meu derredor quando recobrei a consciência”. Achava-me de pé, à frente do
Sr. Lincoln, que, sentado numa poltrona, com os braços cruzados sobre o peito,
mirava-me intensamente. Retrocedi, naturalmente confusa ante aquela situação,
não recordando, de momento, onde me encontrava, enquanto perpassava os olhos
pelo grupo de pessoas à minha volta, entre as quais reinava absoluto mutismo.
Por alguns instantes tive que fazer esforços para recordar o que fazia ali.
“Um
cavalheiro, dos que estavam presentes, rompeu o silêncio dizendo em voz baixa:
- “Senhor presidente, tem algo especial a dizer-nos quanto à maneira de pôr em
execução o decreto?” O Sr. Lincoln levantou-se como se saísse de um sonho.
Contemplou rapidamente o quadro, em tamanho natural, de Daniel Webster,
pendurado acima do piano, e respondeu com pronunciada ênfase: - “Sim, e de
muito especial, muito!”
“O
Sr. Somes tomou a palavra: “Senhor presidente, seria atrevimento de minha parte
perguntar-lhe se lhe fizeram pressão no sentido de aprazar o cumprimento da
Proclamação?” Ao que o presidente respondeu: - “Na presente circunstância, a
pergunta é perfeitamente normal, posto que todos aqui somos amigos.” (Todos os
presentes sorríamos.) “Tais pressões me têm sido feitas, e só reunindo todos os
meus nervos e todas as minhas forças a elas pude resistir.” Os cavalheiros
rodearam então o presidente, conversando em voz baixa; ele era o que menos
falava. Afinal, voltando-se para mim, e passando-me a mão pela cabeça,
pronunciou as seguintes palavras, de um modo que jamais esquecerei: - “Minha filha, você possui um dom bem
singular, mas que ele é de Deus, não tenho dúvida. Agradeço-lhe por ter vindo
aqui esta noite; o que aconteceu é talvez mais importante que qualquer um dos
presentes possa imaginar. Agora devo deixa-los os a todos, mas espero voltemos
a ver-nos de novo.”
“Apertou-me
afetuosamente a mão, inclinou-se saudando os demais e saiu. Eu ainda fiquei cerca de uma hora conversando com
a Sra. Lincoln e seus amigos, e por fim regressei a Georgetown. Foi este o meu
primeiro encontro com Abraham Lincoln, e hoje a lembrança desse acontecimento é
para mim tão clara e tão viva como na noite em que ele se deu.”
Este
foi, um dos fatos mais impressionantes na História do Espiritismo, e talvez um
dos mais importantes na História dos Estados Unidos, pois não só fortaleceu a
situação do presidente, obrigando-o a dar um passo que levantou o espírito dos
exércitos do Norte, como também o levou, por efeito de uma mensagem
subsequente, a visitar com urgência os campos de batalha, despertando o mais
salutar efeito moral no espírito das tropas. Entretanto, o leitor que vasculhe
todas as histórias das lutas e da vida do presidente não encontrará menção
alguma de tão notável episódio. Tudo isso por culpa do desleal tratamento que o Espiritismo vem sofrendo há
muito tempo.
Até
aí falou Sir Arthur Conan Doyle. Prossigamos.
Lincoln,
com a emancipação dos escravos expressa na Proclamação definitiva, assinada a 1º
de Janeiro de 1863, encarnou assim os altos ideais de liberdade e igualdade, e
certamente foi este um passo que, aureolando ainda mais o seu nome, incutiu nos
exércitos o vigor e a energia combativa, tanto que desde meados de 1863 o
Norte, de vitória em vitória, foi levando a guerra, até à completa rendição das
forças sulistas, em 1865.
Estava
garantida a unidade nacional norte--americana, o respeito à Constituição e a
vitória da mentalidade liberal do país.
Lincoln,
que fora reeleito em Novembro de 1864, assentava planos de reconciliação,
reorganização e reconstrução, orientado pelo espírito de generosidade e elevada
compreensão que sempre o caracterizaram, bem como pela experiência atilada dos
melindrosos problemas internos, quando certa noite teve estranho sonho
premonitório que muito o impressionou, levando-o a contá-lo à sua esposa Mary e
ao seu amigo Ward Hill Lamon.
Quase
todas as obras biográficas sobre o grande estadista narram detalhadamente esse
singular episódio de sua vida, especialmente a obra “The Lincoln Reader”,
publicada em 1947, nos Estados Unidos.
Façamos
um resumo dos fatos: Sonhou Lincoln que estava errando pela Casa Branca. Todas
as salas ele as via abundantemente iluminadas e desertas. Naquela fantástica
solidão flutuavam lamentos e choro. Chegando ao Salão
Leste, deparou com um catafalco, sobre o qual jazia um homem de rosto velado.
Junto ao catafalco, soldados perfilados montavam guarda e muita gente chorava.
Ele então perguntou: “Quem morreu?” - Ao que uma voz respondeu: “O presidente.
Foi assassinado.”
Acordou
Lincoln sobressaltado; em seu cérebro pensamentos estranhos tumultuavam, e
naquela noite não mais conseguiu conciliar o sono.
Em
seu relato à esposa e ao amigo, ajuntava ele outro fato interessante que se
seguiu. A primeira vez que tomara a Bíblia, depois do sonho, abriu-a em
qualquer lugar e de pronto se lhe deparou o capítulo 28 do Gênesis, justamente
onde se relata o maravilhoso sonho de Jacó. E prossegue o próprio Lincoln, em
sua autobiografia: “Em qualquer página
que olhasse, aparecia referência a um sonho ou visão. Continuei a folhear a
Bíblia e sempre meus olhos caíam sobre passagens que relatavam coisas
estranhamente relacionadas com os meus pensamentos - visitas sobrenaturais,
sonhos, visões, etc.”
Dias
depois, e precisamente na véspera de sua morte, teve outro sonho, narrando-o em
pleno Gabinete, no dia seguinte. Os ministros andavam um tanto apreensivos
quanto à marcha de Sherman na Carolina do Norte. Lincoln, porém, sossegou-os,
relatando-lhes o sonho que tivera: “vi-me numa singular e indescritível
embarcação, a mesma de sempre... que se movia com grande rapidez, rumo a uma
praia indefinida e escura.”
Explicou
ele, então, que sempre costumava ter tal sonho na véspera de importantes
acontecimentos. Mal sabia (ou sabia?) que de novo se lhe pressagiava o fim da
vida terrena.
Horas
antes de ir ao teatro fatídico, no dia 14-4-1865, virou-se para o seu polícia
particular, William H. Crook, e exclamou: - “Sabe, Crook, eu creio que haja homens desejosos de tirar-me a vida. E
não tenho dúvida de que o farão.”
Crook
achou estranho que ele falasse daquela maneira e perguntou: - “Porque pensa assim, Sr. presidente?”
“- Outros
homens - respondeu-lhe Lincoln - foram
assassinados”, e depois de breve pausa: “Confio inteiramente naqueles que me cercam... Não sei como alguém possa
matar-me e escapar com vida. Mas se isso tem de acontecer, impossível é impedi-lo.”
Instantes
depois, ele tudo esquecia e, esperançoso nos dias futuros, dirigia-se com sua
esposa ao “Ford's Theater”. Aí finalmente se cumpriram os sonhos que teve e bem
assim os estranhos pressentimentos que de quando em vez o assaltavam.
Em
certo momento do espetáculo ecoa um tiro. Uma bala penetra o cérebro de
Lincoln, enquanto o assassino, o fanático ator John Booth, foge à perseguição
que lhe movem.
Na
manhã do dia seguinte desligava-se dos últimos liames da carne uma das maiores
figuras da História universal...
Este
é para os historiadores o ponto final da existência do grande homem. É natural
que assim procedam. Os espíritas, porém, sabemos que a vida continua, e segundo
uma comunicação mediúnica recebida em Ravenswood (“Revue Spirite” de 1867, pág.
77), o Espírito de Lincoln disse da surpresa que o envolveu quando, após um
estado de inconsciência, se viu no mundo dos Espíritos, pois que não tinha a
menor ideia de que estava morto. Foi então que dele se acercaram, cordialmente,
muitas pessoas amigas que ele sabia falecidas havia muito tempo, e que
lhe deram a conhecer a causa de sua morte. Neste instante, diz ele,
experimentei um sentimento de angústia pela dor que o fato teria causado à
minha família, bem como grande ansiedade quanto às consequências que minha
morte poderia trazer para o meu país. Estes pensamentos o atraíram, na ocasião,
violentamente para a Terra. Quando soube que seu assassino estava mortalmente
ferido, colocou-se junto dele e foi o primeiro a acolhe-lo no Além, sem nenhum
espírito de vingança, sem a menor animosidade, antes, com doçura e bondade,
procedimento que bastante comoveu o assassino e lhe abriu, pelo
remorso, o caminho da regeneração. Inundado de paz e alegria, informava ter
ingressado num mundo de felicidades que sobrepairava a tudo que ele poderia
esperar.
Este
elevado Espírito certamente ainda continua na luta pelos altos ideais de
liberdade e fraternidade, visto que ele mesmo, quando encarnado, frisara que
esta luta era “para um longo futuro”.
Daí
também podermos dizer, com o Presidente Eisenhower:
“Que
o Espírito de Lincoln esteja por perto sempre que enfrentemos cada desafio
sucessivo à liberdade.” (3)
assina Z.
(3)
Palavras pronunciadas pelo Presidente Eisenhower, dos Estados Unidos, ao
discursar, a 11 de Fevereiro do corrente ano, num jantar comemorativo do
sesquicentenário do nascimento de Lincoln.
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