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sexta-feira, 19 de julho de 2013

Lincoln e o Espiritismo


Lincoln e o Espiritismo
Zêus Wantuil
Reformador (FEB) Abril 1959

            Neste ano (1), comemora-se nos Estados Unidos da América do Norte o sesquicentenário de nascimento do seu 16º presidente, daquele que o grande romancista russo Tolstoy descreveu como “o único gigante” entre os estadistas – Abraham Lincoln.

                    (1) 1959 + 54 = 2013 ou seja ultrapassamos de pouco as comemorações do bicentenário de nascimento.

            Filho de lenhadores, nascido a 12 de Fevereiro de 1809, em humilde cabana de madeira no interior do Estado de Kentucky, recebeu na meninice fraquíssima educação escolar; mas graças à sua inteligência nata, à sua perseverança e porque lia muito, pouco a pouco adquiriu largo cabedal de conhecimentos e funda experiência da vida, fatores estes que, juntamente com seu caráter honesto, dedicação ao trabalho e amor ao próximo, foram razões de sobra para que o povo o elevasse como seu representante junto aos poderes legislativos.

            Iniciou assim a carreira política e, de vencida em vencida, assentou-se no Congresso federal em 1846 e finalmente assomava à presidência dos Estados Unidos, após as eleições de 1860.

            O país atravessava então um dos períodos mais difíceis de sua História, em vista da ameaça de secessão por parte dos Estados do Sul. Este movimento separatista concretizou-se, e menos de um mês depois Lincoln, ao ser empossado na presidência da República, negou-se a reconhecer a secessão, declarando-a “legalmente nula”, ao mesmo tempo que apelava para a restauração dos antigos laços de fraternidade e união.

            O Sul fechou ouvidos a este apelo e iniciou contra o Norte, em 1861, a sangrenta “Guerra da Secessão”. Dedicando-se de corpo e alma às tarefas que lhe competiam, Lincoln foi, durante este transe doloroso, um exemplo vivo de trabalho, nobreza e sobretudo de fé. Certa noite, conforme nos conta Emil Ludwig em sua obra “Lincoln”, chegou ele extenuado em casa, indo diretamente para seu quarto, onde se sentou numa poltrona que ficava defronte a um espelho. Em dado momento, dirigindo o olhar para o espelho, viu aí a si mesmo refletido em todo o comprimento, tendo observado que o rosto apresentava duas imagens distintas, em que a ponta do nariz de uma delas permanecia umas três polegadas acima do da outra. Além disso, um dos rostos era bem mais pálido que o outro. Este fato muito o impressionou e até assustou, e se repetiu ainda por três vezes, em outros dias. “Nunca mais - continuou Lincoln - consegui evocar o fantasma, embora noutra ocasião tentasse por todos os meios mostrá-lo a Mary (1). Ela o considerava um sinal de que eu seria reeleito, e a lividez da face significava, na sua opinião, que eu não chegaria vivo ao fim do segundo quadriênio.”

            (1) Trata-se de sua esposa, que certamente interpretou o fenômeno sob inspiração mediúnica. - (Nota de Z.)

            Este foi o prólogo de outros curiosos avisos espirituais que posteriormente se verificaram, como veremos mais adiante.

            Os nortenhos sofreram, a princípio, graves derrotas, mas em Setembro de 1862 as forças sulistas encontraram séria resistência em Autetam. Foi este um momento de grande significado para a História democrática e liberal dos Estados Unidos. Lincoln lança uma proclamação preliminar (22-9-1862), anunciando sua intenção de, a 1-1-1863, emancipar os escravos em seu território pátrio. Tal ato trouxe felizes consequências políticas.

            É sabido que desde 1849 Lincoln se batia pelo abolicionismo, mas a quase totalidade dos seus biógrafos ignoram o fato que talvez tenha determinado a atitude inquebrantável que ele tomou no momento supremo da guerra civil.



            Passamos a palavra a Sir Arthur Conan Doyle, o célebre escritor de novelas policiais, que assim nos conta o que na mencionada ocasião se verificou (“The History of Spiritualism”, by Arthur Conan Doyle, M.D., LL.D. - Volume I, 1926):

            Os fatos - principia ele - estão acima de qualquer discussão e constam com evidência insuperável no livro que a Sra. Maynard publicou sobre Abraão Lincoln. (2)

               (2) Este livro intitula-se: "Was Abraham Lincoln a Spiritualist?". Em suas páginas, a autora relaciona vários pormenores interessantes aqui não publicados, bem como outras sessões mediúnicas na Casa Branca, com a presença de Lincoln. - (Nota de Z.)

            O nome de solteira da Sra. Maynard era Nettie Colburn e ela mesma foi a heroína da história.

            Jovem àquele tempo, Nettie era poderosa médium em seus momentos de transe. Durante o inverno de 1862 foi ela a Washington com o fim de visitar o seu irmão que se achava enfermo no hospital do Exército Federal.

            A Sra. Lincoln, esposa do presidente e que estava interessada pelo Espiritismo, conseguiu uma sessão com a então Srta. Colburn, tendo ficado profundamente impressionada com o resultado. No dia seguinte, mandou sua carruagem à médium, pedindo-lhe viesse demonstrar suas faculdades ante o presidente.

            A médium descreve a maneira carinhosa por que foi recebida pelo grande homem na sala de visitas da Casa Branca, e cita os nomes das pessoas que estiveram presentes à sessão. Depois de sentar-se, caiu em transe e logo ficou inconsciente. É ela mesma quem nos narra a continuação:

            “Durante mais de uma hora me fizeram falar com Lincoln, e, segundo me disseram depois os amigos, estive conversando a respeito de questões que ele parecia compreender perfeitamente, mas que para eles mal tinham sentido, até chegar à que se prendia com a Proclamação da Emancipação. O presidente recebera por meu intermédio uma mensagem em que se lhe fazia a recomendação solene de não renunciar aos seus propósitos relativos àquela proclamação, e de não adiar a sua aplicação, com força de lei, além do Ano Novo, porque isso seria a obra culminante de seu mandato presidencial e de toda a sua vida. E, contrariamente aos conselhos de alguns fortes partidos para que ele retardasse a aplicação daquela lei, na esperança de a substituírem por outras medidas, recomendou ainda que o presidente resistisse a tais sugestões e, mantendo-se firme em suas convicções, cumprisse destemidamente a missão que a Providência lhe havia confiado. Os que estavam presentes à sessão declararam que quase perderam a noção de presença da tímida jovem, devido a majestade de suas declarações, o vigor e a força de sua linguagem, e a importância da mensagem que transmitia, parecendo a eles que no lugar dela tomava assento poderosa força espiritual masculina da qual emanavam aquelas ordens quase divinas.

            “Nunca esquecerei a cena que se desenrolava ao meu derredor quando recobrei a consciência”. Achava-me de pé, à frente do Sr. Lincoln, que, sentado numa poltrona, com os braços cruzados sobre o peito, mirava-me intensamente. Retrocedi, naturalmente confusa ante aquela situação, não recordando, de momento, onde me encontrava, enquanto perpassava os olhos pelo grupo de pessoas à minha volta, entre as quais reinava absoluto mutismo. Por alguns instantes tive que fazer esforços para recordar o que fazia ali.

            “Um cavalheiro, dos que estavam presentes, rompeu o silêncio dizendo em voz baixa: - “Senhor presidente, tem algo especial a dizer-nos quanto à maneira de pôr em execução o decreto?” O Sr. Lincoln levantou-se como se saísse de um sonho. Contemplou rapidamente o quadro, em tamanho natural, de Daniel Webster, pendurado acima do piano, e respondeu com pronunciada ênfase: - “Sim, e de muito especial, muito!”

            “O Sr. Somes tomou a palavra: “Senhor presidente, seria atrevimento de minha parte perguntar-lhe se lhe fizeram pressão no sentido de aprazar o cumprimento da Proclamação?” Ao que o presidente respondeu: - “Na presente circunstância, a pergunta é perfeitamente normal, posto que todos aqui somos amigos.” (Todos os presentes sorríamos.) “Tais pressões me têm sido feitas, e só reunindo todos os meus nervos e todas as minhas forças a elas pude resistir.” Os cavalheiros rodearam então o presidente, conversando em voz baixa; ele era o que menos falava. Afinal, voltando-se para mim, e passando-me a mão pela cabeça, pronunciou as seguintes palavras, de um modo que jamais esquecerei: - “Minha filha, você possui um dom bem singular, mas que ele é de Deus, não tenho dúvida. Agradeço-lhe por ter vindo aqui esta noite; o que aconteceu é talvez mais importante que qualquer um dos presentes possa imaginar. Agora devo deixa-los os a todos, mas espero voltemos a ver-nos de novo.”

            “Apertou-me afetuosamente a mão, inclinou-se saudando os demais e saiu. Eu ainda fiquei cerca de uma hora conversando com a Sra. Lincoln e seus amigos, e por fim regressei a Georgetown. Foi este o meu primeiro encontro com Abraham Lincoln, e hoje a lembrança desse acontecimento é para mim tão clara e tão viva como na noite em que ele se deu.”

            Este foi, um dos fatos mais impressionantes na História do Espiritismo, e talvez um dos mais importantes na História dos Estados Unidos, pois não só fortaleceu a situação do presidente, obrigando-o a dar um passo que levantou o espírito dos exércitos do Norte, como também o levou, por efeito de uma mensagem subsequente, a visitar com urgência os campos de batalha, despertando o mais salutar efeito moral no espírito das tropas. Entretanto, o leitor que vasculhe todas as histórias das lutas e da vida do presidente não encontrará menção alguma de tão notável episódio. Tudo isso por culpa do desleal tratamento que o Espiritismo vem sofrendo há muito tempo.

            Até aí falou Sir Arthur Conan Doyle. Prossigamos.

            Lincoln, com a emancipação dos escravos expressa na Proclamação definitiva, assinada a 1º de Janeiro de 1863, encarnou assim os altos ideais de liberdade e igualdade, e certamente foi este um passo que, aureolando ainda mais o seu nome, incutiu nos exércitos o vigor e a energia combativa, tanto que desde meados de 1863 o Norte, de vitória em vitória, foi levando a guerra, até à completa rendição das forças sulistas, em 1865.

            Estava garantida a unidade nacional norte--americana, o respeito à Constituição e a vitória da mentalidade liberal do país.

            Lincoln, que fora reeleito em Novembro de 1864, assentava planos de reconciliação, reorganização e reconstrução, orientado pelo espírito de generosidade e elevada compreensão que sempre o caracterizaram, bem como pela experiência atilada dos melindrosos problemas internos, quando certa noite teve estranho sonho premonitório que muito o impressionou, levando-o a contá-lo à sua esposa Mary e ao seu amigo Ward Hill Lamon.

            Quase todas as obras biográficas sobre o grande estadista narram detalhadamente esse singular episódio de sua vida, especialmente a obra “The Lincoln Reader”, publicada em 1947, nos Estados Unidos.

            Façamos um resumo dos fatos: Sonhou Lincoln que estava errando pela Casa Branca. Todas as salas ele as via abundantemente iluminadas e desertas. Naquela fantástica solidão flutuavam lamentos e choro. Chegando ao Salão Leste, deparou com um catafalco, sobre o qual jazia um homem de rosto velado. Junto ao catafalco, soldados perfilados montavam guarda e muita gente chorava. Ele então perguntou: “Quem morreu?” - Ao que uma voz respondeu: “O presidente. Foi assassinado.”

            Acordou Lincoln sobressaltado; em seu cérebro pensamentos estranhos tumultuavam, e naquela noite não mais conseguiu conciliar o sono.

            Em seu relato à esposa e ao amigo, ajuntava ele outro fato interessante que se seguiu. A primeira vez que tomara a Bíblia, depois do sonho, abriu-a em qualquer lugar e de pronto se lhe deparou o capítulo 28 do Gênesis, justamente onde se relata o maravilhoso sonho de Jacó. E prossegue o próprio Lincoln, em sua autobiografia: “Em qualquer página que olhasse, aparecia referência a um sonho ou visão. Continuei a folhear a Bíblia e sempre meus olhos caíam sobre passagens que relatavam coisas estranhamente relacionadas com os meus pensamentos - visitas sobrenaturais, sonhos, visões, etc.

            Dias depois, e precisamente na véspera de sua morte, teve outro sonho, narrando-o em pleno Gabinete, no dia seguinte. Os ministros andavam um tanto apreensivos quanto à marcha de Sherman na Carolina do Norte. Lincoln, porém, sossegou-os, relatando-lhes o sonho que tivera: “vi-me numa singular e indescritível embarcação, a mesma de sempre... que se movia com grande rapidez, rumo a uma praia indefinida e escura.”

            Explicou ele, então, que sempre costumava ter tal sonho na véspera de importantes acontecimentos. Mal sabia (ou sabia?) que de novo se lhe pressagiava o fim da vida terrena.

            Horas antes de ir ao teatro fatídico, no dia 14-4-1865, virou-se para o seu polícia particular, William H. Crook, e exclamou: - “Sabe, Crook, eu creio que haja homens desejosos de tirar-me a vida. E não tenho dúvida de que o farão.”

            Crook achou estranho que ele falasse daquela maneira e perguntou: - “Porque pensa assim, Sr. presidente?”

             “- Outros homens - respondeu-lhe Lincoln - foram assassinados”, e depois de breve pausa: “Confio inteiramente naqueles que me cercam... Não sei como alguém possa matar-me e escapar com vida. Mas se isso tem de acontecer, impossível é impedi-lo.”

            Instantes depois, ele tudo esquecia e, esperançoso nos dias futuros, dirigia-se com sua esposa ao “Ford's Theater”. Aí finalmente se cumpriram os sonhos que teve e bem assim os estranhos pressentimentos que de quando em vez o assaltavam.

            Em certo momento do espetáculo ecoa um tiro. Uma bala penetra o cérebro de Lincoln, enquanto o assassino, o fanático ator John Booth, foge à perseguição que lhe movem.

            Na manhã do dia seguinte desligava-se dos últimos liames da carne uma das maiores figuras da História universal...

            Este é para os historiadores o ponto final da existência do grande homem. É natural que assim procedam. Os espíritas, porém, sabemos que a vida continua, e segundo uma comunicação mediúnica recebida em Ravenswood (“Revue Spirite” de 1867, pág. 77), o Espírito de Lincoln disse da surpresa que o envolveu quando, após um estado de inconsciência, se viu no mundo dos Espíritos, pois que não tinha a menor ideia de que estava morto. Foi então que dele se acercaram, cordialmente, muitas pessoas amigas que ele sabia falecidas havia muito tempo, e que lhe deram a conhecer a causa de sua morte. Neste instante, diz ele, experimentei um sentimento de angústia pela dor que o fato teria causado à minha família, bem como grande ansiedade quanto às consequências que minha morte poderia trazer para o meu país. Estes pensamentos o atraíram, na ocasião, violentamente para a Terra. Quando soube que seu assassino estava mortalmente ferido, colocou-se junto dele e foi o primeiro a acolhe-lo no Além, sem nenhum espírito de vingança, sem a menor animosidade, antes, com doçura e bondade, procedimento que bastante comoveu o assassino e lhe abriu, pelo remorso, o caminho da regeneração. Inundado de paz e alegria, informava ter ingressado num mundo de felicidades que sobrepairava a tudo que ele poderia esperar.

            Este elevado Espírito certamente ainda continua na luta pelos altos ideais de liberdade e fraternidade, visto que ele mesmo, quando encarnado, frisara que esta luta era “para um longo futuro”.

            Daí também podermos dizer, com o Presidente Eisenhower:

            “Que o Espírito de Lincoln esteja por perto sempre que enfrentemos cada desafio sucessivo à liberdade.” (3)

                                                                                                                      assina  Z.

               (3) Palavras pronunciadas pelo Presidente Eisenhower, dos Estados Unidos, ao discursar, a 11 de Fevereiro do corrente ano, num jantar comemorativo do sesquicentenário do nascimento de Lincoln.


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