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‘Rimas do
Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
Guerra Junqueiro
Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929
Casa Editora Guajarina
A
Freira
Paro convento
entrou em plena mocidade,
levando dentro
d'alma a Honra e a Bondade;
seu rosto, gentil e
puro como a flor,
tinha a meiga
expressão de um Anjo do Senhor,
Espírito qual límpido
cristal, perfeito,
sem mácula de
vicio, no escrínio do peito
guardava um coração
religioso e brando
com ritmos de eolias
harpas suspirando.
Com devoção
sincera, junto das Irmãs,
ela ia à igreja
todas as manhãs
à missa dita por um
grave capelão,
que tinha a
semelhança de um ruim zangão,
o rosto mui
vermelho, tons arroxeados,
próprios dos indivíduos
sempre alcoolizados.
Às vezes, no
sermão, o padre murmurava:
A pobre Humanidade
é sempre a mesma escrava
do Erro! Irmãs,
chorai o fado negro e imundo
daquele que se
entrega à perdição do mundo!
E as freiras,
fronte baixa, oravam fervorosas
muitas ave-marias
nas contas piedosas
dos rosários, com
pena desses deserdados
que à igreja não
vão contar os seus pecados
Sempre que o
capelão ia dizer a missa,
Irmã Branca baixava
a testa, bem submissa
qual uma ovelha
mansa aos pés do seu pastor.
Contrita,
ajoelhada, orava com fervor,
achando o capelão
com ar de grande santo
(ó fruto da
candura!) Após, banhada em prantos,
ia ao confessionário
contar, na humildade,
os pecados ao...
santo - justa autoridade,
mas sempre sem
notar que o padre já nutria
por ela sentimento
que, voraz, crescia,
- ate que, em poucos meses, era uma paixão
indomável, febril,
como impuro vulcão!
Certa manhã de
inverno, as freiras reunidas,
depois de murmurarem
orações sentidas,
Finda a missa,
saíram da capela,
deixando em oração
Irmã Branca, a donzela
modela, com os
olhos fitos para o céu,
qual um Anjo que,
envolto em fino véu,
pousasse sobre a
Terra, em êxtase, orando
os salmos ritmados
em murmúrio brando.
Ao terminar a
prece, tinha o seu semblante
tão calmo e
satisfeito, puro e brilhante
dir-se-ia uma fada,
estranha e poderosa,
expulsando do mundo
a serpe venenosa
do Pecado.
Tremeram, leve, os lábios seus
e ela disse,
baixinho: Ajuda-me, meu Deus!
Porém, em dado
instante, inesperadamente,
a freira viu
surgir, quase à parede rente,
o torpe capelão,
que vinha desvairado
por um desejo vil –
que havia transformado
um padre numa fera,
um santo num dragão
sensual, a bramir
de rastros pelo chão...
e, de chofre, falou
à Irmã silenciosa:
No meio das mais
santas, és a mais formosa,
ó tímida mulher, ó
jovem sedutora!
Já não posso abalar
a chama abrasadora
que dentro do meio
peito, se ergue e relampeja!
A freira estremeceu,
de pejo e de terror,
mas ainda teve
forças p'ra dizer:
Senhor
padre, que quereis
vós, tão agitado assim?
Perdão,
sobressaltei-me, ao ver-vos junto a mim...
Porém o capelão, pastor da Iniquidade,
ao ouvido da Irmã,
falou, com crueldade:
Deixemos para os tolos a Doutrina (asneira!)
NÃO PECA O PADRE
POR AMAR FORMOSA FREIRA.
Irmã Branca recua,
lívida de espanto,
e, quando o padre
tenta arrebatar-lhe o manto,
ela implora:
Meu Deus, cegai
este assassino!
Tremeram, leve, os lábios seus,
e ela disse,
baixinho: Ajuda-me, meu Deus!
Não podendo tocar
aquele ser franzino,
o padre retrocede,
tonto, alucinado
com a face congesta de porco cevado,
apoiou-se ao altar,
com medo de cair
semelhante a um
leão que não pode rugir!
De repente fazendo
esforço sobre humano:
Sou padre, estertorou,
pois bem- sou soberano;
Ó freira, obedecer
te cumpre, estás ouvindo?
Senão, tu ficarás
numa cela, carpindo
a desobediência tua
p'ra comigo!..
Eu te vou difamar,
para maior castigo!..
Recua, sedutor
(bradou-lhe a virgem casta)
hediondo! Tu és a podridão
nefasta,
a figura do Mal,
vestida de batina,
querendo macular
uma pobre menina
quase indefesa,
aqui, oculto neste templo.
Se és um sacerdote,
agora deste exemplo
de fera
inconsciente, enlameada, vil,
puxando uma
ovelhinha à morte no covil!
O capelão moveu-se,
mais do que iracundo,
e, soltando um
roncar de tigre moribundo,
avançou para a
Irmã, num ímpeto feroz,
porem, faltaram
forças, e fugiu lhe a voz,
Ficou parado,
quedo, o enfático ministro,
olhar fosforescente,
de fulgor sinistro,
rancores
incontidos.
Disse a freira
ainda,
após breve silencio
de ansiedade infinda:
Não tenho ódio de
ti; lamento a tua ação!
Desrespeitaste o
Altar, feriste o coração
de Jesus - que exemplou a Castidade e o Amor,
remindo a criatura
ao facho redentor
do Seu olhar
imaculado e santo,
acolhendo os
aflitos à sombra do manto.
Perdoo-te! bradou,
saindo triunfal
da capela, deixando
o padre sem moral
encolhido num
canto, mudo, acovardado
(milagre
extraordinário! estava manietado!)
Por quem?
Mistério...
ALGUÉM velava, sem
ser visto.
Não era nenhum
santo, nem aquele Cristo
que estava no
altar-mor, de braços estendidos,
de face macerada,
os olhos compungidos,
fitando friamente o
bando de fieis
que vinha cada dia
curvar-se lhe aos pés...
É QUE AS ALMAS SINCERAS
SÃO SEMPRE ASSISTIDAS,
Quer gozem
liberdade, quer se recolhidas
a convento, ou palácio,
ou lobrega prisão.
A TODOS SEMPRE
CHEGA A SANTA PROTEÇÃO
DE DEUS; e como a
casta Irmã havia
orado com fervor,
ALGUÉM a socorria,
Alguém que, estando
oculto aos olhos pecadores.
cobriu a da
grinalda alvíssima de flores
que trazia. Por
isso, o capelão
recuou, sem querer,
ficando sem ação,
é que ele recebia,
inconscientemente,
OS FLUIDOS
PODEROSOS DE ANJO REFULGENTE!
No dia imediato, um
grande ajuntamento,
anormal, foi notado
à porta do convento,
e um linda donzela
envolta em alvos véus,
parecendo uma
virgem vinda lá dos Céus.
afastou-se daquela
imoral enxovia,
levando sobre a
fronte auréola que fulgia
o esplendor da
pureza. As freiras assustadas
ao verem-na sair,
ficaram revoltadas;
filhas de sombra,
em bando à porta do convento,
gritavam reprovando
um tal procedimento...
E ela, indiferente
à torpe gritaria,
seguiu por uma
estrada, à clara luz do dia.
Cisne alvo que
fugia, a medo de manchar
as asas brancas em
um caos de lupanar!
Foi lá fora,
encontrar a salvação e o gozo
no templo da
FAMÍLIA, ao lado de um esposo...
9 de Janeiro de 1928
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