quarta-feira, 10 de julho de 2013

17. 'Rimas do Além Túmulo' - A Freira



17
‘Rimas do Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
 Guerra Junqueiro

Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929

Casa Editora Guajarina

A Freira

Paro convento entrou em plena mocidade,
levando dentro d'alma a Honra e a Bondade;
seu rosto, gentil e puro como a flor,
tinha a meiga expressão de um Anjo do Senhor,
Espírito qual límpido cristal, perfeito, 
sem mácula de vicio, no escrínio do peito
guardava um coração religioso e brando
com ritmos de eolias harpas suspirando.
Com devoção sincera, junto das Irmãs,
ela ia à igreja todas as manhãs
à missa dita por um grave capelão,
que tinha a semelhança de um ruim zangão,
o rosto mui vermelho, tons arroxeados,
próprios dos indivíduos sempre alcoolizados.

Às vezes, no sermão, o padre murmurava:
A pobre Humanidade é sempre a mesma escrava
do Erro! Irmãs, chorai o fado negro e imundo
daquele que se entrega à perdição do mundo!
E as freiras, fronte baixa, oravam fervorosas
muitas ave-marias nas contas piedosas
dos rosários, com pena desses deserdados
que à igreja não vão contar os seus pecados

Sempre que o capelão ia dizer a missa,
Irmã Branca baixava a testa, bem submissa
qual uma ovelha mansa aos pés do seu pastor.
Contrita, ajoelhada, orava com fervor,
achando o capelão com ar de grande santo
(ó fruto da candura!) Após, banhada em prantos,
ia ao confessionário contar, na humildade,
os pecados ao... santo - justa autoridade,
mas sempre sem notar que o padre já nutria
por ela sentimento que, voraz, crescia,
 - ate que, em poucos meses, era uma paixão
indomável, febril, como impuro vulcão!

Certa manhã de inverno, as freiras reunidas,
depois de murmurarem orações sentidas,
Finda a missa, saíram da capela,
deixando em oração Irmã Branca, a donzela
modela, com os olhos fitos para o céu,
qual um Anjo que, envolto em fino véu,
pousasse sobre a Terra, em êxtase, orando
os salmos ritmados em murmúrio brando.
Ao terminar a prece, tinha o seu semblante
tão calmo e satisfeito, puro e brilhante
dir-se-ia uma fada, estranha e poderosa,
expulsando do mundo a serpe venenosa
do Pecado. Tremeram, leve, os lábios seus
e ela disse, baixinho: Ajuda-me, meu Deus!

Porém, em dado instante, inesperadamente,
a freira viu surgir, quase à parede rente,
o torpe capelão, que vinha desvairado
por um desejo vil – que havia transformado
um padre numa fera, um santo num dragão
sensual, a bramir de rastros pelo chão...

e, de chofre, falou à Irmã silenciosa:
           
No meio das mais santas, és a mais formosa,
ó tímida mulher, ó jovem sedutora!
Já não posso abalar a chama abrasadora
que dentro do meio peito, se ergue e relampeja!

A freira estremeceu, de pejo e de terror,
mas ainda teve forças p'ra dizer:
Senhor
padre, que quereis vós, tão agitado assim?
Perdão, sobressaltei-me, ao ver-vos junto a mim... 
           
 Porém o capelão, pastor da Iniquidade,
ao ouvido da Irmã, falou, com crueldade:
 Deixemos para os tolos a Doutrina (asneira!)
NÃO PECA O PADRE POR AMAR FORMOSA FREIRA.

Irmã Branca recua, lívida de espanto,
e, quando o padre tenta arrebatar-lhe o manto,
ela implora:
Meu Deus, cegai este assassino!

 Tremeram, leve, os lábios seus,
e ela disse, baixinho: Ajuda-me, meu Deus!

Não podendo tocar aquele ser franzino,
o padre retrocede, tonto, alucinado
 com a face congesta de porco cevado,
 apoiou-se ao altar, com medo de cair
semelhante a um leão que não pode rugir!

De repente fazendo esforço sobre humano:
Sou padre, estertorou, pois bem- sou soberano;
Ó freira, obedecer te cumpre, estás ouvindo?
Senão, tu ficarás numa cela, carpindo
a desobediência tua p'ra comigo!..
Eu te vou difamar, para maior castigo!..

Recua, sedutor (bradou-lhe a virgem casta)
hediondo! Tu és a podridão nefasta,
a figura do Mal, vestida de batina,
querendo macular uma pobre menina
quase indefesa, aqui, oculto neste templo.
Se és um sacerdote, agora deste exemplo
de fera inconsciente, enlameada, vil,
puxando uma ovelhinha à morte no covil!

O capelão moveu-se, mais do que iracundo,
e, soltando um roncar de tigre moribundo,
avançou para a Irmã, num ímpeto feroz,
porem, faltaram forças, e fugiu lhe a voz,
Ficou parado, quedo, o enfático ministro,
olhar fosforescente, de fulgor sinistro,
rancores incontidos.

Disse a freira ainda,
após breve silencio de ansiedade infinda:

Não tenho ódio de ti; lamento a tua ação!
Desrespeitaste o Altar, feriste o coração
de Jesus -  que exemplou a Castidade e o Amor,
remindo a criatura ao facho redentor
do Seu olhar imaculado e santo,
acolhendo os aflitos à sombra do manto.
Perdoo-te! bradou, saindo triunfal
da capela, deixando o padre sem moral
encolhido num canto, mudo, acovardado
(milagre extraordinário! estava manietado!)

Por quem?
Mistério...
ALGUÉM velava, sem ser visto.
Não era nenhum santo, nem aquele Cristo
que estava no altar-mor, de braços estendidos, 
de face macerada, os olhos compungidos,
fitando friamente o bando de fieis
que vinha cada dia curvar-se lhe aos pés...
É QUE AS ALMAS SINCERAS SÃO SEMPRE ASSISTIDAS,
Quer gozem liberdade, quer se recolhidas
a convento, ou palácio, ou lobrega prisão.
A TODOS SEMPRE CHEGA A SANTA PROTEÇÃO
DE DEUS; e como a casta Irmã havia
orado com fervor, ALGUÉM a socorria,
Alguém que, estando oculto aos olhos pecadores.
cobriu a da grinalda alvíssima de flores
que trazia. Por isso, o capelão
recuou, sem querer, ficando sem ação,
é que ele recebia, inconscientemente,
OS FLUIDOS PODEROSOS DE ANJO REFULGENTE!
           
No dia imediato, um grande ajuntamento,
anormal, foi notado à porta do convento,
e um linda donzela envolta em alvos véus,
parecendo uma virgem vinda lá dos Céus.
afastou-se daquela imoral enxovia,
levando sobre a fronte auréola que fulgia
o esplendor da pureza. As freiras assustadas
ao verem-na sair, ficaram revoltadas;
filhas de sombra, em bando à porta do convento,
gritavam reprovando um tal procedimento...
E ela, indiferente à torpe gritaria,
seguiu por uma estrada, à clara luz do dia.

Cisne alvo que fugia, a medo de manchar
as asas brancas em um caos de lupanar!
Foi lá fora, encontrar a salvação e o gozo
no templo da FAMÍLIA, ao lado de um esposo... 

9 de Janeiro de 1928

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