1.2 Licantropia
por Zêus Wantuil
in Reformador (FEB) Fev 1978
A Revue Spirite
de 1865, página 343, insere um artigo com o titulo - "Um novo
Nabucodonosor", da autoria de Allan Kardec, como é de supor-se, artigo que
estuda um interessante caso de licantropia.
De Charkow (Rússia) escrevem-lhe sobre o caso que
tentaremos resumir, abaixo:
Na família R... viviam dois irmãos, Alexandre e Voldemar.
Este último, impressionava pelos seus olhos, produzindo em quem os mirasse uma
sensação estranha e perturbadora; o mesmo acontecia com seu irmão, em cujos
olhos negros havia também um certo magnetismo fascinador, embora em menor grau.
Voldemar, na escola, sobressaia-se sobre Alexandre, assombrando seus mestres e
colegas por aptidões fora do comum. Jactava-se disso, sobretudo diante do
irmão, sobre quem despejava seus motejos e zombarias.
Passam-se os tempos. Voldemar morre aos 16 anos. O irmão
se transforma e passa a ter hábitos esquisitos, anormais, intercalados por atos
e hábitos inteiramente normais, não sendo, pois, um doido comum.
Acreditando-se num desarranjo cerebral, foi Alexandre
internado numa casa de saúde. Porém - coisa estranha! -, ele se alterou
completamente e nada em sua conduta ou em suas palavras denotava um cérebro
doentio, fazendo com que os médicos cressem até numa intriga de família.
O rapaz dirigia-se muitas vezes para uma choupana que
servia de galinheiro, despojava-se de suas vestes e ali permanecia
insistentemente.
Quiseram por os bens dele sob tutela; mas as comissões
nomeadas, para esse fim, sempre que iam Interrogá-lo recebiam respostas
comedidas e bem sensatas, e se retiravam, por isso, desapontadas.
Esses acontecimentos começaram em 1842, e até 1865 não
haviam cessado.
Às vezes, Alexandre ficava num pardieiro, completamente
nu, em pé, exposto a todos os ventos e a temperaturas baixíssimas.
Poucas vezes se servia da palavra humana; à maneira dos
animais, adquiriu-lhes o mugido especial.
"A força de ter a cabeça inclinada, ele não mais a pode
levantar; seus pés atingiram uma largura desmesurada, não lhe permitindo
caminhar" - declara o informante do caso, parente próximo da família R...
e que conviveu com os irmãos R...
A exceção do que falamos, e dos olhos, seu aspecto não
apresentava nada de extraordinário. Apenas uma expressão de sofrimento lhe
pesava sobre o semblante, e exclamava de vez em quando: "Quando afinal
acabará isso?" Outras vezes, chega a pronunciar o nome do seu irmão
falecido. Certo dia, ao lhe perguntarem o motivo de sua conduta, respondeu:
"Não me faleis nisso; é uma falta de vontade."
Tendo sido enviados seus cabelos a uma célebre sonâmbula,
esta respondeu que se estava diante da doença de Nabucodonosor.
Das considerações feitas por Kardec, retiramos os trechos
a seguir:
"Um fato salta evidentemente desse relato: é que
este rapaz não é um louco, na acepção científica da palavra; ele goza da
plenitude de sua razão, quando o quer. Mas
qual pode ser a causa de
semelhante esquisitice, nesta idade? Cremos que a Ciência, com suas fontes
puramente materiais, levará muito tempo antes de acha-la.
"Há entretanto outra coisa que simples mania: é a
assimilação da voz e dos gestos próprios dos animais. Têm-se visto, é verdade,
indivíduos abandonados nos bosques, desde tenra idade, que vivem com os
animais, e lhes adquirem as vozes e os costumes, por imitação; mas aqui o caso
é diferente: esse rapaz realizou estudos sólidos, vive em suas terras e dentro
de uma aldeia, está em contato diário com seres humanos; portanto, tudo isso
nada tem que ver com o seu isolamento e seus hábitos.
“É, disse a sonâmbula de Londres, a doença de
Nabucodonosor; mas que é esta doença? A história deste rei não é uma lenda? É
possível que um homem seja transformado em animal? (1) Contudo, se
se relaciona a descrição bíblica com o fato recente de Alexandre R... , nota-se
entre eles mais de um ponto de semelhança. Compreende-se que o ocorrido em
nossos dias possa ter sucedido noutros tempos, e que o rei da Babilônia haja
sido atingido de um mal semelhante. Se então o rei, dominado por influência
análoga, abandonou seu palácio, como Alexandre R... abandonou sua casa; se ele
viveu e imitou as vozes, ao modo dos animais, como Alexandre, pode dizer-se, na
linguagem alegórica do tempo, que ele fora
transformado em animal. Isto destrói, é certo, o milagre; mas quantos milagres
tombam, hoje em dia, diante das leis da Natureza, descobertas
diariamente!"
Kardec lê a narrativa, que lhe remeteram da Rússia, na
Sociedade Espírita de Paris, para objeto de estudo. Três comunicações mediúnicas
foram então obtidas.
(1) A Bíblia não diz expressamente que houve metamorfose
em animal. (Nota do Tradutor.)
A primeira é de Voldemar, que confessa, irritado, ser ele
a causa de todas aquelas perturbações, e fala de uma ligação íntima entre ele e
Alexandre, ligação que deveria prosseguir até na morte. Mais, além, declara:
"Não podendo constrange-lo a seguir-me, pelo menos imediatamente, eu
empreguei o poder magnético que possuo em grau extremo, a fim de torcê-lo
a abandonar sua vontade e seu ser ao meu livre arbítrio. Ele sofre nesta
posição... tanto melhor!"
Segue-se a segunda comunicação, obtida pelo mesmo médium,
da autoria do Espírito protetor dos dois irmãos. Revela ter sido Alexandre, em
outra existência, subordinado a Voldemar, em diversas ações más contra a
sociedade, ações que são, hoje, a fonte de seus sofrimentos. Eles prometeram
que jamais se trairiam ou se separariam. Morto Voldemar, Alexandre deveria, sob
o império da promessa, seguir seu irmão ao túmulo, mas, cansado do jugo que há
muito suportava, tomou a resolução, de lutar. Seu irmão, revoltado com isso, não o podendo matar
materialmente, o tem feito moralmente, envolvendo-o numa rede de influências
perniciosas que determinaram a obsessão em foco.
"O sonâmbulo que designou essa afecção pelo nome de
doença de Nabucodonosor - declara o mesmo Espírito - não estava longe da
verdade como se poderia crer, visto como Nabucodonosor não era senão um
obsidiado que se persuadia de ter sido transformado em animal. É então uma
obsessão, que não exclui, como vós o sabeis, a ação da inteligência e não a aniquila
de maneira fatal; é um dos casos mais notáveis, cujo estudo só pode ser
proveitoso para todos."
Quando Voldemar se afasta, o irmão recobra sua energia própria
podendo libertar-se. Como esse estado contraria a Voldemar, este não cessa de
exercer sobre o irmão uma ação magnética continua.
Por fim, citamos a terceira comunicação, recebida através
de outro médium, do guia espiritual deste, assinada por São Benedito, que diz,
entre outras coisas:
"Meus bem-amados, certos fatos relacionados nas Escrituras
são olhados por muita gente como fábulas feitas para as crianças. Porque não
são compreendidos, são desprezados, recusando-se dar-lhes crédito. Entretanto,
desprendido da forma alegórica, o fundo ali é verdadeiro, e somente o
Espiritismo poderia fornecer a chave."
"A punição de Nabucodonosor não é pois uma fábula;
ele não esteve, como vós o dissestes muito judiciosamente, transformado em
animal; ele estava, sim, como o paciente que vos ocupa no momento, privado por
algum tempo do livre exercício de suas faculdades intelectuais, e isto; em
condições que o assemelhavam ao selvagem, fazendo do déspota poderoso um objeto
de piedade para todos: Deus o havia ferido em seu orgulho.
"Todas estas questões se prendem àquelas dos fluidos
e do magnetismo. No rapaz, há obsessão e subjugação; ele é de grande lucidez no
estado de Espírito, mas seu irmão exerce sobre ele uma influência magnética
Irresistível. Voldemar o atrai facilmente para fora de seu corpo, quando uma
pessoa amiga e simpática lá não esteja para o reter; Alexandre sofre quando
está desprendido: constitui para ele uma punição, e é então que faz ouvir seus
bramidos ferozes.
"Não vos apresseis, pois, em condenar o que está
escrito nos livros sagrados, como o fazem a maior parte, daqueles que veem
apenas a letra e não o espírito.
"Todos os dias vós vos instruireis mais e mais, e
novas verdades se desvendarão aos vossos olhos, visto estardes longe de haver
esgotado todas as aplicações daquilo que sabeis de Espiritismo."
Terminando a interessante exposição, Kardec declara:
"Resulta desta explicação, perfeitamente racional, que esse rapaz está sob
o império de uma obsessão, ou melhor, de terrível subjugação, semelhante à que
sofreu o rei Nabucodonosor."
Passa Kardec, em seguida, a considerar o motivo das
obsessões, que muitas vezes são provas e, punições, concluindo que o rei
poderia muito bem estar sob o jugo de um Espírito malfazejo que o constrangeria
a agir como um animal, sem entretanto metamorfoseá-lo em animal.
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