sexta-feira, 12 de julho de 2013

19. 'Rimas do Além Túmulo' - Na Pedra Sepulcral



19
‘Rimas do Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
 Guerra Junqueiro

Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929

Casa Editora Guajarina

Na Pedra Sepulcral

Um dia, na terra fria, a negra ossada
do poeta sorriu, despida e abandonada,
- não do ribombar medonho do trovão,
mas das falas ocas de um senil papão
que surgiu, por acaso, ao pé da sua cova,
talvez para levar-lhe alguma ideia nova.
Cingia-lhe a cabeça (e de avultada soma)
alta mitra brilhante. Era vindo de Roma.
Rugiu, então, fitando a lousa furibundo:
Porque, Junqueiro infame, enxovalhaste o mundo?
Teu nome vem escrito em livro excomungado,
de versos em estilo vil, acanalhado!
Que imundície! que horror! que lodaçal!
            Foi teu ideal o crime; praticaste o Mal! 
Jamais tu foste à igreja esmolas oferecer!
Morreste; estás no Inferno, eternamente a arder!
             
Se um corvo ali passasse, estava fulminado
      pelas chispas que o bonzo (sacerdote) desvairado     
desprendia dos olhos, tendo um gesto audaz,
Mais vermelhas do que as do olhar de Satanás.
Depois, com vesgo olhar de raio que flameja:
Desafio-te, agora: vem, insulta a Igreja !..

Então, a negra ossada ergueu-se bruscamente,
Vibrante, soberana, e, sarcasticamente,
bradou, com essa voz do bravo que tem glória,
calmo na luta, sempre certo da vitória:

o vate lusitano ergueu-se em terra fria
p'ra combater o Mal, horrível monstro, a harpia!
Atrás, usurpador de títulos de santo!
Respeita a lousa em que verteu a Glória pranto
Repousa aqui um bravo e impávido ancião
que desdenhou do papa e riu da excomunhão.
Se fui um celerado, a culpa tive-a eu:
amei o olhar do Cristo e a voz de Prometeu.
que, gemendo, no jugo, mesmo acorrentado,
espera ver o sonho um dia realizado
- a bandeira da Paz e a Liberdade plena
concedida aos mortais, numa expansão serena!

Ó bonzo, vai chamar depressa o rei Plutão
e diz-lhe que aqui venha e tire ao pó do chão
a carcaça senil, terrosa de Junqueiro,
p'ra assa-la meigamente, ao lume de braseiro,
talvez em companhia de almas condenadas
que se somem no abismo aonde, as chicotadas,
vão arder hereges em suplício eterno,
nos fornos de um palácio que se chama Inferno.

E tem o tal palácio muitas diversões:
entes vivos queimar à luz dos caldeirões.
Nos dias de fartura e grande movimento,
para a este labor dar pleno vencimento,
tem; à porta de bronze, elegante rapaz,
lacaio do monarca- altivo, Satanás,
com chifres pontiagudos e a cauda reluzente
de fogo rutilante, alegre, sorridente,
espécie de burguês, espécie de macaco,
tendo, lépido, ao ombro um tridente e um saco,
farejando, atento, mais uns condenados
que cheguem mais ou menos atrasados...

E a múmia, heril, na igual soberania,
dou ao bonzo, que, vencido e mudo, ouvia:
basta de mentira, espertos intrujões!
Porque extorquis ouro em troca de orações?
Abaixo a estupidez! Abaixo a Hipocrisia!
O Deus, puro e bondoso, pune a idolatria,
Tremei, profanadores do Mestre, Jesus,
que na Terra há de raiar, em viva luz,
a aurora do porvir de Amor e de Verdade;
trazendo ao mundo paz, consolo à Humanidade.
E vós, Ó homens, fortes, unidos, possantes,
queimai o diadema de ouro com brilhantes,
fazendo das igrejas templos de Humildade,
onde o crente pratique o Bem e a Caridade!
Haveis de ver, entoando um hino triunfal,
a sombra de Junqueiro à pedra sepulcral!.. 

E a múmia ao terminar, num gesto de bravura,
deitou-se, calmamente, a rir, na sepultura.

Quanto ao bonzo, de cólera bramindo,
Voltou  p'ras bandas donde tinha vindo.

27 de Setembro de 1927

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