O Consolador
por Rodolfo Calligaris
Durante
dezenove séculos tem-se ensinado aos cristãos a crença em um Deus antropomorfo,
rancoroso e vingativo, cuja cólera contra a espécie humana, motivada pela
desobediência do primeiro homem, só pode ser extinta com o sacrifício de Seu
Filho; um Deus que, residindo lá no Alto, se mantém indiferente à sorte de Suas
criaturas, contentando-se em receber, depois da morte, pequeno número delas em
um céu fabuloso, onde, por toda a eternidade, não teriam outra ocupação senão
contemplá-Lo e cantar-Lhe louvores, enquanto as demais seriam lançadas a um
inferno de tormentos indescritíveis e sem término!
As causas que privariam estas
últimas dos gozos (?) do paraíso seriam, quanto a uns, a falta de fé, ou seja,
a falta de capacidade intelectual para aceitar certos dogmas estabelecidos
conforme interpretações dilatórias da Bíblia (repositório de revelações
graduais em que cada seita escolhe o que lhe agrada, rejeitando o resto), e,
quanto a outros, a queda ante as ciladas e artimanhas do "demônio",
que, mais sagaz que o Criador, frustra-Lhe os propósitos de salvação universal,
arrebatando-Lhe a imensa maioria de suas criaturas!
Uns e outros, entretanto, - segundo
as igrejas ortodoxas - poderiam comparecer instantaneamente
à presença de Deus, expungidos de todas as fraquezas e imperfeições humanas,
desde que, no último momento, se submetessem aos cânones delas ou demonstrassem
sincera contrição, como se o consentimento a opiniões dogmáticas tivesse o
poder de purificar as almas e uma vida sensual e criminosa pudesse ser
resgatada por um simples grito de arrependimento no leito mortuário!
O Consolador, divergindo
profundamente dessas concepções arcaicas, engendradas por
teólogos de gerações menos desenvolvidas, não nos fala de um céu de torpor
eterno, mas sim de uma atividade útil, evolutiva e incessante, em que cada ação
produz seus próprios efeitos, sendo, pois, a felicidade, diretamente
proporcional ao exercício do bem e ao progresso realizado.
Esclarece-nos também que não há
outro inferno senão o que está na alma aflita, acabrunhada de remorsos e de
angústias pelas suas prevaricações.
O "castigo", para usarmos
o termo comum, é apenas o efeito mediato e natural do pecado consciente. Não é
uma pena aplicada ao arbítrio de Deus, mas o resultado inevitável da violação
da lei que rege as ações; corresponde sempre à natureza e gravidade da falta, e
sua duração depende do arrependimento do espírito culpado. Esse arrependimento,
é claro, não o isenta da expiação, isto é, dos sofrimentos resultantes das
faltas cometidas, porque as consequências da transgressão não podem ser
evitadas, nem tampouco o dispensa da devida reparação, que consiste em fazer o
bem àqueles a quem haja feito o mal; todavia, é o primeiro passo de sua
libertação. Tão logo tome melhores disposições e se torne sensível às
influências do bem, sua atmosfera espiritual muda e almas bondosas se
apresentam para auxiliá-lo a redimir-se e a progredir.
Assim como aqui na Terra há
criaturas abnegadas e generosas que se dedicam à tarefa de ajudar os
abandonados e os que se aviltaram nos chavascais do vício e do crime,
salvando-os da degradação e conduzindo-os ao bom caminho, também no mundo
espiritual há seres puros e devotados cuja missão é socorrer as almas infelizes
e degradadas, guiando-as no conhecimento de Deus e amparando-as em sua
purificação através das esferas de provança.
Diz-nos ainda o Consolador que
nenhuma religião terrestre sobreleva as outras, senão pela soma de boas ações
que haja inspirado a seus prosélitos; que ninguém é punido por haver crido
desta ou daquela forma, eis que o caráter e a pureza de sentimentos é tudo.
Estas revelações do Espiritismo, que
tanta luz projetam em nossas mentes e tão grandes consolações proporcionam às
nossas almas, pois são o complemento dos ensinos de Jesus, para outros, os
aferrados às velhas crenças, não passam de heresia, de doutrina demoníaca. Não
é de estranhar. A pretensiosa ignorância sempre se insurgiu, em todos os
terrenos, contra as coisas novas, na persuasão de que os seus conhecimentos
eram suficientes, irreformáveis, absolutos, aos
quais nada se poderia acrescentar.
Não aconteceu o mesmo a Jesus? Os
que observavam o moisaísmo, repleto de formalismos e preceitos vãos, repudiaram
o Mestre, perseguiram-no e o crucificaram porque - gritavam - desrespeitava a
Lei e ultrajava a Deus, quando ele apenas destruía ordenações humanas a fim de
poder purificar os mandamentos divinos.
Igualmente o Espiritismo, que é o
Consolador, o que faz não é destruir a doutrina cristã, mas desembaraça-la das
excrecências que a desfiguram e das fábulas que já não satisfazem às
necessidades espirituais da Humanidade, para oferecer ao mundo uma fé mais
nobre, mais racional e mais pura.
Reformador (FEB) Janeiro 1971
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