c.
“Dos Princípios Incontroversos
às
Hipóteses Plausíveis”
Objeções.
A esta hipótese contrapõe-se a opinião dos que, imoderadamente científicos
dentro do Espiritismo, declaram que, além de cerebrina, tem ela o inconveniente
de induzir-nos a uma espécie de panteísmo espiritual, com o afirmar-se que o
espírito perde-se na espiritualidade absoluta, ficando assim destituído de
identificação pessoal, pois que o espírito sem matéria alguma que o personalize,
é pura abstração. Os que assim pensam, não trepidariam em imaginar um perispírito
para o próprio Criador do Universo, considerando talvez que, sem ele, a
Divindade também viesse a redundar em uma simples abstração ...
Revela a objeção um gravíssimo
inconveniente dos excessos a que o racionalismo, como reação à metafisica dogmática,
levou as inteligências mais devotadas ao estudo e às elocubrações da ciência e
da filosofia.
E não procede porquê, a dizer-se que
a elevação à pura espiritualidade, conduz ao panteísmo espiritualista - pela
absorção do espírito em Deus - teríamos que afirmar também, a contrario senso, que a necessidade eterna, para o espírito, de
revestir um corpo material e
mais ainda, essa necessidade de dar um perispírito à própria Divindade,
levar-nos-ia ao principio impiedoso de concluir que a substancia coexiste de
toda a eternidade com Deus - o que pouco difere da doutrina que tudo atribui ao
acaso, como fazem os ateístas.
Tão
longe não pôde chegar a nossa investigação.
Deus é Deus - e o que sabemos é que
Ele é o Criador de tudo quanto existe.
Resta-nos esperar que um dia - um
dia !! ... - em estado de perfeição igual à dos Unigênitos do Pai, saibamos os
segredos da Criação se é que os devamos saber.
Além disso, preciso é que não
exageremos o conceito individualista do livre arbítrio e da liberdade de ação
pessoal. Nesse conceito, a maior parte das vezes, vai muito de orgulho e do
amor próprio que tem levado espíritos audazes mas pouco evoluídos, a sobreporem
as suas
razões, a sua vontade, às de outros
espíritos mais esclarecidos e que melhores serviços poderiam ter prestado a
humanidade, do que os primeiros que procuram sobrepujá-los . . .
Um momento chega, no caminho da sua
evolução, em que o homem suspende a marcha até então incontida da sua vontade e
pergunta: Não irei causar dano ao meu próximo com o exercício sem peias da
minha vontade pessoal? Melhor não será perscrutar o pensamento de quem possua
mais saber e experiência do que eu, para fazer-lhe a vontade?
Dessa hora em diante cessa o
personalismo e inicia o homem a nova etapa do seu destino glorioso: passa,
voluntariamente, da categoria de chefe, a de colaborador; de Mestre, a
condiscípulo. Não mais age apenas segundo a sua vontade prepotente: mas,
abdicando muitas vezes desta, para que se cumpra á daqueles em quem reconhece
superioridade moral, contribui para que se executem, do melhor modo possível,
os planos dessa vontade que lhe é superior, em vez de causar-lhe
embaraços.
Ampliemos, pelo raciocínio, o
conceito desta modalidade impessoal de exercer o livre arbítrio e chegaremos â
comunhão dos Espíritos Puros com o Pai. É o que Jesus afirmava, dizendo:
"Eu não faço a minha vontade, mas a d'Aquele que me enviou, "para
demonstrar-nos” também que melhor será fazermos a vontade dele, experimentada,
sábia, amorosa, do que a nossa, infantil. ignara, egoística, quando nos
advertiu: "Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e
humilde de coração e encontrareis descanso, para as vossas almas. Porque o meu
jugo é suave e o meu fardo é leve." (1)
(1) Matheus: 11-29 a 30.
Porventura esta abdicação voluntária
resulta em aniquilamento do ser, em sua difusão na fonte original de que
proveio e consequente perda da identidade pessoal.
Ah! Pobres irmãos, que assim objetais,
em defesa dos vossos princípios de autonomia intangível da personalidade humana
e da manutenção exclusivista dos seus caprichos!
É que vos encontrais ainda em um
estágio inferior da vossa evolução moral: naquele em que o homem, para agir,
precisa visar a satisfação egoística dos seus próprios interesses. Se
pudésseis compreender o que é fazer a Vontade do Pai. Si pudésseis sentir um instante a felicidade e que decorre daquela despersonalização
de Jesus, ao afirmar: "Eu e o Pai somos um"
*
* *
Lancemos
um olhar retrospectivo às páginas da História. Onde estão, entre os que tiveram
a "ilusão" de tudo fazer por efeito de sua exclusiva vontade, os
grandes luminares da Humanidade? Que nos deixaram os grandes capitães, cuja
orgulhosa vontade foi tantas vezes posta em ação, construtivamente ou destrutivamente,
para a fundação ou a ruína dos grandes impérios? Deixaram na Terra um rastro de
sangue. O que objetivaram, o que construíram, seu orgulho e na sua pretensão,
foi reduzido a ruínas. Mas a vontade do Alto, providencialmente, A revelia
desses míseros calcetas de suas paixões inferiores, essa fez-se sentir, sobrepairando
sempre muito acima das falazes grandezas humanas e das efêmeras construções
erguidas pelos poderosos da Terra, para fazer germinar do seio dessas ruínas e
desses tremedais de sangue e de lama, a divina semente do progresso e da
regeneração humana, multiplicada nos frutos da experiência - a grande mestra da
vida - que aos poucos vai ensinando aos homens o caminho
da Verdade, objetivo sagrado que absolutamente não colimou nenhum desses dominadores
e ferozes conquistadores, porque o desmedido orgulho e o revoltante egoísmo, só
lhes permitiam ver o imediatismo dos seus triunfos pessoais e das suas glorias
sangrentas!
Passam, no tropel dos carros da vitória
e no clangor das fanfarras, ao passo rígido das legiões soberbas, os vultos
horripilantes dos Césares romanos! Passam os chefes bárbaros, no fragor das
batalhas, em meio das multidões truculentas e impiedosas, tudo aniquilando! Depois,
ao estampido das bombardas, ao estrugir da artilharia, passam os grandes
capitães hodiernos! Todos eles volvem aos seus túmulos de pedra, permanecem na
rigidez do mármore e do bronze, olhando, pávidos e mudos àquela hora de triunfo
que um instante os embalou num sorriso fátuo de glória e que se lhes chumbou a memória
como a triste nódoa dos seus crimes glorificados pelas multidões pervertidas!
Supuseram-nos grandes, porque fizeram a sua própria vontade orgulhosa.
Morreram todos e ressurgiram,
petrificados, na morte das estátuas. Fez-se conforme a sua orgulhosa
vontade!...
Só o Cristo vive, porque só o Cristo
ressurgiu dentre os mortos, por ser humilde, porque não veio para fazer a sua
própria vontade, mas a do Pai que o enviou.
Ressurgiu dentre os mortos - e vive e impera sobre os espíritos e
liberta-os e redime-os.
Não fez a sua própria Vontade! Fez a
Vontade daquele que o enviou.
Bendita imersão no seio de Deus! Mil
vezes bendita, oh! sacrossanta imersão da alma no seio de Deus!
É assim que se despersonalizam os
que se difundem em Deus: o Pai os
torna, em verdade, os guias das humanidades, os Pastores dos rebanhos que
pascem nas campinas do Infinito.
Os Cristos não morrem em suas
estátuas de pedra; vivem nos corações dos seus discípulos.
As religiões que erguem estátuas ao
Mestre, não o tem mais por guia: elas perderam-se na mais hedionda das idolatrias!
Demonstrada, assim, a improcedência
das objeções contra a finalidade luminosa da Pura Espiritualidade, vê-se bem
que constitui ela uma hipótese plausível e que não demorará muito a ser aceita
pelo consenso geral dos crentes, passando a constituir mais um princípio consagrado
pelo Espiritismo, como fulcro luminoso, sobre o qual se erguerá a lâmpada da
Esperança, a brilhar em meio da noite ainda cerrada da mentalidade humana.
Já Oersted, citado por Flammarion no
seu grande livro -- O Desconhecido e os Problemas Psíquicos - entrevira, apesar
do seu materialismo, como homem culto que era, a grande verdade da
independência absoluta do espirito em relação à matéria, quando afirmou haver
espirito na Natureza (Il a d'esprit dans
Ia Nature).
Aos
espíritas a hipótese da Pura Espiritualidade não pode oferecer dúvidas. Eis
porque manifestamos a esperança de vê-la em breve elevada à categoria de princípio.
* * *
O mesmo não se dá com relação a
outros enunciados que, embora revestidos de aparências científicas - e talvez
por isso mesmo -- decorrem, por um lado, de observação muito terra a terra, de
certos fenômenos, e, de outro, da impossibilidade, no estado atual dos
conhecimentos humanos, de submeter esses fenômenos a um exame mais profundo,
para que se pudesse discernir, não apenas o que se passa na estrutura material
do homem, mas também o que ocorre na sua consubstancialidade intrínseca, que é
o que importa reconhecer, o que importa ver através das enganosas formas sempre mutáveis, daquela
estrutura material a que aludimos.
É' verdade que as páginas da vultosa
bibliografia espírita de cunho mais acentuadamente científico, estão cheias de
observações a respeito dos fenômenos que tem por
sede o perispírito, fenômenos esses estudados nos capítulos do magnetismo,
hipnotismo, exteriorização da sensibilidade, da motricidade, materializações,
transportes, levitação, etc. etc.
Foi esse um contingente preciosíssimo
de estudos com que o Espiritismo reagiu valorosamente contra o materialismo do
século, batendo-o com as suas próprias e mais temerosas armas e nos seus mais
fortes redutos.
Essa reação não pode, não deve, não
precisa agora correr o mesmo risco da reação do racionalismo contra o
dogmatismo da igreja, que levou o espírito humano, pelo esforço de quebrar as
cadeias do credo quia absurdum, a afundar nos pélagos sombrios do
materialismo, destituindo
a civilização Cristã das suas essenciais caraterísticas.
A demonstração da sobrevivência do ser
e da consequente permanência das suas faculdades intelectuais, está feita. É
essa uma parte do Espiritismo tornada Clássica e incorporada ao acervo do saber
humano com todos os requisitos da ciência, constituindo-lhe um novo quadro, si
assim o quiserem, que pode deixar de ser estudado pelos nossos adversários, por
certas razões inconfessáveis, sem que tal desprezo o venha inquinar da pecha
de desvalioso.
A religião do Cristo foi restaurada,
graças ao advento do Espiritismo, no momento em que a igreja, como instituição
religiosa, deixou de existir.
Não se pode chamar religião a uma
série de fórmulas e de cerimônias ritualísticas, realizadas com grande pompa e
desmedido aparato, por certos indivíduos hierarquizados, adstritos a regras que
estão muito longe de assentar em sentimentos religiosos, especialmente os que
defluem das páginas do Evangelho.
Que a igreja subsista como
instituição social para efeitos meramente de ordem temporal, como instrumento
politico dos governos, entende-se.
Não lhe pertencendo mais o cuidado
das almas pois que ela se deixou confinar voluntariamente ao simples interesse
das coisas mundanas, cumpre ao Espiritismo o desempenho dessa grande missão,
para a qual se requerem as qualidades recomendadas pelo Cristo:
abnegação, amor ao próximo e sobretudo humildade.
O Espiritismo empunha o facho da
Religião.
Cumpre-lhe, portanto, prestigiando a
Ciência, dar ao sábio o influxo do sentimento, elevando-o da simples observação
das coisas transitórias, para os estudos mais transcendentes que concernem ao
mundo espiritual, trazendo à Psicologia sua contribuição preciosa e
encaminhando as pesquisas da inteligência humana para os elevados cimos onde
esvoaça, belo, esplendoroso, livre e magnífico, o Espírito em sua pureza
inatingível ainda pelo
homem, sim - o que, não importa, porém, no esquivar-se este aos imperativos da
sua própria índole pesquisadora, pois que também o Sol, as estrelas, o mundo
desconhecido dos infinitamente pequenos, são-lhe, a muitos respeitos,
inacessíveis, sem que isso o induza, contudo,
a deixar de volver a sua curiosidade ingênita para os estudos concernentes a
esses elementos da Natureza.
por Arnaldo S. Thiago
Conferência realizada em 1º de
dezembro de 1940
no Centro Espirita "Discípulos
de Samuel"
in “Ao Serviço do Mestre” (Ed. FEB 1942)
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