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VI As vidas sucessivas, na opinião do eminentes
pensadores. Documentação pelos fenômenos da psicologia experimental. O
Evangelho dá testemunho d'essa verdade, proclamada pelo Cristo. Renascimento da
água e do espírito. Esquecimento do
passado; conservação da memória substancial. Reminiscência excepcional de
anteriores vidas. Exemplos.
Vimos precedentemente que, a não ser
para as almas timoratas que se não atrevem a buscar, fora do círculo implacável
do dogmatismo religioso, a explicação da vida e a revelação integral, do
destino humano, ou para certas mentalidades enfeudadas a um preconceito científico,
já hoje indigno de atenção, que prefere admitir a intervenção do acaso a
reconhecer uma suprema Inteligência na organização de todas as coisas no
universo, tudo regulando mediante leis sábias e, por isso mesmo, inflexíveis,
para todo aquele que com um entendimento desanuviado de paixões busca
surpreender a harmonia, que necessariamente existe entre essas leis e as aparentes
anomalias e singularidades que apresenta a vida neste mundo, só o princípio da
pluralidade de existências para cada espírito aceito pela razão e documentado
pelos fatos, como veremos em seguida, é capaz de satisfazer os reclamos de
semelhante indagação, pondo em relevo aquela soberana Justiça, que é das mais
nobres aspirações da consciência humana.
Assim o entenderam grandes
pensadores, cujo pronunciamento, antes que essa verdade passasse ao domínio das
comprovações científica, atestar a clarividência do seu descortino, demonstrando
ao mesmo tempo que, se para um século de materialidade, que erige o testemunho
dos sentidos em critério exclusivo de certeza, só a prova direta e objetiva
autoriza o conhecimento da verdade, esta pode ser muito mais cedo percebida mediante o
sentido íntimo do espírito.
Com os depoimentos de tais
clarividentes pensadores a favor das vidas múltiplas poder-se-iam encher
volumes. Contentar-nos-emos, por nossa
parte, a título de ilustração teórica, com a citação de alguns mais
expressivos.
Jamblico, filósofo grego, em seu
TRATADO DOS MISTÉRIOS EGIPCIOS, assim se pronuncia (1):
(1) Ver A. de Rochas, LES VIES
SUCCESSIVES, pags. 12.
"A justiça de Deus não é a
justiça dos homens. O homem funda a justiça em relações estabelecidas por sua
vida atual (resultantes de seu estado presente: Deus a estabelece relativamente
a nossas vidas sucessivas e à universalidade de nossas existências.
Assim os sofrimentos que nos oprimem
são muitas vezes a punição de um pecado pela alma cometido em vida anterior. A
razão desse fato nos é por Deus oculta algumas vezes; nem por isso contudo o
devemos atribuir menos a sua justiça."
No ponto de vista do problema dos renascimentos,
em si mesmo, não é menos positiva a opinião de Cícero, o eloquente orador e célebre
escritor latino.
"Quanto à origem eterna das
almas - diz ele (2) - não vejo em que se possa pô-la em dúvida, se é verdade
que os homens vêm ao mundo providos de um número considerável de conhecimentos.
Ora, uma grande prova de que assim é, consiste na faculdade e na rapidez com que
as crianças aprendem essas artes dificílimas em que há uma infinidade de coisas
a compreender, o que permite acreditar que elas lhes não são novas e que o
ensinar se Ihas não faz mais que lh'as reavivar na memória. É o que o divino
Platão nos leciona."
(2) Obra citada, pags . 13.
Passando da antiguidade aos tempos modernos
e omitindo, para não alongarmos demasiado as citações, entre os vultos daquele
período vários outros significativos testemunhos, ouçamos em primeiro lugar Victor
Hugo, que, com a eloquência da sua genialidade, assim respondia aos ateus, em
1866, num documento divulgado por Arsenio Houssaye (3):
(3) Idem, ibidem, pags . 25 e 26.
"Quem nos diz que eu não me
encontro novamente na sucessão dos séculos? Shakespeare escreveu: "A vida
é um conto de fadas que se lê pela segunda vez." Poderia ter dito:
"pela milésima vez;" porque não há século em que eu não veja passar a
minha sombra.
"Não
acreditais nas personalidades movediças (isto é, nas reencarnações) , a
pretexto de que vós não vos recordais de coisa alguma de vossas anteriores
existências. Mas como guardaríeis impressa a recordação dos séculos que se foram,
quando já vos não lembrais das mil e uma cenas de vossa vida atual? De 1802
para cá têm havido em mim dez Victor Hugo. Imaginais contudo que eu me lembre
de todas as suas ações e pensamentos?
"Quando eu houver transposto o
túmulo, para de novo encontrar uma outra luz, todos esses Victor Hugo me serão
de alguma sorte estranhos; a alma, porém, será sempre a mesma.
"Sinto em mim toda uma vida
nova, toda uma vida futura. Assemelho-me à floresta que foi repetidas vezes
derrubada; os novos rebentos são cada vez mais fortes e vivazes. Sinto-me
subir, subir para o infinito. Tudo é radioso em minha fronte. A terra me fornece
a seiva generosa, mas o céu me ilumina com o esplendor dos mundos entrevistos.
"Dizeis que a alma não é mais
que a expressão das forças corporais. Porque então minha alma é mais luminosa,
quando as forças corporais me vão dentro em breve abandonar? O inverno se
ostenta em minha fronte, mas a primavera eterna me reside na alma. Aspiro nesta
idade os lilases, as violetas e as rosas como aos vinte anos.
"Quanto mais me aproximo do fim
tanto mais escuto em torno as inextinguíveis sinfonias dos mundos que me
atraem.
"Venho há meio século
escrevendo meu pensamento em prosa e verso : história, filosofia, drama,
romance, legenda, ode, sátira, canção, etc.: tudo tenho experimentado; sinto, porém,
que não disse a milésima parte do que está em mim. Quando repousar no túmulo,
não direi como tantos outros: terminei meu dia. Não, porque meu dia recomeçará
na manhã seguinte. O túmulo não é uma viela fechada, é uma alameda; e torna-se a abrir-se ao repontar da
aurora."
Assim se exprimia o excelso lidador dos
mais nobres ideais do século passado, na generosa França. Não menos convencido
da imortalidade do espirito e da pluralidade de suas existências se mostrava
esse outro gênio - que o foi, por sua vez, do pensamento eslavo - seu digno
irmão no mesmo sonho de redenção e de igualdade humana, que se chamou Leon Tolstói.
Numa entrevista concedida em 1908, dizia
ele (1):
(1) Ver obra citada, págs. 27.
"Tal como os sonhos de nossa
existência terrestre constituem um estado durante o qual vivemos de impressões,
de sentimentos e pensamentos relativos
ao nosso viver anterior e fazemos provisão de forças para o despertar na sucessão
dos dias, assim toda a nossa vida atual constitui um estado durante o qual
vivemos mediante o KARMA da vida precedente e fazemos provisão de forças para a
vida futura.
"Assimn como vivemos de milhares
de sonhos durante a nossa existência terrestre, identicamente é esta uma das
milhares de vidas em que entramos ao sair da outra vida, mais autêntica e real,
a que depois da morte regressamos.
"Nossa vida terrestre é um dos
sonhos de urna outra vida, mais real, e assim sucessivamente, até o infinito,
até a derradeira vida, que é a vida de Deus."
A seu turno Oliver Lodge, o eminente
reitor da Universidade de Birmingham, a cujo testemunho em favor dos fenômenos
espíritas tivemos ocasião de nos reportar no capítulo III, igualmente
entrevistado, em 1906, emitiu a seguinte opinião, que tanto tem de original
como de valiosa, pela autoridade científica do seu autor (1):
(1) Ob. citada, págs. 28.
"A ideia de que já existimos no
passado e devemos existir no futuro é tão antiga como Platão. Nela não há
novidade alguma. Disse um poeta que "nós somos bem maiores do que o pensamos;"
significa isso que a totalidade do nosso ser jamais se acha encarnada.
Parece-me que, ao nascer, um pouco desse amplo eu, que constitui
meu ser, se encarnou e, à medida que o corpo se desenvolve e pode conter-lhe
uma parte sempre maior, nele se vai infiltrando pouco a pouco, umas vezes
menos, outras mais, Quando se infiltra muito e se ostenta vigoroso, costumamos
dizer: "aí está um grande homem". Se ao contrario se infiltra pouco,
bem pouco mesmo, observamos: "não está completo." Nenhum de nós está
"completo."
"E quando esse corpo fica u sado,
vamos nos reunir à grande parte de nós mesmos; depois uma outra parte de nós
mesmos reencarnará e assim por diante. As diversas partes do grande eu se
unirão sucessivamente à matéria por um determinado tempo, a fim de receberem
uma educação que, parece, não pode ser diversamente adquirida. É uma espécie de
educação particular que se efetua em cada planeta, utilizando as partículas
materiais que desse planeta extraímos pela nutrição e por outros meios
diferentes.
"Não é ciência o que neste
momento estou fazendo; são hipóteses, mas baseadas em fatos, tais como os fenômenos
de memória anormal, de personalidade múltipla, de transe, etc., os quais não
estão ainda cuidadosamente estudados, e que, entretanto, o devem ser, se
queremos aclarar esse problema da vida após a morte."
A esses testemunhos acrescentaremos somente
os dois seguintes, joeirados entre dezenas de outros com que o doutor Th.
Pascal abundantemente documentou a sua obra ESSAl
SUR L'ÉVOLUTION HUMAlNE, o primeiro do fecundo escritor alemão Lessing,
significativo pelo seu cunho de livre racionalismo, em matéria de crítica
religiosa, e o último devido a Schopenhauer, que tão alho renome conquistou no
domínio da filosofia contemporânea.
Na EDUCAÇÃO DA RAÇA HUMANA, opondo
veemente replica a um, pastor luterano anti-reencarnacionista, escreveu Lessing
(1):
(1) Ver a indicada obra do DR. PASCAL, págs. 292.
"Todo homem tem que seguir,
cedo ou tarde, a senda que conduz à perfeição. Pode isso realizar-se em uma
mesma e única existência? É possível em uma vida ser-se ao mesmo tempo judeu
sensual e cristão espiritualizado? Certamente não. Porque não haveria, pois,
todo individuo de aparecer mais de uma vez neste mundo?
Seria ridícula essa hipótese, porque é a mais antiga das que tem concebido a
humanidade e porque a razão humana de pronto a compreendeu, nesses primitivos
tempos, em que ainda se não havia debilitado com os sofismas das diversas
escolas?
“Porque já não teria eu passado por
,todas as fases do progresso humano, fases determinadas por punições e recompensas
temporárias? E porque, estimulado pela esperança de uma eterna recompensa não
teria eu passado, noutro momento, por fases superiores? Porque não voltaria
outra e outra vez, tantas quantas venha a ser enviado, para adquirir maior conhecimento
e realizar sempre novas obras? Terei já operado tais coisas que me seja inútil
o voltar? Seguramente não. Será então porque esqueci já ter vivido; - e feliz
sou eu com esse esquecimento!
"A lembrança de minha vida
anterior me impediria de fazer bom uso da atual; e se agora sou obrigado a
esquecer o passado, provaria isso que ele está esquecido para sempre?"
Quanto a Schopenhauer, de quem com razão
diz, o Dr. Pascal que os seus contemporâneos e sucessores organizaram uma espécie
de conspiração do silêncio contra a sua
crença nas reencarnações, em sua obra PARERGA ET PARALIPOMENA (vol. II, cap. XV
Ensaio sobre as religiões) assim se
externou ele (2):
(2) Obra cit., págs. 296-297.
"Alguns dos absurdos mais
evidentes dos dogmas cristãos se podem explicar pela união de dois ensinos tão
diferentes como os do Antigo e do Novo Testamento. Disso temos um exemplo na
doutrina da predestinação e da graça. Pretende S. Agostinho que a graça é
concedida a um indivíduo, recusada a um outro,
desde o nascimento, posto seja ela um privilégio que confere ao seu possuidor
as maiores bênçãos espirituais. O absurdo e a malignidade dessa doutrina
residem simplesmente na suposição, contida no Antigo Testamento, de que o homem
é o produto de uma vontade desconhecida que o criou do nada.
"Se, ao contrario, admitindo
que o homem vem ao mundo com qualidades morais inatas, consideramos esse fato à
luz da metempsicose bramânica e budista, outra, inteiramente diversa, é a aparência
que ele toma. Porque, segundo a metempsicose cose, as qualidades inatas, que se
encontram num homem e faltam noutro, não são o gratuito presente de uma ignota
divindade, mas o fruto das ações pessoais de cada individuo, numa existência precedente.
"A parte absurda e revoltante
do dogma cristão, (1) de que acabamos de falar, é devida portanto unicamente ao
teísmo judaico, à doutrina da criação ex
nihilo e, por conseguinte, à negação incompreensível
e funesta da doutrina, tão natural e esclarecedora, da metempsicose, na qual -
excetuados os judeus - em todos os
tempos a humanidade acreditou.
(1) Da teologia dogmática da igreja
- deveria antes dizer o eminente pensador. - Porque, como veremos adiante, esse
princípio da pluralidade de existências da alma, familiar pelo menos aos judeus
esclarecidos, que o viam consignados na KABALA e no TALMUD, foi proclamado pelo
Cristo, em mais de uma ocasião. E entre os mesmos padres dia igreja, como
igualmente se verá, alguns o admitiam abertamente, vindo embora a ficar abafada
a sua clarividente opinião.
"Pedisse-me um asiático a
definição da Europa, e eu seria obrigado a lhe responder: É esta parte do mundo
que vive atormentada pela inacreditável ilusão de que o homem foi criado de
nada e que o seu atual nascimento constitui a sua primeira exibição na vida ...
"
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