“A Aurora da Redenção”
(Lucas 1,26 ss; João
1,14 ss)
Embalada na verde solidão das
montanhas da Galileia, dormitava uma aldeia pitoresca, por nome Nazaré. Nazaré
significa broto, rebento.
Achava-se situada
num vale, cercada de uma cadeia de montes abruptos, que atingem a 165 metros de
altura. O vale mede 2.000 metros de leste a oeste sobre 500 de norte a sul,
ficando aberto apenas desta última parte; dos outros lados, está cercada de uma
trincheira de rochas calcárias, cuja brancura contrasta singularmente com o verde
das figueiras, oliveiras e ciprestes, e com o variegado matiz dos jardins e
pomares que cobrem a planície.
Nazaré não tinha
importância histórica: o seu nome não ocorre nas páginas dos livros sacros do
Antigo Testamento.
À beira da
povoação, alvejava uma vivenda singela, e nessa casinha vivia uma jovem
israelita, por nome Maria.
Maria, ou Myriam
(Mirjam), é antigo nome egípcio-hebraico, e significa: "querida de
Deus".
Profundos
mistérios envolvem a vida de Maria. Sabemos apenas que era da estirpe real de
Davi e, provavelmente, filha de Joaquim e Ana, piedoso casal, que, segundo a
tradição, vivia em Jerusalém. Diz ainda a antiguidade cristã que, em pequena,
costumava Maria trabalhar no templo de Deus, em companhia de outras meninas de sua
idade.
Mais tarde,
encontramos a jovem israelita em Nazaré. Mas a sua alma ficara em Jerusalém, na
casa de Deus. A humilde casinha serrana, à beira da povoação, era o seu santuário
e o seu campo de trabalhos.
*
* *
Entrementes,
chegara o dia tão ardentemente suspirado pelos videntes da lei antiga - dia em
que desceria do trono excelso o Verbo Eterno, e, revestindo-se da humana
natureza, viria habitar entre nós. Queria o Salvador nascer de uma mãe, criança
inerme como todos os mortais. Mas, em sinal de sua divindade, quis ter por mãe uma
virgem, como fora predito, cinco séculos antes, pelo profeta Isaías. "Eis
que uma virgem conceberá e dará à luz um filho". Is 7,15.
*
* *
Era em princípios da Primavera. Ao longe, entre
os recortes da serrania de Nazaré, despontava o primeiro sorriso da aurora. Penumbras
envolviam ainda o aposento de Maria.
De súbito,
resplandece pela sala uma luz.
Maria estremece
...
De onde viria aquele
estranho clarão? Do sol? Mas o sol ainda não nascera ...
A claridade vinha
do fundo do quarto.
Mais uns
momentos, e, do meio da luminosa nuvem, se destaca um ser misterioso.
A jovem
contempla, admirada, a estranha aparição.
Nisto o ignoto
arauto de outros mundos descerra os lábios e diz:
"Eu te saúdo,
cheia de graça... o Senhor é contigo... bendita és tu entre as mulheres"...
Maria, percebendo
semelhantes palavras, teme ainda mais, e poê-se a refletir o que viria a
significar essa saudação... "Eu te saúdo? ...cheia de graça?". Nunca
ninguém lhe falara assim. "O Senhor é contigo?... bendita és tu entre as mulheres? por quê?
Ainda estava ela
a lutar consigo mesma, quando o mensageiro segue:
"Não temas,
Maria! encontraste graça diante de Deus. Eis que receberás e darás à luz um
filho a quem porás o nome de Jesus. Será poderoso e chamado filho do Altíssimo;
e o seu reino não terá fim.”
Darás à luz um
filho?...
A jovem estranha
a singular mensagem, e lembra-se do seu voto de virgindade, que fizera a Deus,
no templo de Jerusalém: sabia que dera este passo por inspiração divina. Como,
pois, conciliar as palavras do anjo com esse voto?
"Como se
fará isto - respondeu, hesitante - se não conheço varão?"
Tomou-lhe o
celeste mensageiro:
"O Espirito
Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te fará sombra. Por isto, o
santo que de ti nascer será chamado Filho Deus."
Ouvindo isto,
inclinou-se Maria e disse:
"Eis aqui a serva do Senhor! faça-se
em mim segundo a tua palavra."
E, neste momento,
o Verbo eterno se fez carne e veio habitar entre nós.
Acabava de
realizar-se o mistério da encarnação predito pelos profetas da lei antiga,
mistério pelo qual suspirava a humanidade por muitos séculos.
Huberto
Rohden
in “Jesus Nazareno”
(Editora Livraria
Lucerna Ltda - 1948)
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